ADVERTÊNCIA
Desta
"Parte X" em diante, os fatos
narrados são mais próximos a nossos dias. E de alguma forma se tornaram
menos freqüentes, nas palestras de Plinio Corrêa de Oliveira para os
sócios, cooperadores e correspondentes da TFP, as narrações
autobiográficas, pelo menos com a freqüência com que ele as fazia nas
décadas anteriores. Assim, o leitor notará que o tom autobiográfico muitas
vezes dará lugar a simples narrativas de lances de atualidade, sempre
feitas por ele. |
1. Livro consagrado pelos acontecimentos
Em 1970, deu-se a ascensão do marxista Allende no
Chile.
E vimos o grande triunfo do livro de Fábio Xavier da
Silveira, Frei, o Kerensky chileno, que não se deu quando o livro
foi publicado, mas quando Frei saiu do poder no Chile [1].
A previsão, feita em 1967, se confirmou tragicamente
aos olhos da América e do mundo [2].
E viu-se então o que tinha sido profetizado [3].
Aí se começou a reconhecer que o livro era profético [4]
e todos disseram: “Este livro já o previra”* [5].
* O jornalista
Lenildo Tabosa Pessoa, em artigo no Jornal da Tarde de 8 de
setembro de 1970, dizia que a justeza das previsões do livro era tamanha,
que mais parecia escrito post factum. Igualmente o jornalista Mario
Bush, colaborador de O Estado de S. Paulo, afirmou em artigo de 13
de setembro do mesmo ano, que a análise do livro, que a muitos parecia um
exagero 'direitista' inspirado num macarthismo 'crioulo', fora plenamente
comprovada pelos fatos (cfr. Catolicismo n° 238, outubro de 1970).
Não era, portanto, um livro para amanhã, mas um livro
para depois-de-amanhã [6].
Antes disso, na aparência, tinha sido um livro
fracassado, porque não impediu que Frei fizesse o trabalho de Kerensky [7].
No término do mandato de Frei, as coisas já se
apresentavam sensivelmente mudadas em favor do comunismo. Não porque o
Partido Comunista tivesse aumentado seu contingente, mas porque o número
de burgueses prontos a cooperar — por ingenuidade ou simpatia — com o
comunismo, crescera singularmente no país, graças à atmosfera criada pela
Democracia Cristã chilena.
2. Escandaloso apoio do Cardeal Silva Henriquez a Allende
Essa erosão, em meios não-comunistas, ainda foi mais
rápida e profunda nos ambientes especificamente católicos, sacudidos com
suma violência pelo tufão progressista.
Assim é que o Cardeal Silva Henríquez chegou ao
extremo de afirmar, antes das eleições, que é moralmente lícito a um
católico votar num marxista (cfr. jornais Última Hora e Clarín,
Santiago do Chile, 24/12/69).
Essa declaração rumorosa, difundida em toda a
imprensa falada do Chile e em inúmeros órgãos de publicidade do Exterior,
não foi desmentida pelo Purpurado.
|
Allende só subiu devido ao apoio do Cardeal
Silva Henriquez e da democracia cristã chilena. Na foto, o Cardeal
cumprimenta Allende na celebração de solene Te Deum pela
vitória do mesmo. |
Uma carta enviada a este pela Sociedad Chilena de
Defensa de la Tradición, Familia y Propriedad, pedindo-lhe expressamente tal
desmentido, ficou sem resposta.
Assim, numerosos votos de católicos se encaminharam
para o candidato marxista Salvador Allende (cfr. El Mercurio,
24/1/70 e El Diario Ilustrado, 25/1/70, ambos de Santiago).
3. No segundo turno, a DC vota no candidato marxista
Apresentemos os fatos tais como se passaram.
Pari passu, a DC se cindia, votando uma parte
de seus membros em Allende. E também o velho Partido Radical,
caracteristicamente burguês, votou por este [8].
Na realidade, os seus líderes dentro e fora do
Parlamento, postos na alternativa de optar entre o candidato marxista e o
que não o era, declararam que em caso algum dariam preferência a este
último: modo mal velado de afirmar que, seja como for, levariam à suprema
magistratura o marxista. Eles se colocaram assim, de antemão, em uma
posição entreguista ante o marxismo vitorioso [9].
A propaganda esquerdista pôde alardear no mundo
inteiro que, pela primeira vez na História, um marxista havia ganho uma
eleição [10].
Certos jornalistas falavam em "triunfo" de Allende.
"Triunfo" de 1% era triunfo? [11]
Era bem verdade. Porém, os contingentes marxistas não
haviam crescido. A causa da vitória estava na erosão dos meios
não-comunistas, ou até anticomunistas [12].
4. “Te Deum” no Chile e saudação de Paulo VI
O Chile iniciou assim sua "via dolorosa" rumo ao
comunismo.
O Cardeal Silva Henriquez foi dos primeiros a visitar
o futuro presidente, assegurando-lhe o apoio da Hierarquia, e lhe
transmitindo, da parte do Papa Paulo VI, saudações especiais bem como
votos de êxito.
Paulo VI terá visto, desde o começo, sem apreensão
nem repulsa, a vitória de Allende? Quanto se passou leva a responder que,
efetivamente, ele a anteviu, sem contudo dar mostras de apreensão e
repulsa.
De sua parte, o purpurado chileno declarou à imprensa
que o dever dos cristãos neste momento é fazer o que estiver ao seu
alcance para que o novo governo tenha êxito [13].
No dia da posse de Allende, o Cardeal Silva Henriquez
celebrou o Santo Sacrifício da Missa e cantou um Te Deum em ação de
graças pela ascensão do novo governo.
O presidente ateu e uma farta coleção de pastores
protestantes assistiam à augusta cerimônia católica.
5. Direito de refletir e de discordar
Se há um direito que tenho, como homem e como
católico, tão essencial ou mais ainda do que o de viver, é o direito de
refletir sobre esses fatos, e dizer de público o que sobre eles penso [14].
Católico apostólico romano, eu o fui durante toda a
minha vida. Sou-o, hoje, com maior convicção, energia e entusiasmo do que
nunca. E, espero, pela graça de Deus e pela intercessão de Nossa Senhora,
que o serei mais e mais até o último alento. Por isto, tributo do fundo de
minha alma, ao Sumo Pontífice e à Santa Sé, toda a veneração, todo o afeto
e toda a obediência que lhes devo segundo a doutrina e as leis da Igreja.
Mas sei que, posto diante de fatos claríssimos, não
os posso negar, nem deixar de perceber suas conseqüências.
E sei também que, ainda quando admitidos os fatos
irrecusáveis que acabo de enumerar e analisar, tudo quanto a Igreja ensina
sobre a infalibilidade e a suprema autoridade dos Sumos Pontífices
continua inteiramente intato.
Assim, estou com a consciência à vontade ao tratar,
como católico, do triste e delicado assunto.
Desejaria Paulo VI, para a América Latina, um
“modus vivendi” com o comunismo?
Ficava a pensar... [15]
- O que
pensava? Antes de tudo, que isto formava uma seqüela de imensos
escândalos.
O que era feito de todas as condenações dos Papas, de
Pio IX a Pio XII, contra o comunismo? Como, de um momento para outro, e
sem mais explicações, foram postos de lado esses atos solenes, graves,
repetidos? E como o Purpurado chileno podia oferecer o Sangue
infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo para agradecer, como
fato lícito e auspicioso, a vitória de uma corrente por tantos Papas
qualificada de satânica, imoral e subversiva? Não era isto um sacrilégio?
Não era também um sacrilégio cantar Te Deum para agradecer a Deus
essa vitória do ateísmo?
Se em nome de uma aliás mal entendida disciplina, eu
devesse admitir que tais atos não eram sacrílegos, teria a sensação de que
todas as leis da lógica nada mais valiam. E que o absurdo passou a ser a
única realidade. Felizmente, a tal ato de disciplina não me obrigava
nenhuma lei da Santa Igreja* [16].
* Somavam-se a
essas atitudes de Paulo VI outras igualmente perplexitantes, cujo conjunto
apontava para um verdadeiro sistema de governo: portas abertas para o
comunismo e o progressismo, e portas fechadas para toda e qualquer pessoa
ou movimento que se lhes opusessem. Em artigo da Folha de 12 de
julho de 1970, Dr. Plinio pôs na boca de um objetante,
Jeroboão Cândido
Guerreiro, um elenco exemplificativo de algumas dessas atitudes, que
transcrevemos abaixo:
“Mil e
quinhentos católicos de vários países desfilam em Roma para exprimir a
Paulo VI seu desagrado ante a reforma que ele está fazendo na Igreja.
Entre outras coisas, querem eles que o Bispo de Roma em nossos dias tenha
o mesmo poder absoluto dos seus antecessores. Chegados à Praça de São
Pedro, eles ali permanecem em submissa vigília de orações, a pedir que
Deus ilumine o Papa Montini. Este, de seu lado, se mantém desdenhosamente
de portas e janelas fechadas, durante todo o tempo em que ali permanecem
essas ovelhas. [...] A pobre grei da superfidelidade supercatólica
[...] se dispersa melancolicamente, sem ter ouvido do Pastor
supremo, ao qual teimam em estar unidos, uma só palavra de afeto paterno.
Mais. Pouco depois, Paulo VI, em uma alocução, os arrasou. [...]
|
O papa Paulo VI e o patriarca armênio da URSS,
Vasken I, durante ofício na capela Sixtina, em 11 de maio de 1970 |
“Já dias antes,
um ‘herege’ (adoto aqui a terminologia dos teólogos católicos), como o
Patriarca armênio Vasken, fora recebido com pompas como se fosse um papa,
por Paulo VI, na Capela Sixtina. Agora, Paulo VI vai receber [...]
certamente para algum ‘diálogo’ seguido de concessões, o líder
contestatário [...] que é o Cardeal Alfrink, de Utrecht.
“Também poucos
dias depois de dar com a porta na cara de seus infelizes superfiéis, Paulo
VI recebeu, com distinção especial, três guerrilheiros afro-lusos. Para
agosto, está programada a visita de Tito ao Vaticano, onde será recebido
com honras de Chefe de Estado.
“O Sr., Dr.
Plinio, não percebe que as portas do Vaticano e o coração do Papa estão
abertos para todos os ventos e todas as vozes, exceto para os ventos
ideológicos que sopram do quadrante onde o Sr. se situa, e para as vozes
que dizem coisas semelhantes às que o Sr. diz? Não há no mundo quem seja
mais rejeitado pelo Papado modernizado e pela Nova Igreja, do que o Sr. e
seus congêneres.
“Meça bem o
contraste. Durante o último Sínodo de Bispos, reuniram-se em uma igreja
protestante de Roma alguns padres católicos super-contestatários, que
levaram a Paulo VI uma mensagem sulfúrica. As portas do Vaticano se
abriram para eles. Chegaram até a antecâmara papal. Entregaram sua
mensagem. Paulo VI não os recebeu em audiência. Mas prometeu muito
afavelmente que iria estudar os pedidos dos contestatários. E para a
mensagem da TFP, implorando providências de Paulo VI contra o que o Sr.
chama ‘a infiltração comunista na Igreja’, assinada entretanto por
1.600.368 católicos? Nem uma resposta sequer teve Paulo VI! Pergunto: pode
haver mais clara prova de rejeição?”.
6. O caos que veio depois
Com o supremo poder em mãos, o governo Allende
resolveu aplicar ao Chile — custasse o que custasse — uma série de leis
socialistas e confiscatórias, sem atender ao descontentamento que isso ia
gerando na maioria da opinião pública.
A pobreza foi se estendendo por toda a nação como uma
gangrena. As crises política e econômica somaram seus efeitos e produziram
um caos [17].
1. TFP chilena no exílio. Outras TFPs promovem campanhas
A TFP chilena percebeu muito bem que, se ela ficasse
em território chileno, cairia nas mãos de Allende e entraria debaixo das
perseguições policialescas*.
* Essa perspectiva
era tanto mais verossímil quanto corria na Justiça um processo aberto pela
Fiscalia (Promotoria) do Estado contra os dirigentes da TFP chilena
por supostas injúrias ao ex-Presidente Eduardo Frei, no fim do seu
mandato.
Então, a maior parte dos seus membros passou para o
exterior e começou a promover, a partir do exílio, uma campanha
sistemática de esclarecimento sobre o que estava sendo o governo Allende [18].
* *
*
Nós também organizamos no Brasil, e as outras TFPs em
toda a América do Sul, manifestações de rua vigorosas denunciando Allende,
denunciando o papel de Kerensky de Eduardo Frei.
|
Após a
Missa celebrada por D. Antonio de Castro Mayer, na Igreja de Santo
Antonio, em São Paulo, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira faz o
lançamento da campanha de esclarecimento da opinião brasileira sobre
a vitória do candidato marxista no Chile. A seu lado, Fabio Vidigal
Xavier da Silveira, autor do best-seller "Frei, o Kerensky chileno"
e a deputada Dulce Salles Cunha Braga. |
Em nossos desfiles de ruas eram distribuídos
folhetos, e bradávamos o slogan: Pelo Chile país irmão: luto, luta e
oração [19].
|
“Pelo Chile,
país irmão: luto, luta e oração”
A TFP iniciou a campanha de alerta sobre a
vitória do marxismo no Chile com um desfile no Viaduto do
Chá, no centro de São Paulo. O encerramento, em outubro de
1970, foi marcado por uma caminhada na Av. Afonso Pena, em
Belo Horizonte
(foto acima) |
Do livro de Fábio Xavier da Silveira, reeditado,
foram vendidos em 8 dias, 4.319 exemplares. Do artigo que publiquei na Folha de S. Paulo, intitulado
Toda a verdade sobre as eleições no
Chile, em igual período foram distribuídos, em avulso, cerca de 325
mil exemplares.
A oposição esteve ativa nas ruas: comunistóides e
jovens fanatizados pelo Clero progressista, com mil perguntinhas,
objeçõezinhas e debiques, tentavam interromper nosso trabalho.
Um ou outro, agrediu até com violência. Assim, um
tipo, em Porto Alegre - eu melhor
diria, um assassino em germe -
atirou contra os nossos um paralelepípedo de rua. Naturalmente, esse
"valente" ficou covardemente anônimo [20].
2. Surpreendente ataque de Dom Eugenio Sales
Quando estávamos em plena luta por demolir os maus
efeitos da vitória de Allende, desencadeou-se contra nossa entidade um
verdadeiro tufão.
Esquerdistas, "sapos", jornalismo
sensacionalista, tudo - numa
orquestração perfeita - se moveu
contra nós.
|
A
solidariedade não fica só nas palavras: o Senhor Cardeal D. Eugênio
Sales, Primaz do Brasil, e D. Helder Câmara – o “Arcebispo Vermelho”
– se abraçam |
De repente, novo tiro. Era S. Emcia. o Cardeal
Eugênio Sales que fazia contra a TFP um pronunciamento visando demoli-la
no conceito dos brasileiros.
Os historiadores que de futuro tratarem do episódio
se perguntarão por que S. Emcia. escolheu precisamente aquele momento, não
só para atacar rudemente a TFP, como para disparar numa fogosa apologia de
Dom Helder.
Em seu documento, o Sr. Cardeal Sales, depois de
rasgados elogios ao Arcebispo Vermelho, chegava a dizer que a onda de
desconfiança do País a respeito de Dom Helder importava em um movimento de
ataque à própria Igreja. O que constituía da parte do Purpurado uma clara
tentativa de deter toda a reação do País contra os desmandos de pensamento
e de linguagem do Arcebispo de Olinda e Recife [21].
Na parte que continha um formal ataque à TFP,
declarava Sua Eminência que os católicos deviam estar "alertas [...] com o movimento denominado Tradição, Família e Propriedade".
A razão alegada explicitamente era só esta: porque
tal movimento "não conta com a aprovação e qualquer apoio desta
Arquidiocese".
A explicação não poderia ser mais sibilina. Pois de
um lado ela fazia entender que a Sociedade não pediu licença a Sua
Eminência para se instalar na Bahia. Mas omitia dizer que, entidade cívica
que era, falando sempre em nome próprio e jamais no da Hierarquia, a TFP —
segundo a lei canônica — não precisava de tal licença. E que, assim, o
simples fato de não termos a licença de Sua Eminência, não era razão para
que alguém se alertasse contra nós.
Sua Eminência alegava que não tínhamos sua licença. E
sabia entretanto que as leis da Igreja nos davam o direito de existir sem
ela [22].
Daí nossa respeitosa mas firme mensagem ao Cardeal
Sales*.
* Nesta mensagem,
Dr. Plinio entre outras coisas dizia que era fácil perceber tudo quanto
unia o Cardeal-Primaz ao pensamento e à obra de Dom Helder, e impossível
discernir o que realmente o separava dele. Não obteve resposta.
O documento, datado
de 5 de outubro de 1970, tomou o título:
Carta aberta da TFP ao Cardeal
Dom Eugênio Sales - Análise, defesa e pedido de diálogo. Foi publicado
em primeira mão na Folha de S. Paulo de 9 de outubro de 1970, e
depois reproduzido em diversos órgãos de imprensa do País, inclusive em A Tarde, de Salvador-BA, em 22 de outubro de 1970 e
Catolicismo
n° 239, de novembro de 1970.
3. Declarações de Dom Sigaud, surpresa maior
Maior ainda será o embaraço dos historiadores quando
tiverem de explicar por que o Sr. Dom Geraldo Sigaud, Arcebispo de
Diamantina
- a quem o Brasil
devia inegáveis serviços na luta contra o comunismo
- escolheu o mesmíssimo momento
para, por sua vez, atacar a TFP.
Não poderia S. Excia. ter pelo menos esperado alguns
dias, até que a campanha chegasse a seu final? E, se tivesse tanta
urgência em nos atacar, por que pelo menos não disse palavra que
significasse compreensão, apoio, aplauso à campanha que vínhamos
desenvolvendo?* [23]
* As notícias
diziam que, após ser recebido em audiência pelo Presidente Médici, Dom
Sigaud declarara que a TFP havia se afastado dele há mais de dois anos.
A cisão, dizia,
fora conseqüência de seu apoio à Reforma Agrária do governo, a qual ele
considerava justa e cristã, e à reforma litúrgica determinada pela Santa
Sé.
A notícia concluía
dizendo que, “embora lamentando a dissensão, asseverou que, por um
problema de consciência, não podia deixar de ajudar o governo ou ser
contra o Papa”.
O distanciamento de
um Prelado que, em épocas passadas, havia participado na luta cuja
amplitude e mérito este relato deixa claro, foi um episódio doloroso na
vida da TFP. O fato é que, a partir de certo momento, começou a se
processar um distanciamento entre Dom Sigaud de um lado, e de outro lado
Dom Antonio de Castro Mayer, Dr. Plinio e diretores e sócios da TFP.
Esse distanciamento
dizia respeito a questões doutrinárias referentes ao direito de
propriedade e a matérias concernentes à disciplina da Igreja. No jornal Estado de Minas, de Belo Horizonte, de 27 de abril de 1969, foi
publicada uma declaração de Dom Sigaud afirmando que “os métodos de
desapropriação instituídos através do Ato Institucional número 9”
criavam um “clima favorável à execução da reforma agrária”.
Esta afirmação
contrastava abertamente com toda a linha de pensamento em que, ao lado de
Dom Mayer e dele, Dr. Plinio e a TFP se assinalaram, lutando contra a
Reforma Agrária. Tal afirmação de Dom Sigaud causou estranheza na TFP, a
qual entretanto preferiu atribuí-la a algum lapso de imprensa. Dois dias
depois, outra declaração no mesmo sentido, publicada no Jornal do
Brasil, tornou necessário um contato da TFP com o Prelado. Dessa
missão foi encarregado um membro destacado da seção mineira da TFP.
Portador de uma
missiva respeitosa mas franca de Dr. Plinio sobre o assunto, foi ele a
Diamantina, onde manteve largo colóquio com o Prelado. Desse colóquio
resultou que Dom Geraldo Sigaud confirmou suas recentes declarações em
favor da Reforma Agrária. E assim se configurou o desfazimento de tão
antiga cooperação.
Dada a longa e
íntima colaboração com o Arcebispo de Diamantina, e a amizade e
consideração que este lhes merecera, Dr. Plinio e a TFP evitaram, tanto
quanto esteve em seus meios, dar a público esses fatos. Foi Dom Sigaud
quem tomou a iniciativa de o fazer, e em termos contundentes, afirmando
que os membros da TFP “já fizeram muito pelo Brasil, mas agora estão se
tornando prejudiciais” (cfr. Jornal do Brasil, 3/10/70).
O fato é que a
notícia desses ataques foi publicada com alarido nos jornais diários de
todo o País.
Em resposta, Dr.
Plinio redigiu o comunicado
Dom Geraldo Sigaud e a TFP, que foi
largamente distribuído no dia 7/10/70 à imprensa (cfr. Catolicismo n° 239, novembro de 1970). Nesse comunicado, a TFP frisava que nossa
posição face ao problema da Reforma Agrária estava consubstanciada no
livro Reforma Agrária—Questão de Consciência
e
Declaração do
Morro Alto, dos quais Dom Sigaud era signatário. E deplorava que o
ilustre Prelado tivesse mudado de opinião. Quanto à TFP, ela se conservava
inabalavelmente fiel à posição assumida, o que não tinha qualquer sentido
de oposição ao governo, mas vinha de um imperativo de consciência.
No que concerne às
reformas litúrgicas, o comunicado dizia ser bem certo que algumas
delas causaram perplexidade aos membros da TFP. E não só a eles, como a
Bispos e teólogos de valor, que as estavam estudando, e sobre elas
desejavam um diálogo esclarecedor.
Entretanto, a TFP
timbrava em afirmar que tal atitude não importa em qualquer transgressão
das leis da Igreja no tocante à submissão devida pelos fiéis ao Sumo
Pontífice.
(Diga-se de
passagem, aliás, que essa perplexidade era compartilhada por ponderáveis
correntes de opinião católica com a reforma litúrgica, e foi em grande
parte favoravelmente considerada e acolhida pelo Papa Bento XVI no Motu
Próprio Summorum Pontificum, de 7 de julho de 2007).
Quanto às causas
desse distanciamento, ficava dito que Dom Geraldo Sigaud tinha razão ao
afirmar que a Reforma Agrária e as reformas litúrgicas foram causas de
distanciamento entre ele e a TFP.
O Sr. Arcebispo de
Diamantina poderia ter acrescentado a estas uma terceira causa. É que, a
partir de 1969, S. Excia. começou a se manifestar favorável à abolição do
celibato eclesiástico, pelo menos em certos casos.
Essa mudança de
opinião lhe valeu, segundo consta, um abraço de felicitação de Dom Helder.
Pelo contrário, os membros da TFP se mantinham firmemente ao lado da
legislação canônica atual, que estabelece a necessidade do celibato na
Igreja latina para todos os clérigos.
Dada a consideração
que Dr. Plinio tinha em relação a Dom Geraldo de Proença Sigaud, bem como
à longa e íntima cooperação que com ele manteve, a TFP evitou quanto
esteve em seus meios dar a conhecimento público esses fatos. E fez isto
pesarosa, obrigada pela necessidade de impedir que pairasse qualquer
sombra de dúvida sobre a inteira correção de suas atitudes face às leis
civis e eclesiásticas.
1. A miséria e o caos sobem ao poder junto com Allende, sob as bênçãos
do Episcopado
Enquanto isso, os acontecimentos no Chile iam
alcançando uma dramaticidade inigualada, a par da infiltração comunista
nos meios católicos.
Para se compreender a atitude tomada pela TFP andina
de que vamos falar, sou obrigado a descrever um pouco como estava a
situação naquela nação amiga.
Primeiramente, uma crise econômico-social expressa
por grandes greves. O Chile fica nos pródromos de uma guerra civil [24].
O justo descontentamento da população ameaçada de
miséria e caos se avolumou ao longo do governo de Allende, sob as vistas
glacialmente indiferentes e não raras vezes hostis dos Prelados que, em
impressionante número, apoiavam o presidente marxista* [25].
* Aconteceu no
Chile o que acontece em todos os países que caem sob o jugo comunista: as
medidas persecutórias tomadas pelo governo Allende contra a propriedade
privada e a livre iniciativa foram cobrindo com o manto da miséria
|
Recortes da
imprensa local, em tempos de Allende, denunciando a miséria em que
caia a nação |
toda a
nação. E a esquerda católica, em vez de se dobrar ante a evidência do
fracasso socialista, procurou sustentar o governo comunista custasse o que
custasse.
Um exemplo disso
foi a proposta do secretário geral da agremiação Esquerda Cristã,
Bosco Parra, que para resolver o problema da fome que batia à porta de
todos os chilenos, propôs ao ministro da Agricultura de Allende, Jacques
Chonchol, um “consumo igualitário básico para toda a população” (El
Mercurio, 21/8/72).
Os Cristãos para
o Socialismo da cidade de Antofagasta fizeram, por seu turno, a
apologia do jejum, afirmando: “O cristão não teme o jejum, está
familiarizado com ele” (Folha de S. Paulo, 10/9/72).
E a Federação
Feminina do Partido Socialista chegou a recomendar que as mulheres
socialistas se abstivessem de comer carne bovina durante um ano (cfr. O
Jornal, RJ, 30/9/72, apud artigo
A “canonização” cívica de
Allende, Folha de S. Paulo, 21 de setembro de 1989).
* *
*
A perseguição aos proprietários se fez declarada.
Assim, o sucessor de Chonchol no Ministério da Agricultura, Ronaldo
Calderón, declarava: "Temos ódio de classe e essa classe (dos
proprietários rurais) desaparecerá" [26].
2. Perseguição aos setores privados e amordaçamento da imprensa
Patenteava-se, assim, com nitidez, a linha geral dos
acontecimentos. O Governo de uma grande nação sul-americana caíra nas mãos
de uma seita de fanáticos, isto é, do partido socialista-marxista. Essa
seita resolvera aplicar ao Chile — custasse o que custasse — sua doutrina
materialista, igualitária, dirigista e anticristã. A partir deste fato
ideológico, desdobraram-se múltiplas conseqüências políticas e econômicas.
Uma série de leis socialistas e confiscatórias se
foram aplicando sucessivamente ao país, sem atender ao descontentamento da
maioria da opinião pública.
Em conseqüência, uma crise política começou a abalar
os próprios fundamentos do Estado.
Também a partir do fato ideológico se desenrolou,
paralelamente à crise política, uma crise econômica [27].
A lei de imprensa foi abusivamente utilizada por
Allende contra seus adversários, movendo contínuas ações judiciais,
prendendo jornalistas anticomunistas, suspendendo temporariamente órgãos
de difusão.
O abastecimento das companhias pesqueiras estatizadas
foi entregue a grandes barcos russos. Em conseqüência, os russos começaram
a construir um porto na baía de Colcura, ao sul de Valparaíso, que na
realidade era uma base para abrigar navios de guerra.
Cerca de 40% das empresas industriais e 80% do
sistema bancário passaram para as mãos do Estado [28].
O pior dos patrões é o Poder Público. Sentiram-no bem
os operários das cidades e dos campos, que pouco depois de "beneficiados"
pela socialização, começaram a revoltar-se contra a miséria que sobre eles
ia baixando.
As crises política e econômica somaram seus efeitos e
produziram um caos. Greves imensas paralisaram o país. Ele estava à beira
de uma aniquilação total [29].
3. Anistia a bandidos e terroristas
Os terroristas do Movimiento de Izquierda
Revolucionaria (MIR) foram libertados. Também o foram os presos por
delitos comuns de assalto e assassinato, e foi dada ampla anistia para os
detentos em geral. Ex-detentos foram admitidos na Polícia Civil, enquanto
a unidade móvel de Carabineiros, especializada na manutenção da ordem, foi
desativada*.
* É uma constante
de todas as revoluções de esquerda proteger e utilizar bandidos da pior
espécie como sua linha auxiliar. Foi assim na Revolução Francesa, foi
assim na Revolução Comunista de 1917 e é assim que se promovem campanhas
sistemáticas contra a Polícia em vários países da América Latina, muitas
vezes sob pretexto de “direitos humanos”. Atribuindo única e
exclusivamente a criminalidade a problemas sociais, esses revolucionários
se sentem irmanados com os criminosos (cfr.
Quatro Dedos Sujos e Feios,
Folha de S. Paulo, 16/11/83).
O governo Allende foi cometendo cada vez mais
ilegalidades ao impor suas medidas socialistas
[30].
4. “A autodemolição da Igreja, fator de demolição do Chile”
Ante esse quadro, em 1973, acompanhei com muito
interesse a publicação pela TFP do Chile de um manifesto em que esta dava
a público
[31]
o seu desacordo com a conduta da Hierarquia chilena e de Paulo VI face ao
processo de comunistização do Chile*
[32].
* Aquela TFP dizia,
com muita elevação e coragem, que o avanço do progressismo na Hierarquia,
Clero e laicato daquele país tinha favorecido a implantação e consolidação
do regime marxista. E que cabia a Paulo VI uma parte da responsabilidade
por esse trabalho de demolição feito pelo Clero e pela Hierarquia.
Como amostragem,
eis um trecho especialmente pungente desse manifesto:
"Filhos devotos
da Santa Igreja, é com profunda dor que presenciamos o desenrolar deste
processo, ao longo do qual os princípios doutrinários inspiradores da
autodemolição da Igreja vão transbordando do âmbito propriamente religioso
e penetrando sempre mais na vida pública do País, produzindo assim nela
efeitos analogamente deletérios. [...]
“Renovamos aqui
a expressão de todo o nosso amor reverencial, de nossa adesão ao Sumo
Pontífice e à Santa Sé, no momento em que, com dor entranhada, somos
obrigados, pelo próprio curso de nosso pensamento, a abordar outra
questão:
“—
Compreender-se-ia que as estruturas hierárquicas da Igreja no Chile
agissem como estão agindo, caso não tivessem recebido uma aprovação
inteira e direta de Paulo VI para fazê-lo?
“Esta pergunta
torna-se ainda mais inevitável quando se considera que Monsenhor Silva
Henríquez, como Cardeal, mantém contato permanente com o Vaticano. E, por
outro lado, está continuamente no Chile um Núncio Apostólico incumbido não
só de representar o Vaticano junto ao Governo chileno, como também junto
ao Episcopado. Núncio que dispõe de todas as facilidades possíveis para
transmitir a Monsenhor Silva Henríquez, ao Episcopado e ao Clero em geral,
as intenções de Paulo VI.
“É inadmissível
que essa aprovação não exista, seja pelos vínculos cardinalícios, seja
pela estrutura hierárquica da Igreja em geral, ou ainda pela constância e
amplitude dessa inusitada política do clero no Chile.
“Por outro lado,
durante esse período não transpareceu manifestação alguma — ainda que
velada — de frieza ou mal-estar do Vaticano em relação às atitudes do
Cardeal, do Episcopado e do Clero em benefício do regime marxista do Sr.
Allende”.
No seu manifesto, a TFP chilena chamava a si a
exclusiva responsabilidade pelo que publicou.
Assim, a TFP brasileira não estava comprometida com a
atitude de seus valorosos irmãos andinos. Ela ficou aguardando o
pronunciamento da Cúria de Santiago, bem como dos chilenos e brasileiros a
quem o tema interessasse. Era possível que, em seguida, viesse a se
pronunciar. O que faria com a prudência e a circunspeção que o delicado
tema exigia.
5. O direito de resistir aos maus Pastores
Houve quem ficasse indignado com aquele manifesto:
“Mas então Paulo VI é um mau Papa, um Papa que está demolindo a Igreja”? [33]
Se as circunstâncias não me tivessem levado a
debruçar-me especialmente sobre o assunto, confesso que também eu teria
uma categórica prevenção contra a tese de que assiste ao católico o
direito de fazer críticas públicas — se bem que respeitosamente expressas
— a determinados atos da Sagrada Hierarquia.
Adepto ardoroso do princípio de autoridade em todos
os campos, sou especialmente cioso da integral aplicação dele no que diz
respeito à Igreja e à Hierarquia. E muito particularmente no que toca ao
Romano Pontífice. Assim fui sempre. Assim sou. Assim espero morrer [34].
Não se podia alegar que a TFP chilena havia negado
implicitamente a infalibilidade papal, ou o acatamento devido ao Romano
Pontífice, quando atribuiu a Paulo VI uma parcela de responsabilidade pelo
que ocorria no Chile. Quem dissesse isto se exporia a ser demolido com um
piparote.
Com efeito, quem quer que conheça um pouco de
Teologia ou de Direito Canônico sabe que o carisma da infalibilidade só
ampara o Sumo Pontífice em certos atos do Magistério, praticados em
condições muito definidas. E que a adesão devida aos seus ensinamentos
doutrinários não infalíveis não importa em proibir os fiéis de discordar —
com fundadas razões — de atos concretos praticados por um Papa*.
* Esta doutrina foi
sustentada em data relativamente recente por um abalizado teólogo que
depois se tornou Papa: Joseph Aloisius Ratzinger, ou seja, Papa Bento XVI.
Disse ele: “É possível e até necessário criticar os pronunciamentos do
papa, se não estiverem suficientemente baseados na Escritura e no Credo,
ou seja, na fé da Igreja universal. Onde não houver, nem a unanimidade da
Igreja universal, nem o claro testemunho das fontes, não pode também haver
uma definição que obrigue a crer. Faltando as condições, poder-se-á também
suspeitar da legitimidade de um pronunciamento papal” (Joseph
Ratzinger, Das Neue Volk Gottes — Enwürfe zur Ekkleseologie,
Düsseldorf: Patmos-Verlag, 1969, trad. br. por Clemente Raphael Mahl: O
Novo Povo de Deus, Paulinas, São Paulo, 1974, p. 140).
Quanto às condições
para que um pronunciamento papal seja infalível, foram elas definidas pelo
Primeiro Concílio do Vaticano, em 1870, na Constituição Dogmática Pastor Aeternus.
Bastaria ouvir o célebre Cardeal Cayetano, admitido
como autoridade entre todos os teólogos sérios: “Deve-se resistir em
face ao Papa que publicamente destrói a Igreja” (in “Obras de
Francisco de Vitória”, BAC, Madri, p. 486). E o mesmo Francisco de
Vitória, grande teólogo do séc. XVI, por sua vez ensinava: “Se [um
Papa] desejasse entregar todo o tesouro da Igreja [...] a seus
parentes, se desejasse destruir a Igreja, ou outras coisas semelhantes,
não se lhe deveria permitir que agisse de tal forma, mas ter-se-ia a
obrigação de opor-lhe resistência. A razão disso está em que ele não tem
poder para destruir; logo, constando que o faz, é lícito resistir-lhe”
(ibidem, p. 487). E mais adiante o mesmo Francisco de Vitória
insistia com estas palavras claríssimas: “De tudo isto resulta que, se
o Papa, com suas ordens e seus atos, destrói a Igreja, pode-se
resistir-lhe e impedir a execução de seus mandados” (ibidem, p.
487). Se estes autores não bastassem, que se consultasse, entre os
antigos, S. Tomás, S. Roberto Bellarmino, Suarez, Cornelio a Lápide, ou
então os Padres orientais como S. João Crisóstomo, S. João Damasceno e
Teodureto [35].
Wernz e Vidal, que são de nossos dias, em seu
conhecido e abalizado Jus Canonicum (vol. II, p. 520) sustentam a
mesma doutrina. A esse respeito pode-se ler também o abalizado Antonio
Peinador Navarro (Curs. Brev. Theol. Mor. II. I. p. 277).
Mais marcante ainda é a opinião de um conhecidíssimo
teólogo suíço, que Paulo VI elevou às honras do cardinalato. Trata-se de
Monsenhor Charles Journet, o qual, no seu tratado L’Eglise du Verbe
Incarné, Essai de théologie spéculative (vol I, pp. 839 e ss.),
chega a dar direito de cidadania à doutrina admitida por vários outros
teólogos, de que um Papa pode até tornar-se cismático. Do que decorre,
naturalmente, para os fiéis, o direito e até o dever de resistir-lhe.
6. Clamoroso silêncio da Cúria e recriminação a portas fechadas
O manifesto chileno foi largamente divulgado por
vários diários do Chile, por emissoras de rádio e televisão etc.
Pelo menos por deferência para com o imenso público
que dele tomou conhecimento, o manifesto mereceria uma refutação [36].
Da parte da Hierarquia, o que se passou foi
lamentável.
Logo depois de publicado o manifesto, os seus
signatários receberam dois telegramas, enviados com pequeno intervalo um
do outro, convocando-os a comparecer na Cúria.
Ali apresentou-se um deles. Recebeu-o o Bispo
Monsenhor Carlos Oviedo Cavada, Secretário da Conferencia Episcopal do
Chile.
A discussão entre ambos se entabulou desde logo ácida
da parte do Prelado, e respeitosa mas firme da parte do representante da
TFP. Ela se encerrou com a declaração de Monsenhor Oviedo de que com a TFP
era impossível dialogar, porque era muito intransigente. Como se não
fossem intransigentes os líderes comunistas com os quais os Monsenhores
Oviedos, que há por toda a face da terra, mantinham animado e ameno
diálogo...
E ficou apenas nesse encontro a portas fechadas a
reação da Conferência Episcopal chilena (a CNBB de lá) diante de um
manifesto de tão alto quilate e vasta repercussão! [37]
“Quem cala consente”, diz o velho adágio...
Quem se cala diante de uma acusação revestida de todos os títulos para ser
levada em conta, deixa-se ficar numa postura lamentável.
Diria alguém: "Todo filho que aponta os erros de
sua mãe falta-lhe com o respeito. E o zelo pela sua própria autoridade
impede que ela, a Hierarquia, responda ao filho".
Não creio que qualquer moralista consinta em fazer
sua uma concepção de tal maneira despótica da autoridade materna. Está na
natureza das coisas que a mãe que perde o afeto de seu filho, porque este
lhe increpa uma atitude, deite o maior empenho em defender-se, para
conservar a estima dele. Isto quando ela tem boas razões a alegar.
Quando não as tem, é de seu dever reconhecer diante
do filho que andou mal, e pedir-lhe perdão pela desedificação que deu. Da
parte da mãe acusada, só o que não se compreende é o silêncio!
Assim, uma autoridade eclesiástica que se julgasse
injustamente acusada deveria considerar grave dever pastoral defender-se.
E se reconhecesse justa a acusação, teria o dever quiçá ainda mais grave
de desculpar-se [38].
E isto não houve da parte da Hierarquia chilena.
Calou-se.
Nada portanto havia a modificar na atitude da TFP
brasileira: continuamos a afirmar que, a terem sido narrados os fatos com
desapaixonada objetividade por nossa valorosa coirmã, tocava-lhe, segundo
a doutrina e as leis da Igreja, o direito e até o dever de fazer as
críticas que fez.
Não formaríamos um juízo sobre os fatos alegados por
aquela TFP, sem antes conhecermos o pronunciamento da outra parte, isto é,
da Cúria de Santiago ou da Nunciatura no Chile [39].
7. Sacerdotes chilenos apóiam de público a TFP
Para honra do clero chileno e alegria de nossos
corações de católicos, vários sacerdotes de valor e coragem manifestaram
seu apoio à TFP chilena* [40].
* Por constituírem
testemunhos veementes da insatisfação em relação às atitudes escandalosas
de apoio ao governo comunista da parte de seus Hierarcas, transcrevemos
aqui excertos dessas cartas, extraídos do artigo de Dr. Plinio para a Folha de S. Paulo de 15 de abril de 1973,
“Onze padres valentes”:
Padre Guilhermo
Varas A., de Santiago (diários Tribuna e La Tercera de la
Hora de 7/4/73): “É tristíssimo constatar e os Srs. o fazem com
abundância de documentação, como da atitude tantas vezes débil, vacilante
ou errada de certos sacerdotes, o marxismo soube tirar abundante proveito
para consolidar sua dominação sobre nossa Pátria. O que os Srs. exprimiram
(em seu manifesto) [...] apresenta uma luz de certeza para
incontáveis chilenos que se debatem em meio ao erro e à confusão. Creio
que muitos setores interessados em semear esta confusão preferirão guardar
um prudente silêncio. Que outra atitude poderiam adotar, quando os fatos
apresentados e as apreciações feitas, não apenas são de notoriedade
pública, mas fiel expressão do que ensina nossa Santa Madre Igreja?”
Padre Raymundo
Arancibia S., de Santiago (Diário La Tercera de la Hora de
11/4/73): “Os cristãos, e em especial os sacerdotes, sofremos muito
profundamente quando se tornam necessárias estas publicações, pela razão
muito simples de que nelas sai mal colocada a Hierarquia, mãe comum de
todos os fiéis. [...] Não sou, entretanto, daqueles que a priori
rejeitam toda crítica, por considerá-las sempre uma irreverência ou um
pecado. Existem sem dúvida, diversos tipos de críticas: a que se faz por
ódio ou pelo simples afã de achar tudo errado; e a que analisa serenamente
os fatos, tira conclusões adequadas, discerne responsabilidades, e procura
remédios para curar o mal. A que os Srs. fazem pertence ao segundo tipo,
uma vez que não criticam movidos pelo ódio, mas pelo amor que têm à
Igreja. Com uma linguagem respeitosa, apontam os fatos ocorridos e,
indicando as causas que lhes deram origem, deduzem conclusões lógicas e
propõem soluções construtivas. [...] é espantoso verificar que
muitos sacerdotes interessados na sorte dos que trabalham tenham ido
buscar precisamente numa doutrina condenada pela Igreja como
intrinsecamente perversa a solução desses problemas (a questão social)
como se nas Encíclicas não estivesse a melhor e mais cristã das soluções.
Essa atitude débil e indecisa ante o avanço dos erros marxistas; a
doutrina sustentada de forma descarada por muitos ministros de Deus, de
que se pode ser bom cristão e marxista, ao mesmo tempo; a política de mão
estendida que advoga uma franca colaboração com o comunismo o que, tudo,
aconteceu sem que ninguém atalhasse tais transbordamentos — deram como
fruto essa debilidade e indiferença dos católicos diante deste açoite, e
criaram o “clima” propício para que se entronize no Chile o marxismo, que
o está levando ao caos. Com toda a razão, os Srs. protestam por causa
desses acontecimentos, e com perfeita lógica tiram a consequência que
serviu ao seu folheto. [...] Deus continue ajudando-os nesta obra
que empreendem com tanto zelo e sacrifício.”
Padres Francisco
Ramirez, pároco de Santo Agostinho, José Garcia, vigário
cooperador, Benedito Guines e Luis Toledo Sch pároco do
subúrbio Carlos Mahn da cidade de Tomé, todos da Arquidiocese de
Concepción (diário El Sur de Concepción, de 10/4/73): “Sentimos
o dever de fazer-lhes chegar nosso público apoio e nosso mais sincero
aplauso à posição assumida por essa entidade no manifesto intitulado A
autodemolição da Igreja, fator da demolição do Chile. Em face da
atitude que adotou grande parte dos membros do Clero em relação ao
processo de comunistização que se abate como uma ‘procella tenebrarum’
sobre nossa Pátria, somente nos cabe manifestar nosso repúdio ao silêncio
e cumplicidade em que os mesmos incorreram. Pensamos como os Srs. que esta
atitude corresponde à grave crise em que se encontra a Igreja Católica,
crise essa que o próprio Paulo VI designou como um processo de
autodemolição da Igreja; e que, portanto, cabe ao Clero uma grave
responsabilidade por tal processo, no Chile. Não querendo nós incorrer na
mesma omissão, apoiamos a declaração dos senhores, por estar ela em
inteiro acordo com os mais genuínos ensinamentos de nossa Santa Madre
Igreja”.
Padres Arturo
Fuentes T., capelão das Irmãzinhas dos Pobres, e Bernardo Lobos M.,
Professor do Liceu II de Homens, de Concepción (diário La Tercera de La
Hora de 9/4/73): “Concordamos plenamente com toda a visualização
que os Srs. dão da realidade chilena. Ao considerar o silêncio e, em
alguns casos, a colaboração do Clero, como um dos fatores mais importantes
do processo de comunistização em que se afunda nossa querida Pátria, os
Srs. tratam do problema com toda a seriedade, mostrando fatos
incontrovertíveis, expostos de uma maneira inteiramente respeitosa. É uma
enorme alegria para nós, como sacerdotes, constatar que neste momento tão
crítico da vida da Igreja e de nossa Pátria, haja leigos que assumam a
defesa dos mais genuínos princípios de sua Religião, enquanto os que
deveriam fazê-lo, se calam”.
Padres Reinaldo
Durán Ch., pároco de São Rosendo, Francisco J. Valenzuela,
pároco de Lirquén e Francisco Veloso C. pároco de São João da Mata
(diário Tribuna de Santiago, de 11/4/73): “Não podemos senão
concordar e dar nosso caloroso apoio aos manifestantes (da TFP), que citam
fatos de domínio público e, portanto, indiscutíveis. Esses fatos ou
omissões vêm escandalizando e confundindo os fiéis. Com isso, o marxismo,
inimigo do catolicismo, se viu fortalecido. Não queremos que nosso
silêncio seja interpretado como uma aprovação do marxismo, formalmente
condenado por numerosas Encíclicas pontifícias. Por isto fazemos público
esse voto de aplauso”.
Estava mais do que provado que a TFP chilena tinha o
direito de fazer o que fez [41].
8. Lançado na miséria, o Chile reage. Cai o governo marxista
O governo de Allende não poderia ter sido pior. Ele
criou a fome, a miséria.
|
Assim o
jornal "El Mercurio" noticiava uma das "marchas das panelas vazias" |
Todas as circunstâncias de que padeciam os países por
detrás da Cortina de Ferro, no Chile foram criadas de maneira não tão
radical como em países como a Rússia. Mas Allende, que até o último
momento de sua vida se manifestou marxista, ia levando o Chile para os
horrores do marxismo [42].
Houve imensas manifestações anti-Allende, nas quais
os elementos mais arrojados não foram os ricos, mas os operários das minas
de cobre de El Teniente, os trabalhadores rurais que se levantaram de
armas na mão em favor de seus patrões, os camioneros de todo o
país* [43].
* O mal-estar
popular já era incontenível. Mais de cem mil mulheres promoveram as
famosas "marchas das panelas vazias" para protestar contra a
escassez de alimentos (cfr.
Autodemolição da Igreja acarreta a
demolição do Chile - TFP chilena: Clero, a grande esperança de Allende,
Folha de S. Paulo, 2/3/73).
|
Setembro de 1973: Allende se suicida com a
metralhadora que lhe dera Fidel Castro; arde o Palácio Presidencial
de La Moneda, e com ele as pretensões comunistas de dominar o País
irmão |
Como resultado, a Corte Suprema de Justiça declarou
em 25 de maio e em 25 de junho de 1973, que o Poder Executivo se havia
afastado das leis e da Constituição. E a Câmara dos Deputados, em 22 de
agosto de 1973, declarou “ilegal o governo Allende por violações
conscientes e repetidas da Constituição”. Análoga opinião emitiram a
Controladoria Geral da República e o Colégio de Advogados do Chile [44].
Quando os militares derrubaram Allende, afirmaram
fazê-lo por pressão da vontade popular. E ninguém duvidou disto* [45].
* Veio então a
revolução de 11 de Setembro de 1973 que se alçou contra Allende. E Allende
foi derrubado, suicidando-se antes de ser preso.
9. Os culpados pelo sangue derramado: aqueles que prepararam a vitória
do marxismo no Chile
Os esquerdistas do mundo inteiro — que viviam a
apregoar a supremacia total do bem comum — se transformaram bruscamente em
defensores dos direitos individuais.
E, fechando os olhos para a salvação pública,
começaram a entoar pelo mundo inteiro seu De profundis laico e
melado, a propósito do sangue que correu. Sangue dos esquerdistas é claro.
Não dos soldados!
Pergunto: a não ser isto, o que se deveria ter feito?
Deixar o país ir à garra? — Esta pergunta só podia ter como resposta um
"sim" ou um
"não".
Esse sangue vertido, também nós o deploramos. Em
outros termos, quanto preferiríamos que a trajetória ideológico-política e
ideológico-econômica do Chile não tivesse conduzido o país à verdadeira
catástrofe que foi a ascensão da seita marxista ao poder* [46].
* No artigo
Magnificat pelo Chile (Folha de S. Paulo, 16/9/73), Dr. Plinio
afirmava: “Mas, dir-se-á, deposto o governo marxista, era absolutamente
indispensável atirar sobre os redutos comunistas que ainda resistiam de
armas na mão? A resposta pressupõe o conhecimento de uma serie de
pormenores que a imprensa não noticiou ainda, e de considerações morais
que não há espaço para desenvolver aqui. Entretanto, o certo é que os
militantes da resistência comunista se opõem criminosamente, e de armas na
mão, à salvação do país. Seu fanatismo os leva a resistir à bala quando
toda resistência já é inútil. Assim, os responsáveis principais pelo
sangue ora vertido no Chile, são os que intoxicaram de doutrinas marxistas
e fanatizaram os resistentes. Estes, sim, a História cristãmente imparcial
os tachará sempre de criminosos. Se do lado dos restauradores da nação
houve ou está havendo excessos, a História também o dirá. E com
imparcialidade igualmente cristã os censurará. Aguardemos. Mas o fato é
que a História cristãmente imparcial jamais considerará em igual plano o
sangue dos fanáticos que morrem agredindo o país, e o dos heróis que
tombaram na defesa deste”.
Obviamente, eu só podia aprovar que a Hierarquia
chilena se opusesse aos abusos que ela afirmava estarem ocorrendo: prisões
arbitrárias, interrogatórios acompanhados de torturas físicas e morais,
limitação dos direitos de defesa, e desigualdade nas condenações.
Havia-me chocado, quando da visita de Fidel Castro a
Allende, o fato de que o Cardeal Silva Henriquez não se tenha pejado de
dar mostras de evidente simpatia ao tiranete, quando era sabido que, em
matéria de direitos humanos, este tinha ido muito além de todo e qualquer
excesso praticado eventualmente por autoridades policiais do governo
chileno.
Por que dois pesos e duas medidas? Por que tão
desempenada severidade com um governo anticomunista, e tantas vistas
grossas em relação ao tirano comunista? [47].
10. A TFP chilena tudo fez
para evitar o processo de ruína e de morte
Muito fez a TFP chilena para alertar os seus
conterrâneos para o perigo do progressismo "católico" e do
democristianismo, os quais iam empurrando sorrateiramente a nação para o
precipício de onde ela se reerguia tinta de sangue. E as TFPs de todo o
continente sul-americano atuaram para criar condições internacionais
desfavoráveis a uma colaboração com esse processo de ruína e morte.
Nada foi capaz de obstar a que a saparia
chilena, conluiada com o clero esquerdista, entregasse o país a Allende.
Junto haviam cantado, na Catedral de Santiago, com
rabinos, pastores protestantes, comunistas e terroristas, o Te Deum
da vitória. E em seguida a tragédia começou.
|
A TFP promove em São Paulo expressivo ato de
regozijo, com o cântico do hino religioso "Magnificat". Dele
participam, como convidados de honra, diretores e militantes da TFP
chilena que se encontravam naquela capital |
Desde logo se podia prever que ela terminaria no
sangue, ou liquidaria o Chile. De fato, ela terminou em sangue, com o
Chile quase liquidado. Os primeiros culpados por isto foram os que
cantaram o estranho Te Deum ecumênico.
De minha parte, como católico, só posso censurar o
suicídio do teimoso chefe comunista. E lamentar que lhe tenha sido de tão
pouco socorro espiritual a Bíblia pressurosamente ofertada pelo cardeal
Silva Henriquez.
Em síntese, expulso do Chile o comunismo, ipso
facto perdeu ele terreno no continente sul-americano. Como brasileiro
e amigo do Chile, alegrei-me.
E, sem prejulgar em minha alma pormenores que
possivelmente Deus e a História não aprovem, entoei interiormente o Magnificat.
Sim, o Magnificat que o Cardeal Silva Henriquez por
certo não cantou [48].
Esta era a nossa apreciação dos fatos.
Mas também era a apreciação de um grande órgão de
imprensa de Paris, Le Monde (13/9/93), que sustentou: “Allende
era um símbolo do socialismo democrático. [...] Sua queda
traumatizou as esquerdas européias que se preparavam para seguir essa
mesma via” [49].
Quer dizer, espalhou-se por todos os países
socialistas do mundo uma espécie de desânimo e de falta de coragem que
está na raiz do declínio geral do socialismo [50].
É muito frisante o reconhecimento disso por
Le
Monde, que é um jornal centrista francês de tendência esquerdista e
insuspeito para dizer isso [51].
1. Papel dos Cursilhos na rotação ideológica do “establishment”
brasileiro
Um outro gênero de infiltração estava também me
preocupando: a que se notava nos Cursilhos de Cristandade.
Os Cursilhos de Cristandade eram uma
organização de origem espanhola. E realmente se difundiram muito pela
América [52].
Representavam, dentro da vida brasileira daquela época, o dispositivo do
adversário mais perigoso e mais ágil que se possa imaginar [53].
Para compreender esse perigo, é preciso fazer certo
recuo histórico.
* *
*
Quando lançamos RA-QC em 1960, havia algumas
cúpulas de dirigentes rurais que procuravam sabotar o livro, fazendo
manobras para que este não se tornasse conhecido e não fosse divulgado [54].
E nós lutamos e abortamos a Reforma Agrária, malgrado alguns órgãos de
classe aos quais pertenciam proprietários rurais que seriam confiscados, e
que fizeram o que puderam para sabotar, embora fingindo simpatia [55].
Mas esse era um fenômeno localizado. No geral da
opinião pública, o livro foi, na época, aprovado pelo que poderíamos
chamar de establishment.
O que entendo por establishment?
O establishment é a classe de pessoas
constituída por certo número de famílias tradicionais de São Paulo e de
outros Estados, que não haviam perdido a fortuna nem o prestígio,
acrescida de uma série de agricultores nascidos do povo, mas que tinham
amor à propriedade .
Quando, por exemplo, Dom Helder Câmara, para
enfrentar RA-QC, convocou aquela reunião da CNBB em São Paulo, à
qual já nos referimos, e tomou posição oficial a favor da Revisão Agrária,
das fileiras do establishment não saiu uma voz de apoio ao
Episcopado.
Mesmo pessoas ateias, diante de RA-QC
prestavam a sua homenagem.
Essa atitude do establishment em relação a nós
durou até aproximadamente os anos 1969-1970.
Aí eu fui notando que as coisas começavam a mudar [56].
E em grandíssimos contingentes dessa burguesia, sobretudo da burguesia
média e alta, percebi uma rotação [57].
Componentes desse establishment passaram a
considerar que o perigo comunista estava afinal afastado [58].
E eles que, na época do Jango, tomavam posição anticomunista e nos davam
apoio, iam se tornando simpatizantes do comunismo ou de formas sociais e
políticas que conduziam necessariamente ao comunismo [59].
Iniciou-se então um ataque surdo à TFP, o qual dizia
que éramos "exagerados" em matéria político-social. E a TFP começou a
parecer, então, inoportuna, pois levantava um problema que, para eles, era
preciso resolver com jeito, sem lutar, sem discutir, sem criar caso.
Surgiram também ataques à nossa rigidez em matéria de
costumes e à nossa posição de intransigência religiosa em geral. Diziam
que deveríamos ser religiosamente mais condescendentes, mais amáveis,
tolerar mais as modas novas, os costumes novos.
E assim foi-se espalhando um estado de espírito de
antipatia indefinível em grandíssima parte da classe dirigente,
especialmente na de São Paulo, em relação à TFP [60].
2. Cursilhos feitos sob medida para levar ao esquerdismo certo tipo de
burguês
Como é que se fez essa rotação?
Na sua parte mais relevante, essa rotação se fez pela
influência do Clero de esquerda. Mas junto a essa gente, a influência do
Clero de esquerda na imensa maioria dos casos se deveu à atuação dos Cursilhos de Cristandade.
Certo gênero de Cursilhos de Cristandade
correspondia ao gosto de um indivíduo burguês com restos de tradições ou
de reminiscências religiosas, ou de fé.
Esse burguês não queria, portanto, abandonar
completamente a Religião. Mas não queria praticá-la nem aceitá-la como ela
é. Era uma religião amoldada segundo as paixões e os caprichos dele, e o
levava aos poucos para a esquerda.
A religião pregada por certos Cursilhos era
brincalhona, folgazona, igualitária, admitindo piadas inconvenientes,
recomendando uma intimidade descabelada com Deus e dando ideia de que a fé
pode ser praticada de modo agradável, de modo fácil, sem exigir
sacrifício. Era, portanto, uma religião feita sob medida para esse tipo de
burguês.
O corolário necessário de uma religião assim era o
esquerdismo, e o burguês por essa via se abria ao esquerdismo.
Os Cursilhos de Cristandade afetados por essa
mentalidade afastaram de nós contingentes impensáveis. Não só afastaram,
mas os voltaram contra nós.
Os cursilhistas desse gênero eram os elementos mais
propulsores do esquerdismo — não nos seminários, não nas universidades e
nas obras especificamente católicas — mas nos setores até então infensos a
esse esquerdismo, existentes nos meios não especificamente de sacristia [61].
Os Cursilhos de Cristandade faziam, portanto,
para os ambientes por assim dizer mundanos o que o IDO-C e os “grupos
proféticos” faziam no interior dos meios especificamente religiosos
(seminários, ordens religiosas, conventos, obras católicas). Mas o
espírito era o mesmo. E a técnica era muito parecida [62].
Neste sentido, a nossa luta no tempo da Ação Católica
era contra uma forma ancestral dos Cursilhos [63].
O aparecimento dessa contra-ofensiva rumo a uma
posição semi-esquerdista era capitaneada por homens da indústria e das
empresas, mais do que por agricultores. No fundo, representava uma
infiltração de gente esquerdista no comércio, na indústria, no banco e na
classe alta.
3. Cursilhos: spray eficaz da mentalidade democristã
A mentalidade democrata-cristã — enquanto influência,
enquanto espírito, e não enquanto partido político — teve um papel não
pequeno nesse fenômeno de esquerdização.
O Partido Democrata Cristão, como partido, até já não
existia como tal no Brasil. Mas políticos democristãos contaram com
simpatia dessa gente, e isto exerceu sua influência nos acontecimentos
exatamente por causa de mecanismos do tipo Cursilhos de Cristandade.
Assim, essa postura democristã foi-se disseminando
lentamente, da esfera do comércio e da indústria, para as famílias de
classe social alta, tanto urbanas como rurais.
Cabe lembrar que, durante esse período, a parte
conservadora do Clero foi desaparecendo. E o Clero começou a agir mais ou
menos em massa contra a TFP.
Todas essas influências juntas deram origem a que a
maioria das fortunas grandes, e uma boa parte das fortunas médias de São
Paulo e de outros Estados, naqueles idos de 1970, estavam em mãos de
pessoas ora mais ora menos esquerdistas, mas muito tomadas pelas modas
novas e pela agressão sexual.
Foi nessa quadra que apareceu o fenômeno que passamos
a chamar de sapo*.
* A expressão foi
usada pela primeira vez no artigo de Dr. Plinio para a Folha (25/6/69), sob o título
A bomba, a estrela e o sapo. Estava então a
TFP em plena campanha de rua contra o IDO-C e os “grupos proféticos”.
Qualificava ele como sapos os burgueses esquerdizantes que passavam
pela campanha de automóvel, às vezes de luxo, gritando (coaxando) insultos
de inspiração comunista. Já estávamos francamente na chamada era
pós-conciliar.
O sapo era portanto o homem do establishment que já não cultivava nenhuma tradição, em quem havia
desaparecido o espírito tradicional e que se servia de sua fortuna
unicamente para gozá-la e para atacar os que queriam defender a
propriedade privada, a família e a tradição católica. Esse era o conceito
de sapo [64].
4. A idéia da Pastoral sobre os Cursilhos
Numa conversa na qual estavam Dom Mayer, dois membros
mais velhos do nosso grupo e eu, isto em minha sala na sede da rua
Maranhão, falei sobre os Cursilhos de Cristandade e manifestei a
minha preocupação com [65]
o desenvolvimento que estava tendo essa organização substancialmente
progressista [66].
Sugeri então a Dom Mayer — e ele aceitou com o
aplauso dos outros dois presentes — a idéia de lançar uma Pastoral a
respeito desse movimento, na qual fosse dito, documentadamente, com base
em livros e publicações dos próprios Cursilhos, o que eles eram.
Inclusive mostrando [67]
as estranhas e perigosas tendências que se faziam sentir em importantes
publicações cursilhistas [68].
Foi portanto nessa conversa que nasceu a idéia da
Carta Pastoral sobre os Cursilhos de Cristandade [69].
5. Coleta de documentos e estudos
Anos antes já vínhamos procurando material e
documentação sobre os Cursilhos. E não conseguíamos, porque os Cursilhos eram muito fechados.
Em certo momento, uma pessoa da TFP de Madri
conseguiu coletar dados muito interessantes que ela obteve na Espanha.
E assim, no momento certo, na hora certa nos chegou a
documentação certa para fazermos a denúncia certa [70].
* *
*
Em reunião com Dom Mayer, estudamos os vários
documentos a respeito dos Cursilhos. E ficou decidido que a
Pastoral se limitaria a dizer que havia más influências nos Cursilhos,
o que tornava os Cursilhos uma associação merecedora de cautela, de
reserva [71].
Não sustentávamos, portanto, a tese de que
todos os Cursilhos eram ruins: eles estavam infiltrados por
influências más, algumas das quais se irradiavam a partir do centro dos Cursilhos em Madri [72].
6. “É preciso coragem para enfrentar inimigo tão poderoso”
Quando a Pastoral sobre os Cursilhos de
Cristandade ficou pronta, um dos diretores da TFP, Dr. Plinio Xavier
da Silveira, foi à Folha de S. Paulo para pedir que publicassem
notícias a respeito e entrevistassem Dom Mayer [73].
Um dos diretores do jornal folheou a Pastoral e disse [74]:
— Sabem que é muita coragem da parte de vocês
enfrentar um inimigo poderoso como os Cursilhos de Cristandade?
Dr. Plinio Xavier respondeu com naturalidade:
— Sim [75].
— O senhor sabe que vem uma reação terrível por
causa disso?
— Sei.
— Bem, vou publicar essa matéria sem cobrar nada.
Até se o senhor quisesse cobrar, eu pagaria para publicar, com a condição
de ser meu jornal o primeiro a dar a notícia em São Paulo.
Depois acrescentou: "Agora, eu lhe aviso: meu
jornal não toma posição. Quando vier a réplica, publico-a com o mesmo
espalhafato, porque pretendo fazer espalhafato na publicação disso. Quando
os senhores fizerem a tréplica, eu também publico.
Logo depois, Dr. Adolpho Lindenberg e Dr. Paulo
Corrêa de Brito estiveram com o proprietário de uma ou duas cadeias de
televisão muito importantes. Apresentaram a matéria e o empresário
comentou: “Divulgo sem cobrar”. Quer dizer, considerou uma matéria
interessantíssima e candentíssima* [76].
* De fato, o
assunto ferveu quando, no sábado do dia 25 de novembro de 1972, a Folha
de S. Paulo foi posta nas bancas.
A primeira página
trazia o seguinte título: “Nos Cursilhos, uma tendência esquerdizante?”
E logo abaixo uma
chamada: “‘Há nos Cursilhos uma singular mistura de erro e de verdade,
de bem e de mal’, entende Dom Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos
(Estado do Rio), que acaba de publicar uma Carta Pastoral sobre os
Cursilhos de Cristandade, na qual analisa aspectos desse movimento. Em
entrevista a este jornal — que publicaremos na edição de amanhã — aquele
prelado afirma que se notam nos Cursilhos ‘perigosas tendências e, mesmo
em algumas de suas publicações, erros, quer no campo doutrinário, quer no
moral e econômico-social. É forçoso reconhecer uma tendência esquerdizante
em meios cursilhistas’, diz o Bispo de Campos. Abrem-se assim as
discussões a respeito de um movimento que tem hoje ampla penetração nos
meios católicos brasileiros. A entrevista de Dom Antonio de Castro Mayer,
destinada certamente a alcançar grande repercussão, representa
naturalmente um ponto de vista pessoal, que suscitará contestações e
controvérsias”.
7. Campanha se alastra: 120 propagandistas em 1238 cidades
Assim foi iniciada essa grande campanha. E a Carta
Pastoral foi difundida no Brasil inteiro. Pusemos participantes da TFP
brasileira nas ruas do Brasil inteiro, vendendo o livro.
Fizemos essa propaganda por cerca de quatro meses, se
minha memória não me falha* [77].
* A campanha
mobilizou 120 sócios e cooperadores que, agrupados em treze caravanas,
percorreram, de dezembro de 1972 a março de 1973, 1.238 cidades dos mais
diversos pontos do País. Em todo o Brasil, foram divulgadas 93 mil
exemplares da Pastoral.
8. Reações contrárias, sem fôlego mas superficiais
A maior parte dos que se pronunciaram a favor dos
Cursilhos, faziam-no como quem estivesse perdendo o fôlego. Tinha-se a
impressão de que não encontraram palavras suficientes para exprimir sua
sofreguidão, seu pânico, sua indignação. Dir-se-ia que os conceitos, os
argumentos e as palavras se lhes atropelavam na garganta, tal a pressa com
que procuravam saltar sobre a Carta Pastoral... e sobre os que a difundiam [78].
De fato, o Brasil cursilhista estremeceu com
essa estocada [79].
* *
*
Quase todos os Bispos que se pronunciaram eram
favoráveis aos Cursilhos. De modo geral, diziam as mesmas coisas e
evitavam igualmente dizer outras.
Não poucos deles alegavam que difundir nas suas
Dioceses a Pastoral de Dom Mayer importava num acinte contra eles. Pois a
Pastoral atacava o que eles proclamavam ser ótimo!*
* Dom Mayer, em
entrevista, qualificou essas críticas de “evasivas e superficiais”, lamentando não haver chegado ao conhecimento dele nenhuma que refutasse os
documentos e a argumentação que ele apresentava (cfr. Catolicismo
n° 266, fevereiro de 1973).
De outro lado, evitavam com a maior cautela afirmar
ou negar se eram falsos os mais de 50 documentos cursilhistas utilizados
por Dom Mayer em suas críticas [80].
* *
*
Logo que começou a campanha, o Jornal da
Tarde telefonou a Dr. Paulo Corrêa de Brito, a Dr. Plinio Xavier da
Silveira e a mim, pedindo uma entrevista, não a respeito da campanha, mas
da TFP. E eu percebi logo que se tratava de um jogo para começar a atacar
a TFP e, então, haver simultaneamente uma polêmica sobre a TFP e outra
sobre os Cursilhos.
Mandei dizer que, estando a TFP em campanha para
alertar o público sobre certas orientações malsãs existentes nos Cursilhos, não era conveniente de momento dar entrevista a nosso
respeito. Quando terminasse a campanha, aí estaríamos à disposição.
Pouco depois este vespertino publicou uma série de
reportagens tendenciosas e facciosas, em que ficava evidente virem em
socorro dos Cursilhos. Essas reportagens se baseavam em depoimentos
de egressos da TFP.
Essas
reportagens do Jornal da Tarde não foram senão um episódio da luta
nossa com os Cursilhos, e devem ser vistas como tais. Como afirmei há
pouco, eram uma interferência deles para ver se desviavam a discussão
sobre os Cursilhos para uma discussão sobre a TFP. Naquele momento, os
Cursilhos estavam sendo discutidos. Como não conseguiam responder às
afirmações da pastoral de Dom Mayer, eles fizeram uma manobra para começar
a falar mal de nós, para ver se assim nós, ao menos, ficamos sentados no
banco dos réus. Esse era o objetivo das reportagens [81].
9. Ameaça frustra de condenação pela CNBB
A Assembléia Geral dos Bispos se realizou num clima
de expectativa geral*.
* Esta Assembléia
deu-se em fevereiro de 1973.
Corriam boatos de que a CNBB iria publicar um
estrondoso elogio do movimento cursilhista, juntamente com uma ainda mais
estrondosa condenação da TFP [82].
Com efeito, Dom José Freire Falcão, Arcebispo de
Teresina, designado pelos seus pares para falar à imprensa, afirmara logo
no início dos trabalhos que “provavelmente a TFP terá uma repreensão” [83].
Vários órgãos de imprensa divulgaram até a notícia de
que a Assembléia constituíra uma comissão integrada por Dom Gilberto
Pereira Lopes, Bispo de Ipameri (Goiás); Dom Serafim Fernandes de Araújo,
Bispo Auxiliar de Belo Horizonte (depois Cardeal Arcebispo desta cidade),
e Dom Antonio Afonso de Miranda, Bispo de Lorena para estudar
especialmente a TFP.
Outros senhores Bispos, antes mesmo que a Comissão
iniciasse seus estudos, se puseram a prejulgar o assunto fazendo
declarações à imprensa contra a TFP [84].
A torcida dos setores esquerdistas dos Cursilhos
exultava. As coisas não lhes podiam correr melhor. Um vasto, gordo e
bombástico elogio dos Cursilhos, e sobretudo uma condenação da TFP,
que achado!
Com a consciência tranqüila, a TFP deixou transcorrer
a Assembléia sem pedir uma informação sequer, nem implorar uma simpatia ou
um voto. Aguardávamos o resultado serenamente, dispostos a explicar
eventualmente ao público nossa posição, como já o fizéramos quando do
comunicado com que nos atingira em 1966 a Comissão Central da CNBB.
* *
*
A essas notícias seguiram-se telefonemas anônimos
para nossas sedes, com injúrias e pesados palavrões. Automóveis passavam
diante do oratório de Nossa Senhora que mantínhamos na rua Martim
Francisco e bradavam obscenidades. Foram até jogados ovos contra rapazes
da TFP que, de costas para a rua, e voltados para a imagem de Nossa
Senhora da Conceição, ali rezavam.
Tudo isso cessou de repente, quando o Cardeal
Arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer, declarou à imprensa que,
provavelmente a TFP não seria objeto de nenhuma condenação. Asseverou Sua
Eminência que a TFP constituía assunto que "não estava em pauta" na
reunião [85].
Noto apenas que, segundo certos jornais garantiram, a
discussão andou acesa entre os Srs. Bispos no que tocava à censura à TFP,
a ponto de retardar de uma hora a publicação do comunicado. No final, este
nada continha sobre a TFP [86].
Afinal, publicado o comunicado da Assembléia,
verificou-se que, no tocante aos Cursilhos, os prognósticos ativamente
postos em circulação pela propaganda cursilhista eram quase inteiramente
sem fundamento. Os Srs. Bispos inseriram em seu comunicado final tão
somente uma referência simpática aos Cursilhos. Era isto bem diferente do
estrondoso elogio tão esperado.
Quanto à TFP, nenhuma palavra.
A intenção manifesta da Assembléia dos Bispos foi de
ser comedida e discreta.
Dom Serafim Fernandes de Araújo, Bispo Auxiliar de
Belo Horizonte, foi entretanto muito além.
Ao Diário de Minas de 17 de fevereiro de 1973,
Dom Serafim teria afirmado que todos os Bispos presentes à XIII Assembléia
condenaram a TFP.
Essa afirmação lembrava um passe de mágica: todos os
Srs. Bispos estariam cheios do propósito de condenar a TFP. Mas o
comunicado final, com a palavra oficial deles, não continha essa
condenação!
Logo em seguida a essa estranha assertiva, vinha
entre aspas a seguinte declaração de Dom Serafim: "Houve algumas
divergências quanto a esta organização. Uns Bispos acham que se deve
dialogar com a TFP. Outros acham que devemos esquecê-la, pois seus membros
não admitem diálogo".
Nesse sentido, era de estranhar especialmente a
entrevista dada à imprensa por Dom Ivo Lorscheiter, Secretário Geral da
CNBB. Dom Lorscheiter disse aos jornalistas que a Assembléia não condenara
a TFP porque, se nos condenasse, causaria a impressão de que temos uma
importância maior do que a real.
Aqueles Srs. Bispos que, depois da reunião, tiveram
ácidas palavras de antipatia contra a TFP, agiram em sentimento oposto ao
espírito e às intenções da Assembléia.
Ora, a intenção manifesta da Assembléia dos Bispos
fora de pôr água na fervura [87].
10. Atitude virulenta de Dom Clemente Isnard contra a TFP
Poucos meses depois, teve tal ou qual repercussão em
nossa imprensa a publicação de um decreto em que Dom Clemente Isnard,
Bispo de Nova Friburgo [88],
proibia a seu clero que desse a Comunhão a membros da TFP, quando se
apresentassem incorporados ou com insígnias.
Para fundamentar sua atitude, aquele Prelado alegava
contra a TFP três razões: difamação dos Cursilhos de Cristandade, desacato
à autoridade e pessoa dele, e o apoio a um livro "cismático" sobre o novo
Ordo Missae de Paulo VI.
* *
*
Era bem verdade que um dos então diretores da TFP,
Sr. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, havia escrito em 1970 um estudo
baseado em sólida documentação a respeito do novo Ordo Missae. E
que com ele se solidarizara a TFP.
Tal estudo, por certas implicações doutrinárias do
delicado tema, era de molde a suscitar uma série de questões teológicas e
canônicas com as quais não estava familiarizado o público brasileiro. A
publicação do livro poderia introduzir graves fatores de divisão e
perturbação no já tão conturbado e dividido horizonte religioso do País.
Se gostássemos que se falasse de nós a todo custo, e
para polemizar a qualquer propósito como imaginava Dom Lorscheiter, desde
logo teríamos atirado o livro a público.
Preferimos não fazer assim. E por isto distribuímos
apenas certa quantidade de exemplares do trabalho a um número limitado de
personalidades de escol, pedindo-lhes reservadamente a opinião.
Um dos destinatários — altíssima personalidade
eclesiástica que mais de uma vez tinha divergido de nós — de tal maneira
se impressionou com os possíveis reflexos do livro na opinião pública, que
escreveu a um amigo comum pedindo "de joelhos, se necessário fosse"
que a TFP não publicasse o trabalho. E por tudo isto mantivemos o mais
escrupuloso silêncio sobre o mesmo.
Enquanto isto, em grande número de igrejas,
sacerdotes que provavelmente ignoravam todos esses fatos, não se cansavam
de sujeitar nossos sócios e cooperadores a invectivas e humilhações
públicas de toda ordem, a propósito de nossa atitude face ao novo Ordo
Missae. E ninguém das nossas fileiras abriu a boca para defender-se
alegando os argumentos contidos no livro.
Agora vinha Dom Isnard e, num documento eclesiástico
oficial, fulminava penas canônicas contra a TFP, pela adesão que esta dera
ao livro que ele acusava de "cismático".
Dir-se-ia que era muito mais do que a gota de água
que faz transbordar o copo.
Pois bem, ainda neste passo não saímos com a matéria
do livro a público. Só mudaríamos de rumo se outros fatos se produzissem,
que nos forçassem absolutamente a falar.
A responsabilidade seria então inteiramente — note-se
bem — de quem nos tivesse forçado a tal.
* *
*
No seu livro, o autor afirmava expressamente sua
fidelidade inquebrantável à doutrina e disciplina da Igreja. E se
levantava certos problemas delicados de Teologia ou Direito Canônico,
fazia-o declarando de antemão que acatava em toda a medida preceituada
pelo Direito Canônico o que a própria Igreja decidisse.
Era precisamente esta a posição da TFP. Tínhamos pois
a consciência inteiramente tranqüila no que diz respeito à nossa perfeita
união com a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
Na Igreja e pela Igreja, tínhamos vivido toda a nossa
existência. Nela pretendíamos morrer. E, por ela, se assim aprouvesse à
Providência.
* *
*
Quanto às outras duas alegações — difamação da TFP
aos Cursilhos e desacato à autoridade dele
[89]
―
se Dom Isnard discordava da Pastoral de Dom Mayer, teria sido nobre de sua
parte que saísse a público de viseira erguida, defendendo diretamente
contra ela os Cursilhos. Seria um direito seu.
O Sr. Dom Isnard teria aberto, assim, um diálogo
elevado e oportuno com seu egrégio irmão e vizinho de Campos.
Não. O Sr. Dom Isnard achou mais cômodo atirar contra
ele um ataque oblíquo, atingindo os moços da TFP. Era lamentável. [90]
Atualíssimo manifesto de Resistência
Sinto-me na contingência de tratar agora da
Resistência católica à Ostpolitik de S. Santidade o Papa Paulo
VI.
Em princípio, está na augusta missão do Vaticano
entabular negociações diplomáticas com os regimes comunistas, no intuito
de suavizar a situação dos católicos perseguidos. De minha parte, sempre
sustentei a legitimidade dessa conduta.
Não se pode, porém, sustentar que a chamada
Ostpolitik do Vaticano consistia simplesmente nisto. Era patente que
ela incluía dois aspectos. Um era o diplomático, de chancelaria a
chancelaria.
Mas havia outro. Paralelamente com a détente
diplomática do Vaticano com o Leste, houve, em larguíssimos meios
católicos, uma sensível mudança de posição em relação aos partidos
marxistas do Oeste.
A atitude militantemente anticomunista, que
caracterizava tais meios desde os primórdios do marxismo até a morte de
Pio XII, se abrandou rapidamente com a eleição de João XXIII, e rareou a
tal ponto no pontificado de S.S. Paulo VI, que se tornou quase uma exceção
à regra.
As censuras de autoridades eclesiásticas e
organizações católicas contra o comunismo baixaram muitíssimo em número, e
mais ainda em tom.
De sorte que, não raras vezes, tinham muito mais o
aspecto de uma queixa de amigo a amigo, do que de crítica a um adversário
irreconciliável.
Era absolutamente notório que, não raras vezes,
autoridades eclesiásticas e organizações católicas haviam chegado, nesta
linha, até a franca colaboração com correntes comunistas [91].
Ora, os católicos que tomavam a sério as encíclicas
de Leão XIII, Pio XI e Pio XII, sabiam que estes Papas ensinaram que o
regime comunista era o oposto da ordem natural das coisas, e a subversão
da ordem natural — na economia como em qualquer outro campo — só podia
trazer frutos catastróficos [92].
A linguagem nova de muitas das reivindicações sociais
eclesiásticas por vezes era tal que, sem ser definidamente marxista,
parecia inspirada no vocabulário e no estilo usado pelos comunistas.
Somam-se a essa massa de fatos os contatos secretos
da Santa Sé com chefes de Estado vermelhos, de viagens diplomáticas que
Monsenhor Casaroli — o Kissinger Vaticano — fazia a toda hora aos países
comunistas.
Obviamente, a distensão vaticana tinha por efeito uma
desmobilização psicológica dos 500 milhões de católicos em relação ao
perigo comunista. Estes eram fatos absolutamente impossíveis de serem
contestados [93].
2. Viagem de Monsenhor Casaroli a Cuba, a gota d’água que entornou o
copo
O povo paulista tomou conhecimento, no dia 7 de abril
de 1974, dos resultados da viagem a Cuba de Monsenhor Casaroli, secretário
do Conselho para os Assuntos Públicos do Vaticano.
Esses resultados, enunciou-os o próprio dignitário,
em uma entrevista (cfr. O Estado de São Paulo de 7 de abril de
1974)*.
* Esta viagem havia
se realizado entre os dias 27 de março e 5 de abril de 1974.
Asseverou S. Excia. que "os católicos que vivem em
Cuba são felizes dentro do regime socialista".
Não seria preciso dizer de que espécie de regime
socialista se tratava aí, pois era conhecido que o regime vigente em Cuba
era o comunista.
|
Monsenhor Cesar Zacchi
—
à direita de Fidel Castro na foto,
—
oferece uma recepção, no Palácio da Nunciatura, por ocasião de sua
sagração como bispo de Zella. O ato teve a participação de Monsenhor
Clarizzo
—
à esquerda do ditador -, então Delegado Apostólico no Canadá.
Exemplo da política de distensão vaticana com o castrismo, e que
tinha por efeito a desmobilização psicológica dos católicos em
relação ao perigo comunista. |
Sempre falando do regime Fidel Castro, S. Excia.
continuou: "os católicos e, de um modo geral, o povo cubano, não têm o
menor problema com o governo socialista".
Desejando talvez dar a estas declarações
estarrecedoras certo ar de imparcialidade, Monsenhor Casaroli lamentou
entretanto que o número de sacerdotes fosse insuficiente em Cuba: apenas
duzentos. Acrescentou ter pedido a Castro maiores possibilidades de
praticar cultos públicos. E terminou asseverando muito inesperadamente que
"os católicos da ilha são respeitados em suas crenças como quaisquer
outros cidadãos".
Monsenhor Casaroli asseverava ainda que "a Igreja
Católica cubana e seu guia espiritual procuram sempre não criar nenhum
problema para o regime socialista que governa a ilha"*.
* Nessa mesma estadia em Cuba, Monsenhor Casaroli fez afirmações pasmosas
no dia 4 de abril de 1974, em homilia na Catedral de Havana, a qual foi
publicada por Vida Cristiana (edição de 18/5/74), única publicação
católica autorizada em Cuba.
Nessa homilia, o Prelado elogia a Igreja de Cuba por estar
"vitalmente
incorporada no atual contexto cubano", ou seja, no regime comunista. E
por atuar "não como elemento de divisões daninhas, mas como benéfico
fermento de fraternidade". Ou seja, elogia-a por não lutar contra o
comunismo (cfr. artigo
Casaroli: incorporação no contexto, Folha de S.
Paulo, 30/6/74) .
Dói dizê-lo, mas a verdade óbvia era esta: a viagem
de Monsenhor Casaroli a Cuba desfechou numa propaganda da Cuba
fidel-castrista [94].
Ao ler estas notícias, percebi não só que Monsenhor
Casaroli havia passado da conta, mas que no ambiente geral da opinião
pública mundial o fato havia despertado uma indignação contrária [95].
3. Ainda estava quente o caso do Cardeal Mindszenty
Ainda estava quente o caso relativamente recente de
Monsenhor Mindszenty [96].
|
O Cardeal Mindszenty,
condenado a detenção indefinida em 08 de fevereiro de 1949, foi
libertado pelos rebeldes a 31 de outubro de 1956. Depois de alguns
dias, ele se refugiou no interior da Embaixada Americana. Na foto, o
cardeal Mindszenty
acompanhado de seus próprios libertadores, 2 de novembro de 1956.
Budapeste, Hungria. |
Ele era um florão de glória da Igreja aos olhos até
dos que nela não criam. Este florão foi quebrado: foi destituído da
Arquidiocese de Esztergom, para facilitar a aproximação com o governo
comunista húngaro* [97].
* Sua destituição
se deu no dia 2 de fevereiro de 1974.
Comemorava-se o 25º aniversário de sua encarceração
pelos comunistas. Ficou célebre a fotografia que o mostrava no banco dos
réus com olhar aterrado, mas inquebrantável na resolução de cumprir até o
fim seu dever.
Veio depois o rápido intermezzo da sublevação
anticomunista*.
* Ele fora
novamente preso pelos comunistas em 1949. Nesta sublevação anticomunista,
que durou de 23 de outubro a 10 de novembro de 1956, o Cardeal Mindszenty
foi libertado. Com a derrota dessa sublevação, ele pediu asilo na
embaixada dos Estados Unidos em Budapeste.
Começou então para Monsenhor Mindszenty o longo
cativeiro na embaixada norte-americana. Cativeiro no qual — oh mistério! —
lhe era vedado o contato até com os habitantes do edifício. Mas, como
coluna solitária no meio das ruínas de sua pátria, Monsenhor Mindszenty
permanecia de pé [98].
|
Morto Pio XII, em largos setores católicos a
tendência à colaboração com o comunismo foi apagando a admiração
para com o grande Cardeal. Por fim, do trono de São Pedro foi-lhe
pedido que renunciasse ao isolamento grandioso na Hungria em ruínas
e aceitasse a trivialidade de um exílio confortável. O grande
Cardeal obedeceu. Nunca a voz de Pedro se mostrou mais poderosa do
que ao por de joelhos o varão altaneiro, a quem a pressão conjunta
de Moscou e Washington não conseguira vergar. |
A jogada do Vaticano para retirá-lo de Budapeste,
conta-a o próprio Cardeal em suas memórias, começou em 1971. Tinha-se
iniciado, então, o terrível drama da détente com o comunismo,
acionada a quatro mãos, do lado do Ocidente, por Nixon e Paulo VI.
Um dos efeitos quase imediatos desse processo de
autodemolição da Cristandade — pois objetivamente outra coisa não foi a détente — foi que o Vigário de Jesus Cristo e o então Presidente dos
Estados Unidos começaram a pressionar o Cardeal húngaro, por manifesta
imposição do governo de Budapeste.
Este governo comunista nada desejava mais
ardentemente do que ver Monsenhor Mindszenty fora do território húngaro. E
o Purpurado começou a sentir que já não era persona grata na
embaixada norte-americana, onde se refugiara.
Ao mesmo tempo Paulo VI delegou junto ao Cardeal um
Prelado para incitá-lo a sair da Hungria [99].
Então tínhamos diante de nós este quadro. Como a
simples presença do Cardeal Mindszenty na Hungria perturbava o sono dos
governantes húngaros, estes conseguiram de Paulo VI que utilizasse a
obediência — única força diante da qual o grande Cardeal anticomunista se
inclinou — para removê-lo da Hungria [100].
Monsenhor Mindszenty chegou, por fim, e muito a
contragosto, a uma combinação que lhe pareceu ser o máximo do que poderia
aceitar sem ferir sua consciência. Deixou então a embaixada
norte-americana a 29 de setembro de 1971.
Ao sair do edifício, abençoou, num grande gesto
paternal e trágico, sua Arquidiocese e sua Pátria. E acompanhado do Núncio
Apostólico de Viena, transpôs a fronteira com a Áustria.
De passagem por Viena, recebeu as homenagens de
Monsenhor Casaroli. Este o acolheu com o mesmo sorriso que mais tarde
traria nos lábios ao tratar com Fidel Castro.
A alegria do Kissinger vaticano se explicava: estava
cumprido o primeiro ponto do programa do governo de Budapeste. O
Cardeal-Primaz já não molestava os chefes ateus e igualitários da Hungria
comunista.
|
Paulo VI
recebe o Cardeal Mindszenty na que seria sua residência em Roma |
A boa acolhida de Monsenhor Casaroli não foi senão um
prenúncio de melhor acolhida ainda da parte de Paulo VI. Os jornais do
tempo publicaram largamente todas as honrarias e atenções do Sumo
Pontífice para com o crucificado Cardeal.
Mas, ainda mesmo antes disto, começaram as surpresas.
Chegando a Roma, Monsenhor Mindszenty tomou conhecimento de que o Osservatore Romano de 28 de setembro de 1971, dia em que deixou a
embaixada norte-americana na Hungria, se referia à saída dele como a
remoção de um estorvo para as boas relações entre a Igreja e o governo
húngaro. "Para mim — comenta o Cardeal — foi a primeira
experiência amarga, pois compreendi que o Vaticano não estava dando
nenhuma atenção aos termos específicos que eu havia formulado em
Budapeste".
Fatos posteriores vieram confirmar a estranheza de
Monsenhor Mindszenty.
Havia sido combinado que, depois de uma estadia em
Roma, o Cardeal residiria no Seminário húngaro de Viena. O corolário dessa
obrigação assumida pela Santa Sé era que esta última obtivesse o agreement prévio do governo austríaco.
Comenta o Cardeal que, segundo parece, o Vaticano não
tomou essa providência. Pois quando, após três semanas de estada em Roma,
ele quis partir para Viena, o embaixador austríaco junto à Santa Sé se pôs
a levantar dificuldades. O indômito Cardeal aplainou as barreiras e a
partida foi decidida.
* *
*
O ato em que Monsenhor Mindszenty se despediu de
Paulo VI ficará para sempre na História da Igreja, quer pelo que então
sucedeu, quer pelo que veio depois. O Papa da détente teve para com
o herói do anticomunismo ternuras que arrancariam lágrimas [101].
Quis Paulo VI que Monsenhor Mindszenty, antes de
seguir para Viena, concelebrasse com ele a Missa. Ao fim desta, deu-lhe,
"como símbolo de amor e respeito", a capa cardinalícia que usava
antes de ser Papa. Prometeu-lhe apoio, dizendo em latim: "És e
continuas a ser Arcebispo de Esztergom e Primaz da Hungria. Prossegue
trabalhando, e se tens dificuldade, volta-te sempre confiantemente para
nós". Depois...
Depois tudo correu em rumo oposto.
Monsenhor Mindszenty pediu que lhe fosse devolvida a
faculdade de indicar padres para as comunidades húngaras no estrangeiro.
Amarga decepção: o pedido foi recusado pelo Vaticano — comenta o cardeal —
para não "incomodar o regime de Budapeste".
Com o mesmo fim de não "incomodar o regime de
Budapeste", a Santa Sé foi avante, e estatuiu que todas as declarações
públicas do grande prelado fossem submetidas a um conselheiro indicado por
Roma. Monsenhor Mindszenty retrucou que as submeteria "só ao Santo
Padre, quando ele explicitamente o pedisse".
Logo depois, a Nunciatura em Viena informou a
Monsenhor Mindszenty que a Santa Sé dera garantias ao governo húngaro,
durante as tratativas de 1971, de que uma vez posto em liberdade, o
Purpurado nada diria que pudesse contrariar as conveniências de Budapeste.
Esta garantia, dada às ocultas do Cardeal, violava o mais essencial do
acordo que estava sendo negociado entre este e o Vaticano.
Assim, mediante tal concessão ao governo húngaro,
Paulo VI empregou a autoridade conferida por Nosso Senhor Jesus Cristo a
São Pedro, a fim de forçar o Cardeal a não contrariar os planos do
imperialismo comunista. As chaves de Pedro funcionando segundo os desejos
de ateus perseguidores implacáveis da Religião: o que era isto, senão uma
bomba, provavelmente a maior bomba na História da Igreja, de Pentecostes
até hoje?
Logo depois, as diretrizes do governo húngaro
começaram a se fazer sentir através do Vaticano. Estava sendo impresso em
Portugal um discurso para o Cardeal ler em Fátima. Emissários da
Nunciatura de Lisboa intervieram na tipografia para — a não sabendas do
Purpurado — suprimir um trecho em que este alertava os católicos do mundo
contra a política de sorrisos dos comunistas.
Mas o pior estava por vir.
Algum tempo depois, Paulo VI escreveu a Monsenhor Mindszenty pedindo que renunciasse à Arquidiocese de Esztergom. O Cardeal
recusou. Paulo VI destituiu-o então. Travo particularmente amargo: a carta
foi entregue ao Cardeal precisamente na data em que se comemorava o 25º
aniversário de seu glorioso encarceramento pelos comunistas.
Estava terminado o drama. Ao longo dele, de começo a
fim, a conduta do Vigário de Cristo foi a que desejava o imperialismo
comunista, isto é, o Anticristo [102].
4. Cessar a luta ou explicar a nossa posição
Somados ao caso Casaroli, todos esses fatos tomavam
um vulto extraordinário [103].
A posição fundamentalmente anticomunista da TFP
resultava das convicções católicas dos que a compunham. Era porque
católicos, era em nome dos princípios católicos que os diretores, sócios e
cooperadores da TFP eram anticomunistas.
A diplomacia de distensão do Vaticano com os governos
comunistas criava, entretanto, para os católicos anticomunistas, uma
situação que os afetava a fundo, muito menos enquanto anticomunistas do
que enquanto católicos.
Pois a todo momento se lhes podia fazer uma objeção
supremamente embaraçosa: a ação anticomunista que efetuam não conduz a um
resultado precisamente oposto ao desejado pelo Vigário de Jesus Cristo? E
como se pode compreender um católico coerente, cuja atuação ruma em
direção oposta à do Pastor dos Pastores?
Tal pergunta trazia como conseqüência, para todos os
católicos anticomunistas, uma alternativa: cessar a luta, ou explicar sua
posição.
Cessar a luta, não podíamos. E era por imperativo de
nossa consciência de católicos que não o podíamos. Pois se era dever de
todo católico promover o bem e combater o mal, nossa consciência nos
impunha que defendêssemos a doutrina tradicional da Igreja, e
combatêssemos a doutrina comunista.
Sentir-nos-íamos mais agrilhoados na Igreja do que o
era Soljenitsin na Rússia soviética, se não pudéssemos agir em consonância
com os documentos dos grandes Pontífices que ilustraram a Cristandade com
sua doutrina. [104].
5. Preito de amor ao Papado
Depois das declarações de Monsenhor Casaroli, passei
o domingo de 7 de abril de 1974 pensando no assunto. Na Missa, rezei tão
afincadamente quanto estava em mim rezar, para que Nossa Senhora me
ajudasse a ver qual o caminho a seguir [105].
Lembrei-me das aulas de catecismo em que me
explicaram o Papado, sua instituição divina, seus poderes, sua missão. Meu
coração de menino (eu tinha então 9 anos) se enchia de admiração, de
enlevo, de entusiasmo: eu encontrara o ideal a que me dedicaria por toda a
vida.
De lá para cá, o amor a esse ideal não tem senão
crescido. E sempre peço a Nossa Senhora que o faça crescer mais e mais em
mim, até o meu último alento.
Quero que o derradeiro ato de meu intelecto seja um
ato de Fé no Papado. Que meu último ato de amor seja um ato de amor ao
Papado. Pois assim morrerei na paz dos eleitos, bem unido a Maria minha
Mãe, e por Ela a Jesus, meu Deus, meu Rei e meu Redentor boníssimo.
Queria portanto dar a cada ensinamento deste Papa,
como de seus antecessores e sucessores, toda aquela medida de adesão que a
doutrina da Igreja me prescrevia, tendo por infalível o que Ela mandava
ter por infalível, e por falível o que Ela ensinava que era falível.
Queria obedecer às ordens desse ou de qualquer outro
Papa em toda a medida em que a Igreja mandava que fossem obedecidas. Isto
é, não lhes sobrepondo jamais minha vontade pessoal, nem a força de
qualquer poder terreno, e só, absolutamente só recusando obediência à
ordem do Papa que importasse eventualmente em pecado.
Pois neste caso extremo, como ensinam
- repetindo o Apóstolo São Paulo
- todos os moralistas católicos,
era preciso colocar acima de tudo a vontade de Deus.
Foi o que me ensinaram nas aulas de Catecismo. Foi o
que li nos tratados que estudei. Assim penso, assim sinto, assim sou. E de
coração inteiro [106].
E se não fosse estar em jogo o que estava em jogo —
algo que dizia respeito ao Sumo Pontífice —, há muito tempo que, com
quaisquer prejuízos ou inconvenientes, o problema já se teria resolvido [107].
Eu, portanto, protelei minha atitude o quanto pude.
Na segunda-feira, dia 8 de abril, tive um dia muito
fatigante. Deitei num sofá depois do jantar, para um pequeno repouso antes
de ir para a reunião que comumente havia na TFP às segundas-feiras.
Quando despertei, eu estava resolvido: chamei o meu
secretário e de 22:30 até 1:00 hora da madrugada, ininterruptamente, ditei
o manifesto [108].
Ele se intitulava
A política de distensão do
Vaticano com os governos comunistas — para a TFP: Omitir-se? Ou resistir?
Sua linguagem era respeitosa, mas ao mesmo tempo
muito franca [109].
E afirmava o propósito de lutar desassombradamente, nos limites das leis
canônica e civil, contra a Ostpolitik vaticana [110].
|
Primeira
datilografia do "Manifesto da Resistência" |
Esta explicação se impunha. Ela tinha o caráter de
uma legítima defesa de nossas consciências de católicos, ante um sistema
diplomático que lhes tornava irrespirável o ar, e que aos católicos
anticomunistas colocava na mais penosa das situações, que era a de se
tornarem inexplicáveis perante a opinião pública [111].
Depois que terminei de ditar, fui depressa da rua
Alagoas nº 350, onde eu morava, para o prédio da rua Martinico Prado, onde
Dom Mayer se hospedava, no 7° andar. Lá ainda estavam em conversa com Dom
Mayer, Dr. Paulo Brito e outro membro do Grupo de que não me lembro. Eu
não poderia publicar esse manifesto sem antes dar conhecimento dele a Dom
Mayer.
A minha pressa se explicava. Dom Mayer tinha
necessidade absoluta, por causa das cerimônias de Semana Santa, de partir
para Campos no dia seguinte. E tinha de descansar.
Eu, portanto, não quis retardar nada. Li diretamente
o texto para recolher as impressões dele. Dom Mayer recebeu-o muito bem.
Notei até, pela fisionomia que fez, uma certa impressão de que o manifesto
lhe parecia no fundo supermoderado.
O documento, uma vez datilografado, foi levado no dia
seguinte por Dr. Plínio Xavier ao Otávio Frias, diretor da Folha.
7. Por amor à Igreja, resistência a uma
política autodemolidora
O passo era colossal [112].
E a principal característica desse nosso manifesto era, a meu ver, que
alvejava o ponto certo, com a linguagem certa, no momento certo. Eram o
tema, a tese, a linguagem e o momento adequados [113].
O ponto central não estava no fato de a TFP denunciar
a política esquerdista que o Vaticano ia incrementando, mas na declaração
de nosso estado de resistência a essa política [114],
enquanto católicos, apostólicos, romanos. A meta era esta [115].
Nesse ato de resistência à política de Paulo VI não
havia outros componentes psicológicos senão o amor, a fidelidade e a
dedicação. Dado que o Papa é o monarca da Santa Igreja, meu gesto
importava em defender o reino em benefício do Rei, ainda quando, para
tanto, devesse incorrer no desagrado deste. Mais longe, segundo me parece,
não seria dado ao homem levar sua dedicação [116].
Seu tópico culminante, e que resumiu o espírito com
que foi escrito, é o seguinte: “Neste ato filial, dizemos ao Pastor dos
pastores: Nossa alma é vossa, nossa vida é vossa. Mandai-nos o que
quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo
vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe” [117].
* *
*
Bem entendido, não presumo que o pronunciamento da
TFP tenha mudado a orientação da diplomacia de Paulo VI. As razões que
alegávamos eram por demais evidentes, para que já não as tivessem
ponderado, de há muito, o Sumo Pontífice e seus imediatos conselheiros.
Do ponto de vista tático, não havia comparação
possível entre as vantagens que o Vaticano imaginava capitalizar com o
apoio do moloch que era o mundo comunista, e os inconvenientes que
lhe poderiam resultar da resistência de filhos espirituais que tinha na
TFP, disseminados por quase toda a América e em algumas nações da Europa.
Nós estávamos cheios de fé, é verdade, mas desprovidos do poderio que
sobrava do lado comunista [118].
Em síntese, nossa declaração manifestava respeitoso,
mas profundo desacordo em relação a essa política de aproximação, e
afirmava o propósito de resistir a essa política [119].
8. “Resistência” no espírito em que São Paulo resistiu a São Pedro
"Resistência" foi a palavra que escolhemos de
propósito, pois ela é empregada nos Atos dos Apóstolos pelo próprio
Espírito Santo, para caracterizar a atitude de São Paulo.
Tendo o primeiro Papa, São Pedro, tomado medidas
disciplinares referentes à permanência no culto católico de práticas
remanescentes da antiga Sinagoga, São Paulo viu nisto um grave fator de
confusão doutrinária e de prejuízo para os fiéis. Levantou-se então e "resistiu em face" a São Pedro (Gal. II, 11).
Este não viu, no lance fogoso e inesperado do
Apóstolo das Gentes, um ato de rebeldia, mas de união e amor fraterno. E,
sabendo bem no que era infalível e no que não era, cedeu ante os
argumentos de São Paulo.
No sentido em que São Paulo resistiu, nosso estado
era de resistência.
E nisto encontrava paz nossa consciência [120].
No dia 10 de abril de 1974 foi lançada em Seção Livre
da Folha de S. Paulo a nossa declaração de resistência à política
de aproximação do Vaticano com os governos comunistas [clique
aqui para ver um fac símile da publicação na Folha de São Paulo].
9. Algumas fracas reações
Lançamos também com grande publicidade esse manifesto
em toda a América Latina e na Espanha. Fizemos uma tal ou qual publicidade
na França, na Alemanha e em Portugal, e nos Estados Unidos uma publicidade
média.
Nas ruas de Madri e de outras cidades da católica
Espanha, distribuímos mais de cem mil volantes com a declaração [121].
O Cardeal Tarancón, Arcebispo de Madri, publicou um
pronunciamento no Boletim da Arquidiocese de Madri (dia 24 de novembro de
1974) contra a nossa declaração, reconhecendo entretanto assistir a um bom
católico o direito de discordar da política de Paulo VI. Porém considerava
que o exercício desse direito importa em deslealdade para com a Santa Sé.
O direito de ser desleal... Tem graça!
Monsenhor Casaroli também fez uma superficial e
fugidia refutação da declaração de resistência [122],
através do porta-voz Federico Alessandrini, diretor da Sala de Imprensa do
Vaticano*.
* Nessa declaração,
Alessandrini procurava desmentir em parte as palavras atribuídas pela
imprensa a Monsenhor Casaroli, de que os católicos cubanos eram "felizes"
sob regime socialista, e que não tinham nenhum problema com o governo
cubano.
Esse desmentido,
que pedia ter sido feito imediatamente após a divulgação das palavras de
efeito devastador atribuídas a Monsenhor Casaroli, só veio a público vinte
dias depois, e num momento em que o manifesto de resistência das TFPs ia
despertando reações salutares em todo o mundo.
Em vista desse
"desmentido", Dr. Plinio pediu ao Serviço de Imprensa da TFP distribuir um
comunicado no qual afirmava que Monsenhor Casaroli só havia desmentido
duas das afirmações que fez relativamente a Cuba, o que deixava de pé as
outras. Além do mais, era um desmentido que dava novo fundamento à
declaração das TFPs, uma vez que, para não desagradar a Castro, S. Excia.
havia praticado uma política de silêncios e recuos, deixando entregues à
sua sorte as desditosas ovelhas cubanas do Bom Pastor.
Este comunicado da
TFP foi entregue à imprensa no dia 18/5/74.
Depois calou-se por largo tempo.
O desenvolvimento internacional da Resistência
induziu, por fim, o ilustre Prelado — tão merecidamente intitulado o
Kissinger vaticano — a romper, mais uma vez, o silêncio. Suas palavras
foram um confuso amálgama de subentendidos e evasivas* [123].
* Vejamos essas
suas declarações, difundidas pela agência Europa Press:
“A Santa Sé
coopera com todos os homens que tenham opções úteis para a paz [...].
Embora alguns acusem a Santa Sé de desequilíbrio nesta busca, o Vaticano
jamais esqueceu o sentido da justiça social ou internacional. Por isto, a
Santa Sé não se limita ao ensino, mas também se empenha em ações
concretas, em casos de injustiça, ainda que em alguns momentos, esses
tenham sido esquecidos”.
Em seguida o
despacho da Europa Press acrescentava: “Pelo que se refere à
Ostpolitik vaticana, Monsenhor Casaroli fez ver que este ponto de vista
não é seu, mas de Paulo VI”. Monsenhor Casaroli declarou ainda que era
“doloroso para o Santo Padre ser atacado e não poder defender-se
publicamente, ao ver algumas de suas ações criticadas por uma parte ou por
outra” (cfr. Artigo “Resistência, Tarancón e Casaroli”,
Folha de S. Paulo, 1°/12/74).
10. Tornou patente o fracasso da
Ostpolitik
É raro eu dizer que num acontecimento internacional a
TFP teve alguma influência. Sou muito cuidadoso em não exagerar o papel da
TFP.
Entretanto, uma coisa salta aos olhos.
Em todos os lugares em que difundimos esse manifesto,
a boa acolhida, ou então a atonia simpática da grande maioria levou-nos a
concluir que havia um clima de antipatia átona — mas real e generalizada —
dos meios católicos contra a détente de Paulo VI. E este fato
transmitia a imagem de um prodigioso isolamento de Paulo VI na sua
política rumo à détente.
A détente estava tendo êxito se considerada do
ângulo das relações diplomáticas, de chancelaria a chancelaria, entre o
Vaticano e Moscou. Mas não na sua verdadeira finalidade, que era a de
preparar o mundo católico para receber favoravelmente um acordo e
colaboração com o comunismo.
Ora, os dirigentes comunistas não estavam dispostos a
negociar de potência a potência com determinada pessoa, a não ser que essa
pessoa representasse toda a coletividade à testa da qual juridicamente ela
estava colocada.
Esse cálculo eles não terão tido com Paulo VI? E não
terão tomado o resultado do manifesto de resistência como um inquérito? E
não terão percebido de um modo iniludível que Paulo VI não levava atrás de
si a opinião pública católica?
A mais banal das objetividades nos impõe que
reconheçamos que houve um fracasso dessa política de Paulo VI, fracasso
esse que o manifesto de resistência não causou, mas tornou patente. E,
tornando patente, tornou catastrófico para a política de deténte.
Isto a TFP fez. Ela arrancou o véu, ela mostrou a
trampa, ela criou o caso. E se a atitude de 500 milhões de católicos
pesa no mundo, a carta foi jogada, e essa carta se chamou manifesto de
resistência.
Posso afirmar que foi, até aquele momento, a jogada
mais importante que a TFP havia feito na sua história [124].
1. “Pelo casamento indissolúvel”
Falo agora de outra campanha contra o divórcio que
fizemos em 1975.
|
Flagrantes da campanha de difusão da Carta Pastoral. Dados publicados pelo "Catolicismo" de maio de 1975,
informavam a venda de 30 mil exemplares em doze dias |
Nesse ano, a ofensiva divorcista era clara, buliçosa,
espumejante*.
* Essa ofensiva
deu-se em torno de dois projetos divorcistas, um no Senado (do senador
Nelson Carneiro) e outro na Câmara (dos deputados Rubens Dourado e Airon
Rios).
Embora claramente ameaçador o risco do divórcio, a
CNBB portou-se com uma discrição — digamos assim — vizinha da abulia.
Nos arraiais antidivorcistas sem liderança, Dom
Antonio de Castro Mayer lançou sua famosa Pastoral Pelo casamento
indissolúvel, avidamente recebida pelo público.
Dela, os sócios e cooperadores da TFP venderam,
durante dois meses, em praça pública, cem mil exemplares.
Foi um raio. Um raio de vida, e não de morte, que
eletrizou e reergueu a opinião antidivorcista desalentada. E à emenda
divorcista faltou o número de votos exigido pela Constituição [125].
2. Conheceu o Brasil estrondo publicitário maior?
À medida que o êxito de nossa ação antidivorcista se
afirmava, foi-se delineando contra a TFP, e ganhando proporções, um
estrondo publicitário que cobriu aos poucos, de modo sistemático e
cadenciado, todo o território nacional*.
* Nascido na
Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul de uma ação coordenada de
alguns deputados estaduais da esquerda, de modo suspeito esse estrondo
logo se espraiou por todo o País, fazendo “ferver” diversas Assembléias
Legislativas de outros Estados da Federação, políticos de esquerda e
sobretudo a imprensa, o rádio e a televisão.
Esse estrondo fazia lembrar os extremos de ardor
polêmico, característicos de tantas controvérsias políticas do século XIX.
A TFP se viu agredida de súbito, através da imprensa
ou do alto da tribuna, pelas mais variadas acusações.
Ditas acusações, dogmaticamente afirmativas e
formuladas em tom de invectiva, foram desde logo aproveitadas por certa
imprensa, como instrumentos de escol do estrondo publicitário.
3. Boatos, difamações, calúnias
|
"A TFP se viu agredida de súbito, através da imprensa
ou do alto da tribuna, pelas mais variadas acusações. Ditas acusações, dogmaticamente afirmativas e
formuladas em tom de invectiva, foram desde logo aproveitadas por certa
imprensa, como instrumentos de escol do estrondo publicitário"
|
A par desse apaixonado modo de proceder, as acusações
feitas pelos referidos parlamentares se caracterizaram por uma
desembaraçada falta de provas. E sobretudo por uma carência de conteúdo.
Consideradas em conjunto, causava estranheza ver que,
em vez de analisar nossas doutrinas e citar nossas obras, eles se
restringiram a acusações vagas e imprecisas.
A difamação procurava ganhar consistência não por
argumentos, mas pela generalização vitoriosa do boato.
Limitavam-se a invectivas os discursos e declarações
à imprensa dos parlamentares que nos atacavam. Era obstinada a ausência de
serenidade e objetividade na apreciação dos fatos que alegavam.
S. Excias. levantavam, por exemplo, o espectro, aliás
tão digno de execração, dos totalitarismos ditos de direita. E,
considerando na TFP este ou aquele aspecto fugaz e secundário, forçavam a
nota e procuraram ver no referido aspecto uma analogia com o espectro.
Afirmada gratuitamente essa analogia, partiam desde
logo para a conclusão apavorante: a TFP é nazista!
O pânico, conjugado com a ânsia de nos denegrir,
levava assim a conclusões totalmente alheias à realidade e que não
resistiam a uma análise crítica feita com seriedade, frieza e
objetividade.
Com este método, qualquer pessoa ou qualquer entidade
podia ser acusada mais ou menos de qualquer coisa.
Era bem evidente que, com tais características, as
acusações de S. Excias., devidamente analisadas por qualquer leitor
mediano, ficavam suspensas no ar, à míngua de fundamentos.
As acusações de que éramos nazistas ou nazifascistas
eram veiculadas com uma completa carência de provas.
A este propósito caberia perguntar se nossos
opositores parlamentares conheciam algo da pregação cívica e da atuação
pública da TFP e de seus dirigentes contra o totalitarismo de direita.
Tratava-se, no entanto, de uma fonte informativa abundante, quase diríamos
torrencial.
Preferíamos admitir que S. Excias. ignorassem esse
material. Nesse caso, porém, não compreendíamos como se sentiam no direito
de discorrer e levantar acusações sobre o assunto.
Eram críticas indicativas, pois, de um estado de
espírito efervescente, no qual o boato calunioso, misteriosamente posto em
circulação, facilmente se propagava e chegava a convencer pessoas dignas
de respeito.
E isto a tal ponto que, aparentemente sem maior
análise, tais pessoas as levavam, oralmente ou por escrito, ao
conhecimento do grande público* [126].
* O estrondo se
caracterizou pela falsa imputação à entidade de tendências
nazifascistas, de atividades subversivas com
caráter monárquico, do aliciamento e adestramento de jovens para a prática
da violência, de ser paramilitar, partido político clandestino etc.
Houve dias em que
mais de cinqüenta notícias ou comentários hostis foram difundidos pelos
jornais, rádios ou emissoras de televisão do País. Tivemos de enfrentar
assim o primeiro estrondo publicitário de envergadura nacional
contra a TFP (cfr.
Um homem, uma obra, uma gesta, cit.).
4. Estrondo de molde a derrubar um governo
Foi tal a virulência desse ataque, que um jornalista
comentou que esse estrondo daria para derrubar um governo [127].
Uma investigação de âmbito
federal era o que o estrondo publicitário uivava por abrir contra a TFP.
Desenvolvendo-se num clima psicológico influenciado
por esse processo de preparação da opinião pública, seria tal investigação
acompanhada passo a passo pelo crescer do estrondo, cada vez mais apto a
obliterar os critérios de julgamento da opinião pública* [128].
* Na
impossibilidade de desfazer tantas acusações, Dr. Plinio esperou
serenamente que elas tomassem amplitude. Então as respondeu, uma por uma,
no extenso manifesto
A TFP em legítima defesa, publicado em Seção
Livre primeiramente na Folha de S. Paulo de 21, 25 e 30 de maio de
1975, e depois na imprensa diária de nossas principais cidades. Catolicismo n° 294, de junho de 1975, transcreveu as três partes do
manifesto numa publicação só.
De tal modo as
acusações contra a TFP eram vazias de conteúdo, que a CPI da Assembléia
Legislativa do Rio Grande do Sul, origem de todo esse estrondo, evitou de
elaborar um relatório final, deixando tudo no ar.
Explicando — dez
anos depois — por que isso se deu, o deputado Rubi Diehl, encarregado do relatório, declarou ao jornal
Zero Hora,
de Porto Alegre: “Não foi feito relatório, porque a conclusão seria
pelo arquivamento. E se concluíssemos pelo arquivamento, marcaríamos um
tento para eles, para a TFP” (Zero Hora, 21/7/85).
Segundo a mesma
notícia de Zero Hora, o deputado Rubi Diehl
ponderou ainda que, após as investigações, a CPI não teria como
“indiciar os membros da TFP por delitos”. E, assim, sem se “apurar
nada”, tudo ficaria limitado ao mundo da fantasia.
Zero Hora
concluiu a informação com o seguinte comentário: “O
estarrecedor é que essa CPI tão badalada
seja a única, até hoje, na Assembléia Legislativa, que não teve um
relatório final” (idem).
E o mesmo deputado
Rubi Diehl voltou a afirmar, em abril de 1986,
que, concluída a CPI, “não ficou provada qualquer atividade criminal
exercida pela TFP” (Zero Hora, 9/4/86).
* *
*
Todos os raios caíram sobre nós, mas todas as nuvens
se desfizeram sobre nossas cabeças. Nós rezamos e nos defendemos. Tudo
passou e continuamos a progredir.
E a trombeta de nossos adversários, que era imensa,
naquela ocasião perdeu a sonoridade [129].
1. CNBB contra qualquer tipo de repressão ao comunismo
Se no âmbito internacional ia a velas soltas a
Ostpolitik vaticana, no âmbito brasileiro tivemos de enfrentar uma
certa política de direitos humanos também incrementada por elementos do
Episcopado, numa linha em geral favorecedora do comunismo.
Proclamando-se a justo título defensora da dignidade
e dos direitos humanos, e denunciando abusos que, admitindo-se que tenham
sido como os descrevia aquele órgão eclesiástico, realmente mereciam
categórico repúdio e urgente remédio, a CNBB adotava entretanto uma
inexplicável atitude de hostilidade para com a repressão em si mesma, e
contra os órgãos que a executavam.
Esse procedimento, aliás, se conjugava com o fato de
que a repressão interna ao comunismo nos meios católicos, estabelecida
pelo inesquecível Pio XII no Decreto da Sagrada Congregação do Santo
Ofício de 1º de julho de 1949, estava em inteiro desuso no
Brasil.
Nessas condições, não espanta que no fundo da alma
simpatizasse com a inteira imobilização da repressão civil quem, como a
CNBB, assumia a responsabilidade, no âmbito eclesiástico, pela
inteiríssima imobilidade da repressão canônica [130].
2. Nossa posição diante da política de repressão no regime militar
O regime militar havia seguido uma política
anticomunista que nós não teríamos adotado. Cheguei mesmo a escrever, nos
primeiros anos do governo militar, uma carta ao Presidente Castelo Branco
a respeito desse ponto*.
* Essa carta,
datada de 13 de janeiro de 1967, criticava a lei de imprensa enviada pelo
governo para debate no Congresso (cfr.
Catolicismo n° 194,
fevereiro de 1967).
Eu considerava que não era de boa tática
anticomunista arrochar a imprensa, e proibi-la de fazer propaganda
pró-comunista. Nem de proibir os comunistas de fazer a sua propaganda.
Isto porque, assim, o perigo deixava de se mostrar. E deixando de se
mostrar, anestesiava o anticomunismo. O anticomunismo deixava de tomar um
caráter doutrinário elevado, para ser apenas uma repressão policial. E,
como todas as repressões policiais, propensas frequentemente a abusos.
|
Audiência do
Prof. Plinio e demais membros da diretoria da TFP com o presidente
Castelo Branco |
Nós achávamos que era melhor dar liberdade a eles em
tudo aquilo que não fosse recurso às armas para subverter, pela força, a
ordem existente.
Castelo Branco até recebeu bem essa carta,
convocou-nos para uma audiência, disse que estava de acordo, mas tudo
ficou no ar.
Depois saíram as leis de repressão ao comunismo.
Essas leis nunca as elogiamos. Não podíamos criticar, porque a imprensa
não publicava críticas ao regime. Mas a vários militares graduados que
eram amigos meus, eu disse o que estou dizendo*.
* Quando saiu a Lei
de Segurança Nacional (decreto-lei nº 314, de 13 de março de 1967), em
pleno regime militar, Dr. Plinio se manifestou contrário. E pediu sua
refusão ou revogação. Seu pronunciamento teve grande repercussão e foi
publicado pela Folha de S. Paulo de 22/3/67:
“Nada mais
eficaz para persuadir a quem quer que seja da necessidade de tal refusão,
do que a análise — ainda que sucinta — de alguns dos dispositivos do
referido diploma. Por exemplo, reza o seu art. 48: ‘A prisão em flagrante
delito ou o recebimento da denúncia, em qualquer dos casos previstos neste
decreto-lei,
|
Fac-símile
da declaração à Folha de São Paulo sobre a Lei de Segurança Nacional |
importará, simultaneamente, na suspensão do exercício da
profissão, emprego em entidade privada, assim como de cargo ou função na
administração pública, autarquia, em empresa pública ou sociedade de
economia mista, até a sentença absolutória’.
“Assim, basta
que seja recebida pelo Juiz a denúncia (o que de nenhum modo quer dizer
que o crime e sua autoria estejam cabalmente provados) e já uma sanção
severa se descarrega sobre o acusado. Essa sanção poderá durar por tempo
indeterminado, pois, quando uma ação se inicia, é quase impossível prever
quanto tempo levará para percorrer todos os seus trâmites, tantas vezes
tumultuados por imprevistos de toda ordem. Sujeitar assim uma pessoa
possivelmente inocente a uma punição gravíssima, é contrário aos
mais fundamentais princípios da Moral e do Direito, os quais preceituam a
iliceidade de qualquer castigo aplicado ao inocente.
“Outros reparos,
também graves, poderiam ser feitos a mais de um dispositivo do decreto-lei
n° 314.
“Diante de tanta
severidade, oposta à nossa formação jurídica e à índole de nosso povo,
fica-se a perguntar qual o interesse público que a justifique.
“A Lei de
Segurança nacional figurará provavelmente, aos olhos dos que a apoiam,
como um remédio heróico e amargo, a ser imposto na presente conjuntura do
País.
“Precisamente aí
está, a meu ver, a incógnita. O único mal que me parece proporcionado com
a gravidade do remédio, isto é, com o caráter draconiano da lei, é o
comunismo. E ainda assim haveria que expungir dela algumas disposições
manifestamente injustas.
“No Brasil,
ninguém há que se oponha ao comunismo com intransigência tão constante e
meticulosa quanto a TFP. Somos, pois, inteiramente insuspeitos para dizer
que aqui o perigo comunista — considerado enquanto consistente na
implantação direta de um regime marxista — é remoto. O Partido Comunista
se arrasta entre nós, desprestigiado e impopular, porque não têm faltado
vozes que contra ele vêm alertando a opinião nacional, fundamentalmente
cristã.
“O verdadeiro
perigo comunista no Brasil não resulta diretamente da atuação do Partido
Comunista, porém da expansão contínua, rápida, e o mais das vezes velada,
de certas formas de progressismo, rotulado de socialista ou cristão, de
demo-cristianismo esquerdista etc. Ele tende a derruir o instituto da
família por leis e costumes que lhe arruínem a estabilidade, e
desprestigiem a autoridade paterna ou materna. Ele vai minando e mutilando
gradualmente a propriedade privada por uma série de leis de índole
socialista e confiscatória.
“Assim, sem o
perceber, por um processo semelhante ao da erosão, o País vai perdendo seu
húmus cristão, e nossa civilização cristã vai-se transformando em uma
civilização socialista. Por sua vez, à medida que o socialismo for-se
requintando e extremando, iremos nos aproximando do comunismo.
“Ora, não me
parece que a lei em apreço tenha sido feita contra esse processo lento e
gradual de ‘socialistização’ (que não confundo com ‘socialização’). E nem
creio que ela fosse apta para deter tal processo.
“Se, pois, assim
é, a Lei de Segurança nacional, proporcionada quiçá a um perigo que entre
nós não é próximo, põe o Brasil numa camisa de força.
“Desse modo
parece-me que sua refusão pelas vias legais competentes, ou sua inteira
revogação, corresponde ao verdadeiro interesse nacional” (cfr.
Folha de S. Paulo, 22/3/67 e
Catolicismo n° 196, abril de
1967).
3. Livro branco sobre a infiltração comunista: sugestão nunca acatada
Por outro lado, o regime militar teve em mãos um
mundo de provas da existência da propaganda comunista nos meios de
comunicação social, nos seminários, e de um modo geral na classe
intelectual do País.
Ele poderia ter publicado isto para alertar o País
sobre a atividade dessa propaganda. Cheguei a propor a pessoas chegadas ao
governo que publicassem livros brancos com esse material.
Isso eles nunca fizeram. Preferiram não ter uma
doutrina positiva, mas apelar só para a força. O resultado é que em certo
momento isso cansou, e o regime militar vergou.
* *
*
Dentro desse regime militar, havia bons amigos da
TFP. E havia também adversários, pessoas esquerdistas. Esses adversários
em diversas ocasiões perseguiram a TFP e procuraram até fechá-la sob
vários pretextos.
São fatos remotos que não interessa estar lembrando
aqui. Mas foram fatos que tivemos que enfrentar várias vezes [131].
4. Postura diante da desconcertante “Declaração de Itaici” do
Episcopado paulista
Nesse contexto de direitos humanos, foi distribuído
nas igrejas do Estado de São Paulo, no domingo de 9 de novembro de 1975,
um documento subscrito em Itaici por todos os Srs. Bispos das Dioceses
paulistas, intitulado Não oprimas teu irmão*.
* O documento era
de responsabilidade da Regional Sul I da CNBB, a qual tinha à frente o Sr.
Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e faziam parte todos os Srs. Arcebispos e
Bispos do Estado de São Paulo.
Essa declaração foi distribuída no domingo, dia 9 de novembro, nas igrejas do Estado
de São Paulo, com grande estardalhaço na imprensa.
O estudo daquele texto episcopal produziu em nosso
espírito um profundo desconcerto [132].
Em 14 de novembro, a TFP divulgou pelos jornais uma
mensagem ao Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns sob o título
Não se iluda,
Eminência* [133].
* Este manifesto
foi publicado em 14 de novembro de 1975 simultaneamente nos principais
órgãos de imprensa de São Paulo e depois sucessivamente em outros jornais
de expressão do País, chegando ao total de 31 publicações (cfr. Catolicismo n° 299-300, de novembro-dezembro de 1975).
Começamos por ressaltar que no documento havia
aspectos bons. Pecaríamos contra a justiça se nos omitíssemos de os
louvar, e nos cingíssemos à crítica.
Por certo, os Pastores deste Estado de São Paulo
cumpriam a missão sobrenatural que lhes incumbia, ao manifestarem todo o
seu zelo por que fossem integralmente respeitados, entre nós, os direitos
naturais da criatura humana, definidos nos Dez Mandamentos da Lei de Deus.
Convinha que tal elogio ficasse inscrito logo no
início da nossa mensagem, para a omissão dele não ser tida como sintoma de
paixão, unilateralidade e injustiça.
E tanto mais convinha quanto era precisamente uma
omissão desse gênero o grande defeito que deixava perplexa a TFP, no
tocante ao documento episcopal de Itaici.
Todo o povo brasileiro estava consciente de que a
Rússia e a China empreendiam, naqueles dias, um esforço gigantesco de
conquista ideológica, política e, por fim, militar, de todas as nações.
A violência, a corrupção e a miséria que
infelicitaram ontem o Chile, e o exemplo de Portugal, bem à vista de
nossos olhos, impediam, mesmo aos brasileiros mais desatentos, que
esquecessem essa verdade*.
* A Revolução
dos Cravos, que a 25 de abril de 1974 derrubou o regime salazarista,
levou ao poder próceres marxistas. A Reforma Agrária então aplicada
provocou o colapso da produção: 1,5 milhão de hectares de terras são
expropriadas, e mais de 700 mil ocupadas ilegalmente, só voltando às mãos
de seus proprietários a partir de 1978. O divórcio civil foi franqueado e
o aborto aprovado.
Além disso, recentes declarações das mais altas
autoridades do País haviam denunciado a presença desse perigo dentro de
nossas próprias fronteiras. Em seu discurso de 1º de agosto do mesmo ano,
o Presidente da República, General Ernesto Geisel, havia aludido à
infiltração do comunismo nos partidos políticos.
Em face da subversão, o que fizeram o Cardeal Arns e
os Srs. Bispos reunidos em Itaici?
Deram a público o referido documento, talvez o mais
enérgico da história eclesiástica brasileira (preferiríamos antes dizer o
único documento violento da história eclesiástica brasileira), para, de
começo a fim, criticar as Forças Armadas e a repressão que estas faziam ao
fascismo vermelho.
Se o Episcopado paulista se tivesse mantido em
posição imparcial, encareceria sobretudo o sentido profundamente cristão e
patriótico da repressão ao comunismo, a necessidade e a urgência dela.
Apontaria depois as falhas que em tal repressão
encontrasse.
Os signatários do documento de Itaici pareciam não
ver isso, e seu zelo se voltou todo, não para a Pátria ameaçada, mas para
a defesa dos direitos humanos de agentes da subversão, ou de pessoas
suspeitas de tal.
Era desconcertante tão espantosa omissão em Pastores
de almas.
A estes cabia certamente serem ciosos dos direitos
individuais de suas ovelhas, ainda que se tratasse de subversivos ou
suspeitos de subversão.
Porém, muito mais lhes cabia o desvelo por todo o
rebanho, isto é, a população ordeira e laboriosa que os subversivos
queriam atirar na desgraça.
O que era fundamental, em matéria de comunismo, é que
agentes subversivos estrangeiros articulavam brasileiros transviados, para
impor ao País o regime marxista, negador de todos os direitos humanos.
Estávamos perplexos. Por que tais atitudes?
5. Um alerta: vai se abrindo um fosso entre o Episcopado e o povo
Tínhamos razão para recear que esta pergunta, que não
era apenas nossa, mas de milhões de paulistas, ficasse sem resposta.
Não se iludisse, porém, S. Eminência
- frisávamos em nossos
comunicado. Nosso povo continuava a encher as igrejas e a freqüentar os
Sacramentos. Mas as atitudes como a dos signatários do documento de Itaici
iriam abrindo um fosso cada vez maior, não entre a Religião e o povo, mas
entre o Episcopado paulista e o povo.
A Hierarquia Eclesiástica, na própria medida em que
se omitia no combate à subversão comunista, ia se isolando no contexto
nacional.
E nos parecia indispensável que alguém dissesse ao
Sr. Cardeal que a subversão era profunda e inalteravelmente impopular
entre nós, e que a Hierarquia paulista tanto menos venerada e querida ia
ficando, quanto mais bafejava a subversão.
Preferíamos que Sua Eminência dela se inteirasse por
intermédio de filhos cristãmente francos e profundamente respeitosos, a
que a conhecesse amanhã através da evidência dos fatos, ou da gargalhada
satânica dos subversivos.
E como poderiam não rir os agentes do demônio, vendo
que conseguiram transformar em instrumentos da expansão comunista
precisamente Pastores instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo para
esmagar o poder das trevas?
Como católicos, desejávamos ardentemente que tal não
sucedesse. E este desejo, respeitoso e filial até mesmo na expressão
franca de nossas perplexidades e nossas apreensões, motivou a nossa
mensagem [134].
* *
*
Em síntese, o avanço comunista em nosso País nada
teve que temer da CNBB e dos que a seguem.
Nestas condições, era praticamente impossível evitar
que muitos católicos engajados nas melhorias sociais passassem a ver nos
comunistas bons companheiros de luta, e em boa medida até companheiros de
ideal. E isso os tornava vítimas naturais da propaganda comunista.
Começavam por sentir-se “companheiros de viagem”, formavam uma
esquerda “católica” impregnada de espírito de revolta e sedenta de
reivindicações sociais. E daí chegavam a todos os desacertos do socialismo
“católico”, quando não do comunismo. E assim, através do esquerdismo
“católico”, eram sugados para o comunismo, arrastando consigo, como cauda,
toda a área da opinião que conseguiam sensibilizar [135].
1. Bispos resguardam marxistas dispersados
Como ficara notório, o Cardeal Silva Henriquez havia
deitado o peso de toda a influência da autoridade inerente a seu cargo
para auxiliar a ascensão de Allende ao poder, sua posse festiva nele, e
sua manutenção na primeira magistratura até o momento trágico em que o
líder ateu se suicidou.
Com uma flexibilidade que não concorria para dar boa
idéia dele, procurou ajustar-se, por meio de algumas declarações públicas,
à ordem de coisas que sucedeu ao regime Allende.
Porém, as manifestações de sua constante simpatia
para com os marxistas chilenos nem por isso cessaram.
Pouco antes, S. Emcia. havia celebrado a Missa de
réquiem na capela de seu Palácio Cardinalício por alma de outro comunista,
o "camarada" Tohá, ex-ministro de Allende, também ele um infeliz
suicida. Ao ato compareceram familiares e amigos do morto (cfr. Jornal
do Brasil, 18/3/74) [136].
Grande parte da Hierarquia veio resguardando de todos
os modos os restos da situação derrocada. E propiciaram quanto puderam a
reaglutinação destes restos, obviamente com vistas a uma nova investida
vermelha [137].
2. Paulo VI e Episcopado pregam a “reconciliação” com os comunistas
chilenos
Neste sentido, reputei altamente poluidora a
declaração da Conferência Episcopal Chilena (CEC), divulgada pelo Cardeal
Silva Henriquez.
Entregando à imprensa essa lamentável declaração, o
Cardeal chileno informou ter recebido do Vaticano um longo telegrama
exortando o Episcopado a trabalhar pela reconciliação entre os chilenos. O
que importava em afirmar que essa infeliz atitude da CEC era efeito das
instruções da Santa Sé [138].
A aceitação de tal meta e tal estilo acarretaria
assim, na ordem concreta dos fatos, uma catástrofe para os católicos e uma
vitória para os comunistas chilenos.
Ora, a imprensa havia publicado um resumo da alocução
de Paulo VI ao novo embaixador chileno Hector Riesle, que lhe apresentava
suas credenciais.
A ocasião dessa entrega de credenciais era propícia
para, se o quisesse Sua Santidade, remediar tal situação. Bastava-lhe
exprimir ao diplomata sua alegria por ver a nação chilena libertada do
jugo de um governo que a levava a uma dupla ruína: 1) espiritual, em
virtude da inspiração ateia e marxista do presidente Allende; 2) material,
em conseqüência da derrubada de dois pilares da normalidade econômica, ou
seja, a livre iniciativa e a propriedade privada.
Essas palavras do Santo Padre teriam, ao mesmo tempo,
dessolidarizado sua sagrada e suprema autoridade da conduta pró-marxista
do Cardeal Silva Henriquez, Arcebispo de Santiago.
Entretanto, a alocução do Soberano Pontífice nada
conteve de análogo a essas palavras, que seriam tão naturais nos lábios de
um Papa*.
* Nessa alocução,
pronunciada em 6 de abril de 1974, o Santo Padre augurava “uma
fraternidade que, superando as animosidades e os ressentimentos, e
excluindo as vinganças, envolva o restabelecimento de uma autêntica e
recíproca compreensão através de uma reconciliação efetiva e sincera”.
Num país dividido a fundo entre dois imensos blocos,
comunista e anticomunista, o Augusto Pontífice parecia achar possível o
despontar de uma era de concórdia em que, continuando uns e outros nas
respectivas convicções, cessassem as "animosidades", os
"ressentimentos" e as "vinganças".
As palavras do Santo Padre equivaliam a indicar aos
católicos chilenos uma meta e um estilo de ação que os desmobilizariam
psicologicamente ante um adversário implacável, o qual havia lançado o
Chile na miséria e no comunismo, e que, de seu lado, de nenhum modo se
desmobilizara.
E não era difícil ver que essas palavras tendiam a
reproduzir, no campo interno da política chilena, uma conciliação entre
católicos e comunistas análoga à que a Santa Sé vinha tentando obter, no
campo diplomático, com as nações comunistas.
A aceitação de tal meta e tal estilo acarretaria
assim, na ordem concreta dos fatos, uma catástrofe para os católicos e uma
vitória para os comunistas chilenos [139].
3. A TFP chilena proclama a verdade inteira
Foram estes e outros fatos, quase incríveis de tão
aberrantes, que levaram a TFP chilena a lançar o seu livro-denúncia A
Igreja do Silêncio no Chile — A TFP proclama a verdade inteira*.
* Sobre essas
escandalosas atitudes assumidas pela grande maioria dos Bispos e do Clero
andino em geral, o livro dizia a certa altura: "É impossível analisar
estes fatos à luz da Doutrina Católica sem pensar nas figuras canônicas de
cisma, favorecimento de heresia e suspeita de heresia: quando não, de
heresia propriamente dita" (cfr. La Iglesia del Silencio en Chile -
La TFP proclama la verdad entera, p. 389).
Com este livro foi dado o maior lance de resistência
de uma TFP que se poderia imaginar: foi um incêndio de resistência. O
livro era propriamente uma ação de resistência [140].
Na Bíblia há uma expressão que, ao menos a mim, desde
pequeno, me chamava a atenção, quando falava de Abel. Deus disse a Caim
que o sangue de Abel, derramado por Caim, bradava aos céus clamando por
vingança.
É claro que o sangue não clama. Mas isto queria dizer
que a cólera de Deus, vendo aquele sangue derramado que saía aos borbotões
do corpo do filho honesto e fiel, bradava por vingança.
Havia no Chile algo pior do que isto. Não era o crime
de Caim contra Abel, mas seria semelhante a um crime de Adão contra Abel,
porque era o pai que matava o filho. Era o Hierarca, o Pastor que matava
as ovelhas, aproximando-as do comunismo.
Esse sangue, no sentido espiritual, das ovelhas
derramado bradava por vingança. Esse brado descarregou-se na voz da TFP [141].
4. Situação canônica de Pastores divorciados de sua sagrada missão
Verdadeiro estudo histórico e doutrinário baseado em
mais de 200 documentos, o livro da TFP chilena nos mostrava que a quase
totalidade do Episcopado e uma impressionante parte do Clero daquele país
coadjuvaram de modo decisivo, nas vitórias como na adversidade, a política
do líder marxista Salvador Allende.
Em seus últimos capítulos, estudava a situação
canônica na qual se puseram esses Pastores de tal maneira divorciados de
sua sagrada missão* [142].
* O livro dizia em
sua conclusão que, à luz da Sagrada Teologia e da legislação canônica, não
havia para os católicos o dever de seguir a orientação errônea do
Episcopado: "Os católicos [...] objetivamente têm o direito e,
de acordo com as circunstâncias também o dever — ainda quando sejam
simples fiéis — de resistir a tais Pastores e ao Clero que os secunda
[...] Entendemos por resistir: Declarar e proclamar ante o Chile e o
mundo, por todos os meios lícitos a que nos autorizam o Direito Natural e
a Lei Positiva, seja canônica, seja civil, em que consiste a conduta dos
Hierarcas e Sacerdotes demolidores, e esclarecer qual sua gravidade, em
vista do dano que ela causa à Igreja e à civilização em nossa Pátria. E
opor-nos em toda a medida que nos seja permitida pela Moral e pelo
Direito, a que tais Hierarcas e Sacerdotes usem de seu prestígio para
fazer o mal que os fatos relatados [refere-se aos numerosos fatos
citados e comprovados no livro] indicam — prestígio que se torna,
assim, um fruto usurpado aos sagrados cargos que ainda ocupam. [...]
Sendo assim, e salvo melhor juízo, afirmamos que cessar a convivência
eclesiástica com tais Bispos e Sacerdotes [demolidores] é um
direito de consciência dos católicos que a julguem insuportável. Isto é,
daninha para a própria Fé e vida de piedade, e escandalosa para o povo
fiel" (Cfr.
A Igreja ante a ameaçada da escalada comunista,
Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª edição, julho de 1977, pp. 213 ss.).
E fazia um apelo
aos Eclesiásticos e teólogos andinos para que não aplaudissem esse
processo demolidor da Igreja e da nação chilena, e que saissem do relativo
silêncio em que estavam e se pronunciassem publicamente sobre os aspectos
morais e canônicos do delicado assunto.
5. Governo Pinochet não autoriza difusão do livro nas ruas. Sucesso de
livraria
Eu teria gostado que a TFP chilena fizesse a difusão
do livro por meio de campanha pública. Mas infelizmente eles não obtiveram
autorização do governo — governo anticomunista! — para fazê-la*.
* A TFP chilena foi
assim coarctada em seu legítimo direito de difundir o livro em vias
públicas por uma decisão governamental que evidentemente agradou muito ao
Episcopado. O livro passou então a ser vendido apenas nas livrarias.
Em menos de um mês
foram lançadas três edições (10 mil exemplares). No gênero, constituiu um
dos maiores sucessos da história editorial chilena. A imprensa deu ampla
cobertura à difusão, que logo se constituiu em “tema obrigatório de
comentário”, segundo a revista ¿Que Pasa? (26/2/76).
As agências de
notícias enviaram despachos ao exterior, que foram publicados por jornais
da América Latina, Estados Unidos e Europa, transpondo inclusive a Cortina
de Ferro (Cfr. Tygodnik Powszechny de Cracóvia, 28/3/76; Slowo
Powszechne, 2, 3 e 4/4/76 e Kierunki, 2/5/76, ambos de
Varsóvia, apud Um homem, uma obra, uma
gesta, cit., pp. 271 e
272).
Mesmo assim, a repercussão de livraria foi além do
que se poderia imaginar: uma saída em média de 100 livros por dia. Quer
dizer, uma campanha perfeita e de grande porte [143].
6. Reações contrárias: Rádio Moscou, Arcebispado de Santiago,
Nunciatura — 32 sacerdotes chilenos e mil espanhóis apóiam o livro
A Rádio de Moscou manifestou-se evidentemente contra
o livro, e contentíssima com o Episcopado. O estilo de narrar que empregou
era o estilo faccioso de quem estava encantado com as declarações que o
Episcopado fizera contra a TFP*.
* No total foram
quatro transmissões em que, durante o mês de fevereiro de 1976, a Rádio
Moscou, no programa Escucha Chile, atacava a TFP chilena a
propósito do livro.
* *
*
Tiveram também início as reações dos Bispos e as
correspondentes respostas da TFP chilena*.
* Primeiramente,
foi publicada uma nota do Departamento de Opinião Pública do Arcebispado
de Santiago, em que este lamentava que o país tivesse de se ocupar com o
tema de A Igreja do Silêncio (El Mercurio, Santiago, 27/2/76).
Pouco depois sai
outra nota do Comitê Permanente do Episcopado, acusando os autores e
difusores de A Igreja do Silêncio no Chile de se terem afastado
automaticamente da Igreja Católica (El Mercurio, 11/3/76).
Em resposta a ambas
as notas, a TFP andina afirmou que a declaração do Arcebispado insistia em
ignorar o profundo conflito interior que afligia a nação pela atitude de
seus Prelados, ademais de não apresentar absolutamente nenhuma refutação
da obra, nem provar que fossem falsas quaisquer das suas imputações (El
Mercurio, 4/3/76). E solicitava ao Comitê Permanente do Episcopado que
saísse a público para dizer se os fatos expostos no livro eram ou não
verídicos, se estavam ou não bem documentados, e se a análise correspondia
ou não à objetividade. E concluía: "Se se responde afirmativamente a
essas perguntas, a conclusão forçosa é que tais Prelados e Sacerdotes
encontram-se em estado de cisma e suspeita de heresia, conforme o Direito
Canônico (El Mercurio, 12/3/76).
El Mercurio publicou, com título de primeira
página, uma chamada a essa resposta da TFP à Comissão Episcopal, e dentro
da edição, o texto integral dela, com bastante destaque.
* *
*
A declaração da Nunciatura a nosso respeito apareceu
no mesmo dia naquele diário, mas com menor destaque* [144].
* O Núncio no
Chile, Dom Sotero Sanz Villalba, naqueles dias acabara de franquear asilo
na Nunciatura para dirigentes terroristas do MIR (Movimiento de
Izquierda Revolucionaria). O que não o inibiu de sair a público com
uma declaração em que rechaçava “com energia” as acusações do
livro. Afirmava ele que a versão dos documentos citados era parcial. A se
crer na informação de L’Unità (21/3/76), órgão do Partido Comunista
italiano, que fez eco a essa atitude do Núncio, Dom Sotero teria afirmado
que fazia essa declaração “depois de ter consultado a Santa Sé”
(cfr. El Mercurio, Santiago, 12/3/76).
|
Fac-símile do manifesto da TFP espanhola com o apoio de
1.000 sacerdotes espanhóis às teses de "A Igreja do Silêncio
no Chile" |
Em resposta, a TFP
chilena reafirmou a sua inteira e amorosa obediência ao Soberano Pontífice
e a quem o representava no Chile, e ao mesmo tempo lamentava o fato de o
Núncio não ter tido, antes, a preocupação de pelo menos ouvi-la ou
admoestá-la, concluindo penalizada: “As portas da Nunciatura
Apostólica, que recentemente se abriram com tanto desvelo e cordialidade
para asilar elementos miristas do Movimiento de Izquierda Revolucionaria,
terrorista, estiveram fechadas para nós” (La Tercera, Santiago,
14/3/76).
Três meses depois,
ainda em junho de 1976, a Conferência Episcopal difundiu nos jornais
chilenos a carta a ela enviada pelo Cardeal Villot, Prefeito do Conselho
para Assuntos Públicos da Santa Sé, na qual declarava que o livro A
Igreja do Silencio no Chile havia causado profundo desagrado a Paulo
VI, que teria visto nele “graves e inadmissíveis acusações” (La
Tercera, Santiago, 3/6/76).
A TFP andina, em
comunicado de imprensa, reconheceu que, de fato, as acusações do livro
eram “graves”. Mas, que fossem “inadmissíveis”, era o que devia ser
provado (La Tercera, 8/6/76).
Em contrapartida,
neste mesmo mês, a TFP lançou o comunicado 32 sacerdotes declaram: “la
TFP tiene razón”, noticiando o apoio recebido de 32 sacerdotes
chilenos que, enfrentando prováveis sanções, tiveram a coragem de se
solidarizar por escrito com o livro (La Tercera, 9/6/76).
No final do ano de
1976, a TFP chilena anunciou ao público a manifestação de solidariedade de
1.000 sacerdotes espanhóis às teses do livro (El Mercurio,
22/12/76; ABC, Madri, 12/12/76; e mais 27 jornais espanhóis).
1. Um anticomunismo confuso e genérico
Após correr a notícia de que o livro da TFP andina
estava ateando fogo no Chile, vimos aqui no Brasil uma série de Cardeais
(praticamente todos, menos Dom Arns, Cardeal Arcebispo de São Paulo, que
fez declarações numa linha claramente favorável à esquerda), e Bispos
começarem a se pronunciar a respeito do problema comunista, com frases
confusas e genéricas contra este, não indo porém além do palavreado [145].
Essas numerosas declarações de importantes prelados
vindas a público simultaneamente e com grande destaque surgiam juntas e de
súbito, não se sabe por que naquele momento, depois de tantos anos de
expansão do mal, impune de sanção eclesiástica. E o público católico, por
isto, não sabia explicá-las [146].
Há quanto tempo viam eles o comunismo se espalhando
sem dizer uma palavra? Por que mudaram? Que dado novo tinha havido? E por
que estavam agindo agora do mesmo jeito, com exceção de Dom Arns, e
aparecendo de público dizendo mais ou menos as mesmas coisas? De repente
aparecem como atores que entram em um palco de teatro segurando-se pela
mão e dizendo coisas de um vago perfume anticomunista [147].
Esses Bispos brasileiros evidentemente ficaram
sabendo da acusação que pesava sobre o Episcopado chileno. E, sobretudo,
os Bispos brasileiros certamente perceberam que a denúncia chilena era a
primeira de uma série análoga que poderia sair em outros países.
Então, a atitude dos Cardeais brasileiros em parte se
explicava: antes de sair um livro brasileiro mostrando a conivência deles
com o comunismo, por antecipação colocavam-se em uma posição que tornasse
um pouco mais difícil a transposição do caso chileno para o caso
brasileiro. Eles poderiam retrucar: “Nós já tomamos uma atitude contra
o comunismo”... [148]
2. Pronunciamentos dúbios, mas favorecedores de certo comunismo
Mas os pronunciamentos episcopais tinham sido
extremamente dúbios, ambíguos ou até mesmo simpáticos ao comunismo.
Alguns falavam do “comunismo ateu”. Ora, dos
tempos de Pio XI para cá, as coisas haviam mudado muito, e o new look
era o comunismo procurar em vários lugares tomar ares de “católico”.
Falar contra o “comunismo ateu” significava
atacá-lo apenas debaixo de um de seus aspectos, deixando certa escapatória
para ele.
Outra coisa que chamava a atenção: eles davam a
entender que o comunismo nascia da fome e da miséria, o que não condiz com
a verdade. O comunismo pode ser agravado pela fome e pela miséria, mas ele
nasce da corrupção dos costumes, nasce da maldade dos homens, nasce da
irreligião.
O Cardeal Dom Eugênio Sales, em sua declaração, tinha
ido além, afirmando claramente que não ia se engajar numa campanha
anticomunista “insana”.
O que era uma campanha anticomunista insana? Numa
campanha sã, ele também não se engajaria? Por que ele não fazia
anticomunismo? A posição do Pastor não é ser antilobo? Se o comunismo é o
lobo, por que ele não era antilobo?
Era portanto uma forma de declarar um anticomunismo
que dava oportunidade, em última análise, para uma meia penetração
comunista.
3. O pronunciamento da TFP
Um velho provérbio ensina: “Quando se vê a barba
do vizinho pegar fogo, põe-se a sua de molho”.
Todas essas declarações acentuavam em mim a impressão
de que eles estavam pondo a barba de molho, tomando preventivamente umas
atitudes por onde a TFP não poderia dizer que eles eram uns Silva
Henriques brasileiros.
Diante dessa manobra, nossa tomada de atitude teria
de provar ao público que não poderíamos levar a sério esse anticomunismo
deles.
Uma publicação nos jornais seria o meio adequado para
essa atitude..
Lembro-me até do lugar em que ditei o manifesto, ao
qual dei o título de Anticomunismo-surpresa de altos Prelados.
|
Fac-símile da publicação do manifesto em O Estado de São Paulo
de 7 de março de 1976 [clique sobre a imagem para aceder ao
texto] |
Saindo de casa, quando cheguei próximo ao Estádio do
Pacaembu, pedi que conduzissem o automóvel a um ponto calmo daquele
bairro. Mandei parar e ali ditei essa declaração que depois saiu em nome
da TFP.
Essa declaração eu a limei quanto pude e a entreguei
a Dr. Castilho, que possuía limas e lixas super-especializadas.
No dia seguinte, comecei a ler o jornal e deparei-me
com um mundo de novas declarações no mesmo sentido. Então adaptei um pouco
o que eu já havia escrito.
Telefonei em seguida para Dom Mayer, porque eu nunca
tomava uma atitude pública desse gênero sem antes ouvi-lo. Li o documento
para ele e ele o aceitou com toda a facilidade.
Esse documento foi levado por Dr. Plinio Xavier e Dr.
Borelli Machado a O Estado de S. Paulo e foi publicado na edição de
7 de março de 1976, na 5ª página, o que, para uma edição de domingo, era
uma página muito boa* [149].
* Esta declaração
foi depois reproduzida em 53 jornais das principais capitais do País e
também do interior. Nesse manifesto Dr. Plinio dizia:
“O ambiente que,
de 1960 até hoje, os comunistas mais têm procurado infiltrar, no Brasil, é
o ambiente católico: Seminários, noviciados, Universidades e colégios
católicos, associações religiosas, meios de comunicação social etc.
[...] Isto não teria chegado a ser assim se não fosse a colaboração
pública e ativa de bom número de eclesiásticos, a colaboração discreta e
sabiamente dosada de um número maior deles, e a abstenção comodista da
maioria.
“Estas
considerações levam a TFP a tomar atitude diante de numerosas declarações
de importantes Prelados vindas a público simultaneamente e com grande
destaque, nos últimos dias. [...] Carece de seriedade que esses
pronunciamentos, reconhecendo a periculosidade do comunismo, fiquem em
generalidades. [...] Não, Eminências. Não, Excelências. Isso não
basta. Os católicos só tomarão a sério pronunciamentos anticomunistas de
fonte eclesiástica que deem especialíssimo relevo à denúncia do perigo que
avulta de modo escandaloso no campo imediatamente confiado à vigilância e
à ação defensiva dos Bispos, isto é, no campo católico. [...] Tranquilizem o público anunciando-lhe um plano amplo e eficaz de
erradicação do mal. E sobretudo anunciem que já teve início a execução
desse plano. Então, e só então, o rebanho de Nosso Senhor Jesus Cristo
reconhecerá no que digam tais pronunciamentos, a autêntica voz do Pastor”.
4. Desconfiança do público
Pelo efeito de nossa declaração e dos pronunciamentos
que se lhe seguiram, abriu-se no público uma desconfiança, e uma
desconfiança particularmente dura, porque criava uma atitude de
expectativa.
Se os Bispos quisessem esmagar a nossa declaração,
bastava serem sinceros, tomando uma série de providências contra o Clero
esquerdista [150].
Como podia a CNBB ignorar que havia uma séria e perigosa infiltração
comunista não só no laicato católico como ainda no Clero? [151]
Então, diante de nosso manifesto, o público ficou a
perguntar: “São sinceros? Querem realmente combater o comunismo? Há
vários clérigos esquerdistas que estão debaixo da autoridade deles. E eles
não fazem nada? Eles mesmos estão se denunciando”. E ficou criada essa
perplexidade.
1. Semelhanças da ação do progressismo no Chile e no Brasil
Todos esses fatos prepararam caminho para se abordar
no Brasil, sob outros prismas, a denúncia que estava pegando fogo no Chile [152].
Em 1976 publiquei o livro
A Igreja ante a escalada
da ameaça comunista — Apelo aos Bispos silenciosos.
Esse trabalho eu o quis publicar como estudo
introdutório a uma condensação de La Iglesia del Silencio en Chile
- La TFP proclama la verdad
entera.
Existia entre ambos os trabalhos íntima afinidade.
Tal afinidade resultava da semelhança de situações entre o Brasil e o
Chile no que concerne à atuação da Hierarquia eclesiástica.
Lá, ainda mais claramente do que aqui, a maior parte
do Episcopado (e não apenas setores dele, como no Brasil) trabalhou pela
comunistização do país, como provava com abundância de documentos o
referido livro chileno [153].
2. Dom Casáldaliga e a Regional Sul II da CNBB
O meu objetivo era fazer com que o perigo comunista,
enquanto imbricado dentro da Igreja Católica, aparecesse com clareza maior
do que nunca para a população.
Eu notava que os católicos brasileiros tinham a noção
de que essa infiltração existia. Mas faltava a eles uma explanação
sistematizada que mostrasse como essa infiltração havia nascido, como
estava estruturada e que possibilidades de desenvolvimento ainda possuía.
Era também necessário demonstrar que ela não constituía apenas um fato
isolado, mas era um perigo em marcha. Sobre tudo isto as pessoas possuíam
uma ideia muito confusa [154].
* *
*
|
“Yo me siento con esta ropa de guerrillero, como me
podría sentir revestido de sacerdote”, declara Mons.
Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix de Araguaia, Brasil,
em meio a aplausos e gritos frenéticos em evento na PUC de
São Paulo no anos 80 [Para
mais detalhes ver aqui] |
Dei a esse meu trabalho um caráter de análise
marcadamente doutrinária das posições então assumidas pela Hierarquia
eclesiástica no Brasil, em favor do comunismo. Por exemplo, a pregação
claramente pró-comunista de Dom Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix do
Araguaia* [155].
* Dr. Plinio
focalizava de modo especial as poesias de Dom Casaldáliga. Nessas poesias,
o trêfego Prelado de São Félix do Araguaia lançava maldições e imprecações
contra a propriedade e os proprietários: “Malditas sejam todas as
cercas! Malditas todas as propriedades privadas”; chamava os
proprietários de “mal-nascidos”, “prostitutos presunçosos da Mãe
comum”, “gordos [...] como porcos cevados” (cfr. “Tierra
Nuestra, Libertad”, Editorial Guadalupe, Buenos Aires, novembro de
1974).
Em outro livro de
poemas, ele se vangloriava: “Monsenhor ‘martelo e foice’? Chamar-me-ão
subversivo. E lhes direi: eu o sou. [...] Tenho fé de guerrilheiro
e amor de Revolução . [...] Incito à subversão, contra o Poder e o
Dinheiro . [...] Creio na Internacional [...] E chamo à
Ordem de mal, e ao Progresso de mentira. Tenho menos paz
que ira” (cfr. “Canción de la hoz y el haz”, págs.
117 e 118).
Em sua
autobiografia, Dom Casaldáliga afirma: “Quanto a mim, a vida diária à
luz da Fé, o cotidiano e crescente contato com os pobres e oprimidos —
pelo imperativo da Caridade — me levaram à compreensão da dialética
marxista e a uma metanóia política total”. Diz ainda em outro
trecho: "O povo-povo — não os mandarins, não os reverendos, nem as
damas, nem as famílias de posição, nem os donos — ganhou com Fidel ou com
Allende ou com Mao", completando logo depois: "Procurando ser
cristão, sei que posso e devo ir mais longe que o comunismo" (“Yo
creo en la justicia y en la esperanza!”, Editorial Española
Desclée de Brouwer, Bilbao, 1976, p. 188 — o destaque é nosso).
A pergunta que eu levantava era: como pôde um clérigo
portador de tais opiniões e capaz de tais atitudes chegar a Bispo da
Igreja de Deus?
Ainda mais que o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, ao
chegar de Roma, declarou ter ouvido de Paulo VI, a propósito de fatos do
Araguaia, a seguinte frase: “Mexer com Dom Pedro Casaldáliga, Bispo de
S. Félix, seria mexer com o próprio Papa” (cfr. O São Paulo, 10
a 16/1/76).
Ademais, como reagia a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil diante desta escandalosa explosão do espírito subversivo
na pena de um Bispo católico? Vendo-se tão claramente infiltrada pela
subversão, como se defendia a Hierarquia eclesiástica brasileira?
Resposta incômoda de dar... [156]
* *
*
Aliás, não só Dom Casaldáliga era posto em xeque por
meu livro [157].
O mesmo livro transcrevia o documento em que a
Regional Sul II da CNBB, constituída por Bispos paranaenses, já antevia a
tomada do Brasil pelos comunistas, e recomendava a seus colegas a
capitulação e até a colaboração com o invasor* [158].
* Este
pronunciamento da Regional Sul II da CNBB, composta por dois Arcebispos e
dezessete Bispos do Estado do Paraná, publicada no semanário católico Voz do Paraná, de Curitiba (n° de 25 de abril a 1° de maio de 1976)
sob o título A Igreja do Vietnã está disposta a sobreviver, trazia
um longo histórico da implantação do comunismo no Vietnã, apresentando-a
sob o prisma simpático de “libertação” do povo vietnamita. A matéria
citava elogiosamente um comunicado do “Arcebispo de Ho Chi Minh” de
sentido totalmente colaboracionista em relação ao comunismo (artigo
O
Arcebispo de Ho Chi Minh, Folha de S. Paulo, 9 de outubro de
1977).
Paralelamente a essa triste evolução do Episcopado, o
livro mostrava também a luta travada pelo grupo de católicos fiéis que se
reuniu inicialmente em torno do Legionário, depois de Catolicismo [159].
Era o histórico da grande crise religiosa em que se debatia o Brasil, e
constituía de algum modo o histórico da TFP brasileira [160].
E, embora teoricamente falando o elemento mais
importante fosse o chileno (era, aliás, o que ocupava maior número de
páginas), a parte que se referia ao Brasil naturalmente interessava mais
ao leitor brasileiro [161].
3. Aos Bispos silenciosos: falai!
Ademais de doutrinário, debaixo de certo ponto de
vista era um estudo mais histórico do que de outra natureza [162].
E nele formulei um apelo veemente aos “Bispos silenciosos” [163].
Por que os Bispos silenciosos?
O quadro da situação eclesiástica no Brasil se
apresentava da seguinte maneira.
Havia, de um lado, Bispos declaradamente simpáticos
ao socialismo e ao comunismo. De outro lado, notávamos um grande número
dos outros Bispos, quietos, olhando para essa realidade com olhar de
vidro, como que não vendo nada [164].
Constituíam estes últimos a “maioria silenciosa”
do Episcopado, que parecia habitualmente conservadora, mas julgava que
podia dispensar um estudo próprio para emitir seu julgamento.
Nas Assembléias da CNBB votava ela com a minoria
esquerdista, aceitando uma argumentação que não se deu o trabalho de
examinar a fundo.
Tal atitude, interpretada pelo grande público como
expressão de alheamento às coisas temporais, ia desconcertando sempre mais [165].
Que falassem! Eram eles numerosos e dispunham de
prestígio suficiente para salvar o Brasil, se simplesmente dessem ampla
difusão entre os fiéis aos numerosos documentos pontifícios sobre o
assunto [166].
Fiz portanto a esses Srs. Bispos uma apóstrofe:
—
Vede, há uma escalada do comunismo. O vosso silêncio favorece essa
escalada. Neutros não podeis ficar [167].
Se há “tempus tacendi”, há também “tempus loquendi”: há
tempos em que convém calar, mas há tempos em que convém falar (Ecle. 3,
7).
Atuem. Nós lho imploramos. Falem, ensinem, lutem. O
anjo protetor de nossa Pátria os espera para os confortar ao longo dos
prélios [168].
* *
*
Eu mandei o nosso livro a todos os “Bispos
silenciosos", e alguns até me responderam favoravelmente. Mas julguei de
especial interesse a carta que Dom José Newton de Almeida [169],
Arcebispo de Brasília me escreveu.
Lembro-me de que, nessa carta, uma das coisas que ele
me dizia era: "Dr. Plinio, seu livro é terrível!"*
* O Prelado
demonstrava na missiva acentuado mal-estar: "Recebi seu livro 'A Igreja
ante a escalada da ameaça comunista', acompanhado de carta, ao mesmo tempo
oferecimento e indisfarçável desafio. É convite para que eu entre de
público numa porfia de imensa gravidade, que deve levar mais bem à oração
e a uma atitude de prudência de absoluta fidelidade aos princípios. Há
calar e calar. Não tenho sido um silencioso em meio à atual agitação de
que resultam fatos por demais dolorosos, como o caso Lefebvre de um lado,
e o de Dom Adriano Hipólito, de outro. O que me preocupa é realmente
calar, a menos que a fala venha a ser melhor que o silêncio".
Em seguida ele
afirma que lhe causou dor, não os fatos que ele já conhecia, mas a
denúncia desses fatos de público, por lançar a dúvida a respeito da
conduta dos Bispos que não combatiam: "Li o livro. Confesso que me
impressionou e me causou dor e tristeza, não porque me trouxesse
novidades, mas pelo mal que está a causar difundido largamente entre uma
maioria que não sabe discernir. Longe de produzir efeito contra o que
combate ─ a gente fica sem saber se o ataque é contra o comunismo, ou
contra a Igreja ─ leva a dúvida, a incerteza, a uma reação lógica dos
contrários, mesmo porque os extremos se tocam".
E, sem levar em
conta o clamoroso da denúncia feita, de um Episcopado inteiro como o do
Chile se empenhar a fundo na manutenção do regime comunista em seu país, e
de uma infiltração comunista no Brasil cujos paroxismos encontrava em Dom
Casaldáliga o seu polo mais radical, comenta: "Ao combater o comunismo
desse jeito cai-se no extremo oposto do liberalismo, e condena-se o que na
intenção se quisera exaltar. Seu livro coloca 'propter intentionem', assim
quero crer, a Igreja, o Papa, os Bispos, no banco dos réus e julga sem
cerimônia".
Dom José Newton foi
assim desenvolvendo o seu pensamento, até aquela afirmação algo patética:
"Dr. Plinio, seu livro é terrível! Contribui para que nossa gente,
nosso bom povo, perca o amor e a confiança na Igreja. O livro
perturba e divide" (carta de outubro de 1976
- cfr. SD 19/10/76).
Dom José Newton representava bem, dentro do
Episcopado, a parte direitista do centro. E neste sentido, a carta dele
tinha certo interesse, pois, além de ele reconhecer a importância do tema
levantado por meu livro, mostrava até que ponto certas áreas silenciosas
ficaram incomodadas com ele [170].
4. Das ruas de São Paulo até às “mesas do Vaticano”
|
Campanha pública de difusão de "A Igreja ante a escalada
da ameaça comunista" |
O livro produziu muito impacto, circulando no país
inteiro [171].
Teve uma difusão realmente esplêndida [172].
Tamanho foi o impacto, que o Sr. Rocco Morabito, correspondente de O
Estado de S. Paulo em Roma, testemunhou que o livro podia ser visto
nas mesas de trabalho do Vaticano* [173].
* Este jornalista
relatou: “Em várias épocas era possível encontrar, em mesas de trabalho
do Vaticano, algumas cópias do livro de Plinio Corrêa de Oliveira — A
Igreja ante a escalada da ameaça comunista —, editado em São Paulo, e que
contém justamente longas citações de escritos e poesias de dom Pedro”
(O Estado de S. Paulo, 8/4/77).
Do livro,
escoaram-se quatro edições, num total de 51 mil exemplares, vendidos em
1700 cidades de 24 Unidades da Federação.
Não tenho dúvida nenhuma de que o livro se tornou um
espinho atravessado na garganta da esquerda* [174].
* A contraprova
disso foi a particular repercussão provocada nos meios eclesiásticos, a
ponto de dar ocasião a vários comunicados de protesto (não de refutação,
note-se bem).
O primeiro deles
(de 29/7/76) foi do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, junto com seus oito
Bispos Auxiliares. O Osservatore Romano, edição em português,
reproduziu esse comunicado.
O segundo vinha
assinado por todos os demais Bispos da Província Eclesiástica de São
Paulo (de 30/9/76).
Análogos
pronunciamentos foram os de Dom Ivo Lorscheiter, Bispo de Santa Maria (em
11/8/76), em nome próprio. Depois como secretário geral da CNBB (em
13/8/76).
Aquelas autoridades
eclesiásticas não apresentaram qualquer refutação, nem no terreno dos
fatos nem no da doutrina.
Limitavam-se a
manifestar seu desacordo em termos vagos, não raras vezes amargurados. O
que contrastava com o relacionamento descontraído e "ecumênico" por elas
entabulado com as mais variadas seitas religiosas e correntes
sócio-econômicas (cfr.
A TFP, perseguidora de Prelados católicos?,
Catolicismo n° 338, fevereiro de 1979).
- Toda esta controvérsia pode ser
consultada em Catolicismo n° 309, setembro de 1976, e no site
www.pliniocorreadeoliveira.info.
* *
*
Em Recife, segundo foi noticiado pela imprensa
diária, a Cúria Metropolitana publicou no Boletim Arquidiocesano uma nota
sobre a campanha que a TFP então fazia em vias públicas daquela capital.
Em síntese, a nota acusava a TFP ou sua campanha:
1) De estar assumindo “atitude contestadora da
atual renovação da Igreja”;
2) De haverem sido as “posições e atitudes” da
TFP “suficientemente desautorizadas pela CNBB”, bem como “reprovadas e condenadas por bom número de membros do Episcopado
brasileiro, como aconteceu, recentemente, em pronunciamento do Episcopado
paulista”;
3) De falar a TFP “em nome da Igreja” sem ter
direito para tal [175].
Em vista dessas acusações, ditei um comunicado
redargüindo a nota da Cúria de Recife*.
* Este comunicado
foi publicado no Diário de Pernambuco e no Jornal do Commércio,
ambos de Recife, no dia 17/8/76. Transcrevemos aqui seus principais
tópicos:
|
Manifesto
publicado no "Diário de Pernambuco" de 17 de agosto de 1976 [clique
na foto para vê-lo inteiro] |
“A nota da Cúria
Metropolitana de Recife, vazada aliás em lamentável português, é
absolutamente esquiva quanto ao ponto essencial da matéria por ela
tratada. [Pois] esquiva-se cautelosamente de emitir qualquer juízo
sobre o livro, e faz apenas ataques vagos à campanha. Essa omissão tira à
nota qualquer seriedade. E confere à TFP o direito de pedir à Cúria
Metropolitana que declare, do modo mais explícito, se no livro encontra
algo de reprovável. Caso encontre, por que não o diz? Caso não encontre,
por que ataca a campanha?
“Muito
especialmente, esta Sociedade pergunta à Cúria Metropolitana se considera
conforme ao ensinamento da Igreja e à ‘atual renovação’ desta, a doutrina
contida tanto no livro ‘Yo creo en la justicia y en la esperanza!’, quanto
nas poesias do Bispo Dom Pedro Casaldáliga, qualificada de subversiva no
livro difundido pela TFP.
“A mesma
pergunta faz a TFP com relação ao documento da Regional Sul II da CNBB [...], documento esse igualmente qualificado de subversivo por aquele
livro.
“Quanto a
atitudes da CNBB desautorando a TFP, queira a Cúria Metropolitana declarar
quais foram e quando ocorreram. A TFP dirá em seguida o que tem a informar
sobre o assunto.
“Sobre o
‘pronunciamento do Episcopado paulista’, [...] versou este sobre o
mesmo livro ora difundido no Recife pela TFP. Em resposta, esta Sociedade
perguntou pela imprensa ao Emmo. Cardeal-Arcebispo e aos Srs.
Bispos-Auxiliares paulistanos se consideram irrepreensíveis do ponto de
vista da doutrina católica as poesias e as reflexões de Dom Pedro
Casaldáliga [e] os textos do pronunciamento da Regional Sul II da
CNBB, citados no mesmo livro.
“As incômodas
perguntas [...] ficaram sem resposta. Sabia disto a Cúria
Metropolitana de Olinda e Recife? Se o sabia, por que não o mencionou em
seu comunicado? Se não o sabia, aqui está a informação. Faça a Cúria
Metropolitana uso dela, explicando ao público recifense por que motivo
ficaram em silêncio os Prelado paulistanos.
“‘Falar em nome
da Igreja’ é falar como autoridade investida por Nosso Senhor Jesus Cristo
ou pelo Direito Canônico, dos poderes necessários para tal. Queira a Cúria
Metropolitana informar em que página do mencionado livro a TFP se arroga
indebitamente de assim proceder. Se nada encontrar no livro que justifique
tal acusação, queira a Cúria Metropolitana retratá-la, cumprindo assim um
elementar dever de justiça.
“A TFP se
permite dirigir, por cima da Cúria Metropolitana, essas reflexões e
perguntas ao Sr. Arcebispo Dom Helder Câmara. Com efeito, o envolvimento
do Prelado em problemas como os tratados em nosso livro tem sido tão
freqüente, que a própria temática deste comunicado está a pedir um
pronunciamento pessoal dele.
“A TFP redigiu o
presente texto, inspirada pelo preceito do Evangelho: ‘Seja a vossa
linguagem: sim, sim; não, não’ (S. Mateus 5, 37). E não pede em resposta
senão a clareza do sim e do não”.
1. Relatório de Dom Sigaud à Nunciatura: grande estardalhaço
Entre fevereiro e maio de 1977, Dom Geraldo Sigaud,
Arcebispo de Diamantina, e Dom José Pedro Costa, então Arcebispo-Coadjutor
de Uberaba, denunciaram a expansão do comunismo entre os católicos
brasileiros.
Burburinho! [176]
Convivi com Dom Sigaud longos anos, em tempos que
ainda não iam tão longe. E tive ocasião de lhe apreciar de perto a
inteligência e a cultura. Isto era o bastante para aquilatar quanto ele
terá posto de força concludente, quer na seleção dos documentos que
apresentou à Nunciatura Apostólica, quer na argumentação em que se terá
esteado [177].
Um cotidiano dos de maior circulação no
País, o Jornal do Brasil, publicou três páginas inteiras do
relatório (em São Paulo, transcrito de ponta a ponta por O Estado de S.
Paulo) em que Dom Sigaud argumentava em apoio da acusação de
comunistas que dirigiu aos Bispos de São Félix do Araguaia e Goiás Velho
[178].
Pena é que em São Paulo não tenha tido igual
divulgação o texto lúcido e inteligentemente matizado, preciso e
episcopalmente corajoso do Sr. Arcebispo Coadjutor de Uberaba. Qualquer
brasileiro que acompanhasse com olhar e coração católicos a tragédia da
Igreja contemporânea no Brasil só podia sentir admiração e reconhecimento
pela intervenção franca e oportuna de S. Excia. [179].
A Santa Sé instaurou então um inquérito do qual
incumbiu Dom José Freire Falcão, Arcebispo de Teresina. O inquérito, ao
que parece, morreu no silêncio [180].
2. Desconcerto da CNBB
Outra entretanto foi a reação da CNBB.
Toda a atmosfera emanada do organismo episcopal a
propósito da valente atitude de Dom Sigaud fazia sentir uma surpresa que
tocava às raias do desconcerto. "Como, então há Bispos comunistas? E
como um Bispo ousa dizer isto de dois colegas?" Era o que me parecia
sentir em todas as declarações da CNBB [181].
O Cardeal Dom Vicente Scherer, Arcebispo de Porto
Alegre, e Dom Afonso Niehues, Arcebispo de Florianópolis, por exemplo,
deram como argumento que Dom Casaldáliga e Dom Tomás Balduino não eram
comunistas... porque é inacreditável que um Bispo possa ser comunista
Só isto! Quando qualquer aluno de
Catecismo sabe que, individualmente, um Bispo pode cair em heresia. E,
portanto, pode ser comunista.
Ademais, qualquer homem medianamente
informado sobre a História da Igreja conhece numerosos casos — insisto:
numerosos! — de Bispos que ao longo dos séculos caíram em heresia. Por que
não poderia acontecer o mesmo nos anos 70, a algum Sr. Bispo do Brasil?
Esperavam realmente os dois autores dessas
“refutações” a Dom Sigaud que alguém se deixasse convencer por elas?
Outros Srs. Bispos reagiram de modo
diferente: limitaram-se a dizer que Dom Casaldáliga e Dom Tomás Balduino
não eram comunistas, simplesmente... porque não eram*.
* A lista dos
Prelados que assim reagiram é considerável: Cardeal Dom Aloisio
Lorscheider, Arcebispo de Fortaleza e presidente da CNBB, Dom Ivo
Lorscheiter, Bispo de Santa Maria e secretário geral da CNBB, Dom José
Maria Pires, Arcebispo de João Pessoa, Dom João Batista da Motta e
Albuquerque, Arcebispo de Vitória, Dom José Brandão de Castro, Bispo de
Propriá, Dom Quirino Adolfo Schmitz, Bispo de Teófilo Otoni, Dom Jaime
Luís Coelho, Bispo de Maringá, Dom Frederico Didonet, Bispo de Rio Grande,
Dom Moacir Grechi, Bispo do Acre-Purus, Dom Alano Pena, Bispo Auxiliar de
Marabá, Dom Lelis Lara, Bispo Auxiliar de Itabira.
Dom Aloisio Lorscheider, Dom José Maria Pires e Dom
Frederico Didonet acrescentaram uma pequena variante: os dois Bispos
incriminados não devem ser tidos por comunistas porque eles, Dom Aloisio,
Dom Pires e Dom Didonet, os conhecem pessoalmente e sabem que não o são. O
que Dom Tomás Balduino e Dom Casaldáliga teriam dito em conversas privadas
com Dom Aloisio, Dom Pires e Dom Didonet bastaria, portanto, para derrubar
toda a argumentação séria e até impressionante de Dom Sigaud [182].
* *
*
A respeito da posição doutrinária do Sr. Bispo Dom
Pedro Casaldáliga, o que eu teria que dizer estava dito de sobejo no meu
estudo
A Igreja ante a escalada da ameaça comunista. Fui o primeiro
a dar divulgação em nosso País às rimas do irrequieto Prelado.
Mas Dom Sigaud, ao abordar em várias ocasiões o tema
Dom Casaldáliga-Dom Balduino, omitiu qualquer referência à minha
publicação.
Ponho de lado a idéia de que nisto tenha entrado uma
mesquinharia que em tantos anos de convívio não lhe conheci.
Há de ter tido outras razões. Respeitando-as, não
quis intervir no debate até o extremo limite em que meu silêncio fosse
ficando inexplicável aos olhos de nem sei quantos amigos que me
distinguiam com sua confiança por esse Brasil afora.
Assim premido, e só depois de muito premido, acabei
por falar* [183].
* Dr. Plinio
abordou o tema nos artigos
Desconcerto desconcertante
(Folha de
S. Paulo, 26/4/77) e
Não é, não é, não é
(Folha de S. Paulo,
28/5/77). E também na
entrevista concedida ao
Jornal do Brasil de
8/5/77.
* *
*
Em agosto de 1977, no Correio Braziliense, Dom
Antonio de Castro Mayer propõe a publicação de uma Pastoral coletiva do
Episcopado brasileiro contra o comunismo. A sugestão esbarra em um muro de
silêncio, e rola para o olvido [184].
3. “Mexer com Dom Casaldáliga é mexer com o Papa”
Não era crível que, sem a interferência de Paulo VI,
males como esses pudessem encontrar remédio.
E não se via que ele tivesse o ânimo voltado para
intervir* [185].
* Lembremos mais
uma vez que o Cardeal-Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, ao chegar de
Roma, declarara ter ouvido do próprio Paulo VI que “mexer com Dom Pedro
Casaldáliga seria mexer com o próprio Papa” (cfr.
A Igreja ante a
escalada da ameaça comunista, cit.).
* *
*
De então até esta data, a influência comunista nos
meios católicos não deixou de crescer. Mas foi tomando facetas novas
sumamente preocupantes. Uma dessas facetas era o ideal indigenista
comuno-missionário que despontava. Tratarei mais abaixo do tema.
1. Não se poderia dizer menos nem pior
Na segunda metade da década de 70, uma derradeira
investida divorcista redundou na aprovação do divórcio.
Em 1977, a CNBB entrou no assunto. Entrou de meio
corpo na liça, melhor diríamos [186].
Os pronunciamentos feitos sobre o divórcio pela CNBB como um todo, e por
alguns outros Prelados a título individual, me pareceram de uma pobreza
lastimável. Ou pelo menos foi de uma lastimável pobreza o que sobre eles
publicaram os jornais [187].
Naturalmente, a mentalidade dos católicos era levada
a confiar na iniciativa dos seus Pastores, para enfrentar as crises
religiosas. E essa iniciativa se mostrou exígua em inteligência, em know-how e plena vontade de vencer.
Através de tais porta-vozes
- falo descontando as honrosas
exceções de estilo - a voz do
Brasil antidivorcista ecoou no recinto do Congresso pouco persuasiva,
pouco empenhada.
O know-how mandaria que, nessa emergência, o
Episcopado nacional publicasse, logo quando dos primeiríssimos rumores de
perigo divorcista, uma grande Pastoral coletiva, assinada pela totalidade
dos Srs. Cardeais, Arcebispos e Bispos do Brasil.
Uma grande Pastoral não é necessariamente uma
Pastoral grande. Com concisão, o Episcopado poderia ter dado aos fiéis,
nessa ocasião, uma síntese inteligente da doutrina católica contra o
divórcio. Argumentação fartamente baseada na Escritura, na Tradição, no
Magistério da Igreja. Linguagem simples, direta, viva. Exposição franca do
pecado que comete quem vota a favor de candidatos divorcistas, ou de quem,
sendo legislador, vota a favor do divórcio. Do pecado, também, cometido
pelos casados que intitulam de "novo casamento" a união adulterina
constituída sobre as ruínas do lar autêntico. As penas canônicas. O juízo
particular e o juízo público post-mortem.
Esta Pastoral deveria ser lida em partes, por ocasião
de todas as Missas em todas as igrejas, capelas, oratórios do Brasil. E
seguida da comunicação de que, em consciência, no pleito, nenhum católico
poderia votar em qualquer dos congressistas que se pronunciassem
pró-divórcio. A lista destes seria lida de público em todas as Missas,
logo depois da votação pró ou contra o divórcio, e repetida várias vezes
da mesma maneira ao longo da seguinte campanha eleitoral.
Soando assim na Casa de Deus todas as tubas sagradas
do alarme, o povo católico seria ademais convidado a inundar o Congresso
de mensagens pedindo a rejeição da reforma constitucional divorcista.
Poder-se-ia alegar que seria difícil redigir com
urgência a Pastoral que imagino.
Mas o caso é que essa Pastoral já existia há dois
anos. E circulou com brilhante êxito quando da batalha pró e contra o
divórcio em 1975.
Foi ela a chave que trancou as portas do Brasil ao
divórcio naquela ocasião. Dom Antonio de Castro Mayer publicou-a sob o
titulo Pelo casamento indissolúvel, com 64 páginas. A TFP vendeu-a
em todo o Brasil, alcançando a tiragem de cem mil exemplares.
Este incomparável instrumento de defesa, de já
testada popularidade, o Episcopado poderia tê-lo endossado por simples
decreto coletivo.
Muito mais modestamente, um claro e corajoso
comunicado da CNBB já poderia ter surtido pleno efeito. Teria sido um
tiro. E vitorioso.
Ora, desse texto, o que fez a CNBB? O que fez o
Episcopado? Deixaram-no mofar na gaveta. E seguiram outras vias.
O Brasil tinha ao todo 267 Bispos. Destes, apenas 104
se pronunciaram contra o divórcio.
De outra parte, a quase totalidade dos que falaram
- e alguns falaram muitas vezes
- pouco disseram.
Em lugar de substanciosas e retumbantes Pastorais
doutrinárias, deixaram cair sobre o público o chuvisco ralo e desconexo de
meras entrevistas de imprensa ou breves comunicados, repetindo com uma
desconcertante pobreza de argumentos que eram contra o divórcio [188].
Já a Assembléia da CNBB em Itaici, de fevereiro de
1977, se referiu de modo sumário e incolor a uma nota publicada em 1975,
algum tanto mais dinâmica. De sorte que, para receber os salutares
eflúvios desse dinamismo, o leitor de 1977 teria que ir buscar nos jornais
de 1975 o que disse a CNBB...
Na nota não aparecia uma só citação do Antigo nem do
Novo Testamento. Nem de Padres ou doutores da Igreja, nem de Papas ou de
santos. Apenas a de "um dos nossos grandes jornais", que censurou a
"pressa indecorosa" de setores do Congresso Nacional no sentido de
fazer andar o divórcio.
Com a devida vênia, digo que sobre o assunto não se
poderia dizer menos nem pior.
2. A CNBB não quis seguir a sugestão de Dom Mayer
Alta expressão da tendência diversa foi o Sr. Bispo
de Campos, Dom Antonio de Castro Mayer.
No dia 28 de abril de 1977, este Prelado enviou um
telegrama ao presidente da CNBB com sugestões sobre o projeto de divórcio
em curso na Câmara.
Um confronto entre as aspirações do Prelado de Campos
e o pronunciamento da CNBB mostra bem quanto divergiam as vias e as
cogitações.
Transcrevo da Folha da Tarde de 30 de abril
daquele ano o telegrama de Dom Mayer à CNBB. O telegrama cujos sábios
conselhos o alto órgão episcopal deixou de lado, para fazer precisamente o
contrário.
"Sendo os ilustres componentes do Senado e da Câmara Federal cônscios de
que pela natureza de seu mandato, devem exprimir no Poder Legislativo os
desejos e aspirações do eleitorado, estou persuadido de que não aprovarão
o divórcio caso sintam que a maioria do povo brasileiro não o deseja.
"A
repulsa dessa notória maioria se avivará e se tornará patente caso o órgão
supremo da CNBB publique largamente, e com toda a urgência, um documento
mostrando que a aprovação do divórcio viola gravemente a Lei de Deus,
perturba a ordem natural, prejudica a fundo a moralidade pública e
privada, abala a família e arruína a nação.
"Exprimo, portanto, a V. Emcia, meu desejo seja tal pronunciamento
publicado pela CNBB em comunicado especial, consagrado só a essa matéria e
desvinculado de considerações sobre quaisquer outros temas."
Se a CNBB tivesse atendido ao pedido, teria sido para
ela um dia de glória, e para o divorcismo um dia de derrota na longa
batalha.
Mas a CNBB não quis...* [189]
* Anos depois, o
Cardeal Eugênio Sales, então Arcebispo do Rio de Janeiro, viria a
reconhecer publicamente que o divórcio passou porque a CNBB não lutou para
impedi-lo. Disse o Purpurado: "Se a Igreja no Brasil tivesse
lutado como o cardeal Motta, o divórcio não teria sido aprovado" (O
Globo, 21/9/82).
3. Aprovado de modo sorrateiro, o divórcio abriu caminho para o amor
livre no Brasil
O andamento do projeto de divórcio se processou, em
quase todas as suas fases, numa quietude que fazia esperar a derrota dele [190].
Em comunicado da TFP publicado em seção livre da
Folha, bem como na imprensa diária de todo o Brasil, eu exortava os
Srs. congressistas favoráveis ao divórcio a evitarem para o nosso País o
trauma de uma tão grande transformação* [191].
* Esse comunicado
tomou o título de
Na iminência das votações divorcistas, e foi
publicado na Folha de S. Paulo do dia 14 de junho de 1977, e depois
na imprensa diária de todo o País. Nele Dr. Plinio, falando em nome do
Conselho Nacional da TFP, alertava os antidivorcistas para algum
imprevisto que pudesse saltar para dentro da liça e dar vitória ao
divórcio.
Recebi de alguns parlamentares antidivorcistas
pronunciamentos substanciosos. É possível que o senador Nelson Carneiro e
outros divorcistas tenham feito pronunciamentos igualmente substanciosos.
Mas o que deles li nos jornais também era pobre [192].
O quorum parlamentar era de sóbrias proporções à
vista das férias de meio do ano que se aproximavam. Parecia provável que,
por falta de número, o projeto caísse.
Mas subitamente, e quase à ultima hora, afluíram dos
quatro pontos cardeais congressistas inesperados. Os divorcistas em
maioria. E a certeza que muitos tinham, de que o divórcio não passaria, se
transformou numa cruel desilusão [193].
O resultado: num delírio de entusiasmo de galerias
artificialmente superlotadas, o Legislativo aprovou o divórcio, enquanto a
Nação continuava a cochilar junto ao quitute quente e envenenado que o
Congresso lhe servira [194].
Desta forma, a gloriosa conquista da
indissolubilidade na Constituição de 1934 rolava por terra, como um anel
que se solta de um dedo que definhou. No lugar do anel, abriu-se uma
chaga. Foi o divórcio [195].
A partir da abolição da indissolubilidade do
casamento, o matrimônio pôs-se a deslizar processivamente rumo ao amor
livre no Brasil.
1. Campanha contra os santos e missionários que catequizaram o Brasil
Eu vinha notando, em livros didáticos brasileiros,
uma tendência a "reescrever" a História do Brasil, reinterpretando-a no
sentido de criticar a obra colonizadora portuguesa, bem como a influência
civilizadora dos Missionários [196].
Tais ideologias vinham se manifestando há anos, por
exemplo, nas poesias e escritos de Dom Pedro Casaldáliga, nos quais ele
renegava a obra evangelizadora de santos e missionários. Não lhe escapava
nem o Bem-aventurado José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil [197].
Pior do que isso: certos teólogos da libertação
chegaram a sustentar não só que foi um mal substituir as religiões
indígenas pela católica, mas que os missionários deveriam ter-se deixado
"catequizar" pelo paganismo ameríndio, o qual teria uma visão mais
autêntica de certos aspectos da divindade e das relações do homem com o
cosmos... Vão nesse sentido, as declarações do antigo frade franciscano
Leonardo Boff, feitas para quem quiser ler (cfr. Jornal do Brasil,
Caderno Idéias e Ensaios, 6/10/91).
Alegações de tal gênero, as quais até há pouco teriam
parecido um delírio, iam tomando tal vulto na Europa que, na cidade de
Puerto Real — o porto dos Reis Católicos, perto de Cádiz (Espanha) —, a
prefeitura decidiu construir um monumento (esculpido pelo amigo de Fidel
Castro, o artista equatoriano Guayasamín) de desagravo às "vítimas" do
Descobrimento, e de desdouro a Isabel a Católica, a grande rainha que
apoiou a expedição de Cristóvão Colombo. Monumento este que não foi
executado devido a uma sadia reação da opinião pública espanhola,
decorrente, em larga medida, da vigorosa campanha de repúdio promovida por
"TFP-Covadonga".
2. Visão romântica da sociedade “comunista” dos índios primitivos
Tendo as coisas chegado a esse ponto, já em 1977,
quando tal movimento estava no início, denunciei as mencionadas ideologias
no livro
Tribalismo indígena
― ideal comuno-missionário para o Brasil no
século XXI.
Nessa obra, solidamente documentada, havia uma
previsão do que, precisamente, está acontecendo hoje [198].
Ensina a Igreja que a via normal para o homem se
salvar consiste em ser batizado, crer e professar a doutrina e a lei de
Jesus Cristo. Trazer os homens para a Igreja é, pois, abrir-lhes as portas
do Céu. É salvá-los. É este o fim da Missão.
Ser missionário, no Brasil, é principalmente levar o
Evangelho aos índios. É levar-lhes também os meios sobrenaturais para que,
pela prática dos dez Mandamentos da Lei de Deus, alcancem seu fim celeste.
É persuadi-los de que se libertem das superstições e dos costumes
bárbaros que os escravizam em sua milenar e infeliz estagnação.
Em conseqüência, é civilizá-los.
O que pensavam os missionários “atualizados”?
— Catequizar? Semear o Evangelho? Para quê? —
perguntava-se a si mesma a missiologia aggiornata. O Evangelho é
o antiegoísmo. E já impregnava tão completamente a esfera tribal, que não
era necessário anunciá-lo às coletividades indígenas.
O índio, em suma, seria muito mais um modelo para
nós, do que o somos nós para ele.
Razão? — As analogias entre a vida em tribo e a vida
da sonhada sociedade comunista: a comunidade de bens da tribo, a ausência
completa de lucro, de capital, de salários, de patrões, de empregados e de
instituições de qualquer espécie. Só a tribo, a absorver todas as
liberdades individuais desse pequeno grupo humano não fruitivo, por isso
mesmo fracamente produtivo, nem um pouco competitivo, e no qual os homens
vivem satisfeitos e sem problemas, porque se despojaram de seu “eu”, de
seu “egoísmo”.
A comunidade sexual seria um corolário da comunidade
de bens [199].
Não cabia entretanto a menor dúvida. Era bem uma
sociedade de tipo comunista que transparecia nessa visão idílica do índio
selvático, apresentada pela neomissiologia como ideal para o homem do
século XXI [200].
|
Missiologia tradicional: recreio
dos índios no colégio em
Iauaretê
(Amazonas); cartão-postal que retrata crianças tukanas no
recreio do internato de Missão Salesiana, anos 30. |
3. Inspirados no estruturalismo de Lévi- Strauss
Nossos índios podiam ser qualificados de comunistas?
A pergunta só podia despertar o sorriso.
Do comunista, o índio nada tem. Nem a doutrina, nem a
mentalidade, nem os desígnios.
O estado em que ele se encontra apresenta apenas
traços de analogia com o regime comunista. Por um desses jogos de
coincidências que aparecem, freqüentes quando se faz a comparação entre os
estágios primitivos e os de decadência. Entre a infância e a velhice, por
exemplo.
Não é porque seja doutrinariamente contrário à
propriedade privada que o primitivo tem (ou quase só tem) a propriedade
comum.
Pela mesma razão por que o homem da era da pedra
lascada, se não usava a pedra polida, não era de modo algum porque
pensasse que não a devia usar. Mas simplesmente porque não a tinha
inventado.
Nessa perspectiva, o índio não podia ser equiparado
ao “civilizado”, que conhece a propriedade privada, a família monogâmica e
indissolúvel, e tudo quanto dessas fecundas instituições nasceu e
floresceu, mas tem aversão a esses troncos e a seus frutos. Este
“civilizado” lhes quer pôr o machado na raiz.
Em suma, uma nação indígena podia ser comparada a uma
planta que não cresceu, mas ainda poderia crescer. O adversário da família
e da propriedade, nostálgico do comunitarismo ou do comunismo tribal, era
um demolidor...
* *
*
|
Na Selva: Lévi-Strauss em uma de suas
expedições à Amazônia, em 1936 |
Na realidade, porém, uma questão muito maior emergia
por detrás do que se poderia chamar a questão neomissionária.
O pensamento que os missionários brasileiros (e os
estrangeiros que aqui atuavam) tinham pronunciadas afinidades, pelo menos
em suas linhas gerais, com uma corrente de pensamento de profundas
repercussões no campo sócio-econômico, como é o estruturalismo [201]
— com o celebérrimo Lévi-Strauss à frente [202].
Para Lévi-Strauss, a sociedade indígena, por ter “resistido
à História” e haver fixado a forma de viver do período pré-neolítico,
era a que mais se aproximava do ideal humano. E era para esse tipo de
sociedade que devíamos retornar.
4. Como foi possível introduzir-se essa filosofia na Igreja?
Muitos missionários, vários deles ainda jovens,
penetravam nas selvas do Brasil imbuídos, em grau maior ou menor, de
progressismo e esquerdismo difusos.
Não espantava, pois, que — sob a influência de tais
tendências e opiniões — esses missionários tivessem formado uma noção
absolutamente surpreendente acerca das condições de vida dos indígenas,
marcada entre outros traços pela crueldade, pelo mais elementar
primitivismo, pela mais melancólica estagnação: o índio lhes parecia um
sábio, sua organização tribal uma obra-prima de sabedoria antropológica,
em suma, o modelo a ser seguido pelos civilizados de nosso mundo.
O maior problema suscitado por esses delírios não
estava nos próprios missionários, nem nos índios.
Estava em saber como, na Santa Igreja Católica, pôde
esgueirar-se impunemente essa filosofia, intoxicando seminários,
deformando missionários, desnaturando missões. E tudo com tão forte apoio
eclesiástico de retaguarda.
Bastaria que tal câncer se manifestasse no setor
missionário da Igreja para justificar ou até impor outra pergunta: não
seria esse câncer mera metástase de outro tumor localizado em pontos mais
decisivos, dentro dos organismos não missionários da Santa Igreja? [203]
Estas eram perguntas que ficavam no ar, sem
resposta*.
* Este livro sobre
o tribalismo foi um sucesso de venda. Publicado em primeira mão em Catolicismo n° 323/324, de novembro-dezembro de 1977, dele foram
tiradas 9 edições, o que dá um total de 82 mil exemplares. Em janeiro de
1978, sócios e cooperadores da TFP saíram em caravanas de propaganda do
livro, tendo percorrido, para essa divulgação, 2.963 cidades em todos os
quadrantes do Brasil.
Nas duas últimas
edições, de 2008, comemorativas do 30° aniversário de seu lançamento, foi
acrescentada uma segunda parte, na qual os jornalistas Nelson Ramos
Barretto e Paulo Henrique Chaves contam o que viram em Roraima, na reserva
Raposa-Serra do Sol e o que pesquisaram em Mato Grosso e em Santa
Catarina. Transcrevem eles importantes entrevistas com várias
personalidades e confirmam em tudo as teses do Professor Plinio Corrêa de
Oliveira.
Tribalismo Indígena — Ideal Comuno-Missionário para o Brasil no
Século XXI foi
ainda proclamado como "profético" pelo Ministro do Supremo Tribunal
Federal Marco Aurélio de Mello, em sua declaração de voto durante o
julgamento da polêmica demarcação das terras indígenas da reserva
Raposa-Serra do Sol em Roraima. Afirmou ele:
“Também vale
registrar que, em 1987, o professor Plinio Corrêa de Oliveira, autor de
‘Tribalismo Indígena — Ideal Comuno-Missionário para o Brasil no Século
XXI’, diante dos trabalhos de elaboração da Carta de 1988, advertiu: ‘O
Projeto de Constituição, a adotar-se em uma concepção tão hipertrofiada
dos direitos dos índios, abre caminho a que se venha a reconhecer aos
vários agrupamentos indígenas uma como que soberania diminutae rationis.
Uma autodeterminação, segundo a expressão consagrada (Projeto de
Constituição angustia o País, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1987,
p. 182; e p. 119 da obra citada). “Proféticas palavras tendo em conta,
até mesmo, o fato de o Brasil, em setembro de 2007, haver concorrido, no
âmbito da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, para a
aprovação da Declaração Universal dos Direitos dos Indígenas” (cfr.
Catolicismo n° 700, abril de 2009).
1. A política de mão única de Carter: “direitos humanos” só a favor da
esquerda
Quando Carter subiu à presidência dos Estados Unidos,
em 1977, ele procurou realizar no mundo uma espécie de Santa Aliança que
julgasse da legitimidade de todos os governos contemporâneos.
Seria legítimo o governo que respeitasse os direitos
humanos; e ilegítimo o governo que não os respeitasse.
Quando não respeitasse, mereceria ser deposto; quando
respeitasse, mereceria ser mantido.
Era uma questão de legitimidade que estava em cena,
de uma legitimidade democrática [204].
Como o esquerdismo era o grande beneficiário da onda
mundial "carteriana" pró-subversivos e terroristas, era perfeitamente
banal que toda a esquerda fosse simpática a ela* [205].
* Em artigo que
escreveu para a Folha, Dr. Plinio fazia notar que, a certo gênero
de esquerdistas só lhes interessavam os “direitos humanos” dos que
lutavam pela subversão, pelo comunismo, pelo caos. Quanto aos das vítimas
dessas três formas ou graus de revolução, eram frios, para não dizer
hostis (cfr.
Psico-tornassóis para o leitor usar, Folha de S. Paulo,
28/2/78).
A política em extremo
concessiva do presidente Carter em relação à Rússia e satélites devia ser
qualificada de esquerdismo [206].
Ele ia favorecendo todos os inimigos da América do
Norte, por exemplo iniciando uma “abertura” superconcessiva em
direção a Cuba [207].
Mas nada fez para desmanchar a ditadura do extremismo cubano, que era, de
longe, a mais terrível até então conhecida nas três Américas [208].
Carter ocupava o tempo em pressionar, inspirado por
não sei que propagandas [209],
todas as nações ibero-americanas do Continente, no sentido de respeitarem
integralmente os “direitos humanos”, dos quais ele se arvorara em
campeão mundial [210].
E em torno de sua pressão, se fez uma pressão
publicitária imensa [211].
Bem entendido, os beneficiários diretos de sua ação
eram os comunistas, ou suspeitos de tal, processados ou condenados nessas
várias nações.
Deitando os olhos naquela ocasião sobre a
Ibero-América, o Sr. Carter tinha em mente os direitos humanos que, como
todo ser racional, também os comunistas e congêneres sem dúvida têm. E que
tinham principalmente aqueles que, em uma ou outra nação, fossem
suspeitados sem fundamento.
Mas o Sr. Carter não deveria perder de vista que, na
sua maciça maioria, esses comunistas eram agressores da soberania das
nações ibero-americanas, tenazmente atacadas, nas décadas anteriores, pela
guerra psicológica revolucionária e pelos cometimentos cruentos de Moscou [212].
Que "direitos humanos" eram esses, então?
Afinal, o que é ser homem? É só ser esquerdista? E é por isso que só os
esquerdistas têm “direitos humanos”? [213]
Quando tanto furor pró “direitos humanos”
investia sobre governos anticomunistas, e tanto silêncio se fazia sobre
governos comunistas, patenteava-se um favorecimento do comunismo.
Neste caso, era realmente só em favor dos “direitos humanos” que este furor soprava? [214]
2. Manifesto da TFP norte-americana
Sobre isto, tive ocasião de conversar com os
diretores da TFP norte-americana e repassar a eles algumas notas a
respeito dessas manobras de Carter.
Nessas notas eu comentava que Carter se colocava, com
sua postura, mais ou menos como um pontífice de uma moral nova (quem fala
em direitos humanos fala numa moral) e se arvorava em intérprete dessa
moral internacional.
Ele é que sabia qual era a extensão dos “direitos
humanos”. Ele é que conhecia o catálogo completo desses direitos. Ele
é que devia decretar a deposição ou a manutenção dos governos em função
desses direitos, como Presidente dos Estados Unidos.
Era portanto uma espécie de onipotência que ele
exercia sob o pretexto de democracia.
E nesse auge de realização de forma democrática,
encontrávamos então uma espécie de autocracia eletiva. Enquanto ele
estivesse no cargo, muito mais do que o presidente de uma superpotência,
ele seria o legislador de uma certa moral e o juiz que verifica a infração
e decreta a pena.
Nós ficávamos portanto em presença do oposto dos
próprios princípios dos direitos humanos, segundo os quais cada nação é
soberana etc. etc. Era um raciocínio que a mim me parecia irretorquível.
* *
*
Mandei isso à TFP norte-americana, que redigiu um
documento cujo título diz tudo: “Direitos humanos na América Latina — o utopismo democrático de Carter favorece a expansão comunista”
[N.Site: em português podem ser lidos resumos e/ou
adaptações desse manifesto
aqui e
aqui].
O estudo da TFP norte-americana observava que a
administração Carter se outorgara o direito de definir, dogmaticamente,
como se fosse uma espécie de Vaticano infalível e com validade absoluta
para todos os povos, grande número de pontos controvertidos, determinando
a natureza das liberdades civis que todas as nações deviam aceitar”.
Aconselhei-os a que entregassem tal estudo aos
membros de ambas as Casas do Congresso norte-americano, como também ao
Departamento de Estado e a personalidades influentes da vida pública dos
Estados Unidos.
* *
*
No escritório de Direitos Humanos que funciona no
Departamento de Estado, o manifesto foi entregue pessoalmente. Era o
nitrato de prata posto no ponto dolorido.
No ato da entrega, o chefe do escritório recebeu o
documento displicentemente, sem maior interesse.
Quando leu as primeiras linhas, mudou de atitude.
Gritou para um funcionário e disse:
"Fulano, venha ver isto aqui".
E pediu a esse funcionário para tirar três cópias, sendo uma para ele.
Perguntou em seguida o que era a TFP e tomou notas.
Ou seja, de tal maneira percebeu que esse era o ponto
dolorido, que ao ler as folhas acendeu os holofotes.
Foi portanto um serviço insigne da TFP
norte-americana.
A partir de maio de 1977, nós, aqui no Brasil, e as
demais TFPs do continente americano fizemos evidentemente larga divulgação
desse documento* [215].
* Chancelarias
latino-americanas, que se encontravam pressionadas por Carter, começaram a
lhe opor vários dos argumentos contidos no estudo da TFP norte-americana.
O que deixou em má postura a tal política caolha de “direitos humanos”
do presidente norte-americano.
3. Surpreendente intervenção de Paulo VI
Nesse contexto, ocorreu no dia 4 de julho de 1977 a
audiência para a entrega das credenciais do embaixador brasileiro, Sr.
Expedito de Freitas Resende, a Paulo VI, no decurso da qual o Pontífice
respondeu às palavras de saudação do diplomata mediante uma muito
comentada alocução.
No dia 5, a imprensa brasileira publicava o texto de
Paulo VI, e as primeiras repercussões à alocução de S.S. começaram a se
esboçar com respeitosa e prudente lentidão em nosso ambiente*.
* A alocução do
Pontífice causou mal-estar em largos setores da opinião nacional. A edição
de 5 de julho do jornal O Estado de S. Paulo publicava a notícia na
primeira página. O texto dizia: “O Papa Paulo VI [...] advertiu
veladamente o governo brasileiro contra arbitrariedades ou violações dos
direitos humanos ocorridas no País. [...] Paulo VI lembrou que
‘a busca da eficácia (na condução da política econômica) e a
preocupação de garantir a necessária ordem pública’ não devem criar ‘situações arbitrárias ou a violação dos direitos imprescritíveis da
pessoa humana’.
“Em Brasília, a
advertência de Paulo VI foi recebida com estranheza. [...] O
governo não imaginava que o Papa Paulo VI tomaria a decisão de dar início,
em nome da Igreja, a essa nova fase da polêmica com o regime brasileiro”.
[...]
“As informações
oficiais são de que [...] a reação mínima, no entanto, seria
considerar ‘inoportunos e incabíveis’ os comentários de Paulo VI sobre o
problema dos direitos humanos no Brasil”.
Entretanto, o diário romano L’Unità, órgão do
Partido Comunista Italiano - que
evidentemente não tem respeitosas lentidões a não ser no tocante a Moscou
- já no dia 6 publicava uma
notícia-comentário sobre as palavras do Pontífice. Muito sintomático é que
elas foram de franco aplauso...
Resumo quanto possível a notícia-comentário, dando
maior extensão à interpretação das palavras de Paulo VI.
O órgão comunista começava por pintar a seu modo a
situação do Brasil. As "dificuldades no terreno político e econômico"
se multiplicavam. A inflação galopava sem cessar. Diante dos
descontentamentos, o governo reage pelo "método duro". A perspectiva da
sucessão presidencial agrava o panorama.
O governo, temeroso ante a oposição, cassa o deputado
Alencar Furtado. O diálogo entre o MDB, "único partido de oposição
admitido por lei" e a ARENA está paralisado.
Esse panorama brasileiro descrito por L’Unità
tinha não pouco de unilateral, simplista e tendencioso. Marcava-o
sobretudo certo geometrismo de espírito, muito explicável em comunistas
hiper-teóricos, e em estrangeiros que não conheciam o Brasil, nem nosso
famoso "jeitinho".
Depois de enunciado o quadro crítico, capciosamente
apresentado como dramático, L’Unità afirmava, esfregando as mãos de
contente: "Numa situação atravessada por tantos motivos de tensão, as
palavras pronunciadas por Paulo VI [...] se tornaram facilmente um
elemento do debate interno nos ambientes da ditadura e entre aqueles que
se opõem a ela".
Neste ponto, L’Unità viu claro. As palavras do
Pontífice eram de molde a só aumentar as tensões existentes entre nós.
Se elas tivessem sido pronunciadas por um Pio XII ou
um Pio XI, talvez lograssem até -
sem que o "jeitinho" o pudesse então impedir
- pôr o Brasil em convulsão.
L’Unità prosseguia citando como exemplo da
força tensiva da alocução de Paulo VI o seguinte tópico: "A busca da
eficiência e a preocupação de garantir a necessária ordem pública não
devem criar situações de arbítrio ou de violação dos direitos
imprescritíveis da pessoa humana".
Como poderia não ser criadora de tensão, num país
católico e por isso mesmo sensível a toda palavra procedente da Cátedra de
Pedro, tal chamada à ordem, dirigida ao nosso governo na pessoa de seu
embaixador? Se a Santa Sé possuía provas de violação dos chamados "direitos humanos" (direitos naturais do homem como criatura de Deus,
e direitos do cristão, diriam Pio XII, Pio XI e todos os seus
antecessores, evitando qualquer concessão ao linguajar laico), como seria
santo e adequado que as fizesse chegar confidencialmente a nosso governo.
Se este não desse atenção a essas provas, a Santa Sé
então as pusesse em mãos do Episcopado brasileiro, para que este, por sua
vez, as fizesse valer junto ao governo, e se necessário junto à opinião
pública. Nada mais justo.
Se, por fim, nenhuma dessas medidas surtisse efeito,
e a Santa Sé se visse reduzida a um grande protesto público, que o
fizesse.
Mas — sempre postas as provas indispensáveis — esse
protesto só poderia ser aceito como um nobre, imparcial e paterno gesto de
solicitude pastoral, se antes o Pontífice condenasse com ênfase
proporcionalmente muito maior as inomináveis atrocidades cometidas por
outros governos, especificamente os governos comunistas [216].
Destas atrocidades eram exemplos as repressões
exercidas naqueles dias contra os dissidentes russos. Bem como a chacina
que o governo comunista da Etiópia cometera matando trinta mil
oposicionistas* [217].
* Dessa chacina, o
jornal O Estado de S. Paulo informava, no mesmo dia (5/7/77) em que
noticiou a alocução de Paulo VI ao embaixador brasileiro: “Cerca de 30
mil civis — na maioria estudantes, professores e camponeses, contrários à
orientação marxista do novo governo — foram mortos na Etiópia desde a
tomado do poder pelos militares”. A Anistia Internacional dava um
detalhe lúgubre: os corpos de mil estudantes massacrados em Adis Abeba
haviam sido abandonados pelo governo comunista nas calçadas da cidade e
serviam de pasto às hienas.
Sobre isto Paulo VI
não havia dito uma palavra: nem contra a repressão dos dissidentes russos
nem contra o massacre na Etiópia.
Como as mais clamorosas barbaridades continuavam
sendo praticadas por regimes comunistas, com cujos dirigentes a Santa Sé
estava em franca détente, a pergunta que saltava ao espírito era:
por que escolheu ele o Brasil para essa repreensão? Por quê? E ainda uma
vez, por quê?
O órgão comunista italiano não precisava de dons
proféticos para prever que as perplexidades nascidas desta grave
interrogação haveriam de aumentar as tensões entre nós.
Mas, o que o órgão comunista previu, não o previu
também Paulo VI, de velha data adestrado numa das mais altas e ilustres
escolas de diplomacia, que é precisamente a escola vaticana?
Compreende-se a perplexidade que esta pergunta
causava a qualquer católico, ou mesmo a qualquer brasileiro que possuísse
no grau mais elementar o entendimento das coisas.
A perplexidade aumentava quando L’Unità,
estendendo para toda a América do Sul seus comentários, chegava às últimas
fímbrias de suas perspectivas: "No caso dessa declaração do Papa, bem
como de outras de análogo teor de Carter e de seu secretário de Estado,
nota-se como as ditaduras sul-americanas, que são órfãs ideologicamente,
vêem, dia após dia, secar-se a fonte de sua razão de ser ideológica e
cultural. Para os países católicos e americanos [...] o presidente
dos EUA e o Papa são os símbolos nos quais o poder dominante sempre quis
identificar-se. Que tais símbolos falem contra as ditaduras [...] provoca nas classes dominantes efeitos de instabilidade".
Daí, sempre segundo L’Unità, golpes e contra
golpes entre governo e oposição. E como desfecho, a prazo médio, uma
situação propícia ao comunismo.
Então, diz gostosamente o jornal, fazendo suas as
palavras de um político esquerdista uruguaio que cita, "tudo dependerá
de nossos amigos do mundo inteiro".
Pelo contexto se via que um destes, que já ia
abalando o País, era Paulo VI...
4. Telegrama a Paulo VI: perplexidade ante a lamentável omissão
Daí o telegrama que, na qualidade de presidente do
Conselho Nacional da TFP, enviei a Paulo VI. Telegrama que foi publicado
por vários diários da capital paulista
e, em seção livre, pela Folha de
S. Paulo [218].
Eu dizia neste telegrama:
"Beatíssimo Padre
Paulo VI
Movida por sua
profunda e filial veneração à infalível Cátedra de São Pedro, a Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), está
persuadida de cumprir um dever tornando presente a Vossa Santidade suas
reflexões e sentimentos acerca de pronunciamentos e atitudes de Vossa
Santidade concernentes à efetivação de sagrados princípios do Direito
Natural e da moral cristã no Brasil e no mundo contemporâneo.
“Esta Sociedade se
sente perplexa, Santíssimo Padre, ao notar que a alocução dirigida dia 4
por V. S. ao Embaixador do Brasil deixa ver sua paternal solicitude ante
violações de direitos humanos que a V. S. consta haverem ocorrido por
ocasião de atos de repressão contra agitadores comunistas. Mas não contém
qualquer censura à violação de direitos humanos sistemática e astuciosa,
que o comunismo internacional, com sede na Rússia, vem cometendo há
décadas em nosso território ao instigar continuamente a luta de classes e
a revolução social, com patente violação de nossa soberania. Instigação
esta favorecida — como nos dói dizê-lo — pela atitude de simpatia, quando
não de cumplicidade, de eclesiásticos e leigos da chamada
esquerda-católica com os manejos soviéticos. Exemplo disto são certas
poesias e afirmações doutrinárias de Dom Pedro Casaldáliga, Bispo Prelado
de São Félix do Araguaia.
“As relações cordiais
do Vaticano com o governo russo nos levam a esperar que um protesto de V.
S. poderia influenciar os soviéticos no sentido de cessarem a pressão
subversiva que exercem no Brasil e em toda a América Latina, a qual é
sentida como um verdadeiro pesadelo pelas famílias brasileiras e dos
países irmãos. Contribuindo para eliminar tal pressão, Vossa Santidade
daria o seu mais valioso concurso para diminuir o perigo comunista, e
tirar assim a ocasião para os excessos da repressão anticomunista aludidos
por V. S.
“Pedimos também vênia
para dizer que se a solicitude de V. S., transpondo o Oceano e as
fronteiras de nossa Pátria, se alarma em público pronunciamento com os já
referidos excessos, esperamos que com a maior urgência V. S. manifeste de
público aos governos comunistas o horror que a V. S. causam as atrocidades
cometidas continuamente sobre os povos que eles dominam. Destas
atrocidades são exemplos as repressões exercidas ainda nestes últimos dias
contra os dissidentes russos. Bem como a chacina que o governo comunista
da Etiópia cometeu matando trinta mil oposicionistas.
“Sobretudo nos parecem
dignos de uma alta e paterna manifestação de apoio e proteção de V. S. as
infelizes famílias vietnamitas fugitivas do comunismo que vogam pelos
mares do Extremo Oriente em frágeis embarcações, na maior miséria e
desassistidas pelos governos não comunistas circunvizinhos,
presumivelmente coarctados por alguma pressão comunista. Suplicamos, pois,
um gesto de repercussão mundial de V. S. que lhes possa aliviar a triste
sorte!
“Rogamos
respeitosamente a Vossa Santidade que nos releve se acrescentamos que o
público silêncio de V. S. sobre fatos como estes nos causa a mais dolorosa
perplexidade.
“Levando a V. S. a
expressão destes sentimentos, que estamos certos não serem só nossos, mas
de incontáveis católicos do Brasil, da América Latina e do mundo inteiro,
contribuímos para evitar que no seio da Santa Igreja Universal tome volume
um bolsão de filhos indefectivelmente fiéis, desolados mas até o momento
cronicamente silenciosos, que vai crescendo dia a dia, e que vai formando
na Cristandade uma zona dolorida e relegada a uma como que catacumba, à
maneira da Igreja do Silêncio por trás da Cortina de Ferro.
“Pedindo as bênçãos de
V. S., nos subscrevemos com toda a veneração etc.” [219].
Cerca de dois meses depois, dirigi-me por telex a
Paulo VI e ao Presidente Carter, pedindo-lhes que desenvolvessem, em
benefício daqueles gloriosos e desafortunados navegantes vietnamitas, a
poderosa atuação correspondente às altas funções que exerciam [220].
Pois o estado de desamparo em que até aqui se
encontravam essas gloriosas e infelizes famílias ameaçava pôr em questão a
própria autenticidade da campanha mundial pelos direitos humanos [221].
Com efeito, calculava-se em cerca de dois mil o
número de sul-vietnamitas que vagueavam pelo alto mar, amontoados em
embarcações impróprias para navegar naquelas águas. E um após outro, os
portos do sudoeste asiático costumavam rejeitá-los [222].
Informou a revista escocesa
Approaches, de
outubro de 1977, ter o Dailly Telegraph de Corpus Christi (Texas)
noticiado que vietnamitas anticomunistas ali refugiados se queixaram de
que 51 navios de várias nacionalidades passaram por eles sem lhes dar
abrigo. O mesmo fez um porta-aviões americano da frota do Pacífico.
Salvou-os afinal o navio-tanque inglês
Cavendish [223].
|
Barco com cerca de
300 refugiados vietnamitas que acabaram sendo recolhidos
por um navio britânico |
Protestar em favor dos direitos humanos até mesmo de
terroristas, quando autenticamente lesados: perfeito.
Mas cabia uma pergunta: por que não reconhecer
direitos humanos aos nobres inconformados do Vietnã? Que noção de
dignidade humana era esta? [224]
Bastaria a trágica e imerecida situação em que se
encontravam esses verdadeiros heróis para documentar que o terror de
desagradar os governos comunistas avassalava aquela extensa área, e coibia
a liberdade de movimentos de nações e empresas privadas de navegação que,
em condições normais, obviamente agiriam de modo oposto.
Sendo o Trono de São Pedro o mais alto e possante
foco de justiça e de caridade entre os homens, que Paulo VI apelasse para
todos os poderes da terra ainda capazes de se condoer com essa situação, e
lhes pedisse que tudo fizessem em favor daqueles desditosos filhos de S.
S.
Assim, a TFP dirigiu respeitosamente ao Papa seu
apelo nesse sentido, certa de estar interpretando os anseios de todos
aqueles para quem as palavras direitos humanos tinham um elevado
conteúdo cristão* [225].
* Esse veemente e
respeitoso apelo foi acolhido com a maior frieza. Nada foi feito daquilo
que se pedia.
Só quando João
Paulo II ascendeu ao Trono Pontifício é que ele fez vários apelos públicos
em favor daqueles povos.
Dr. Plinio
enviou
então um telegrama ao Núncio Dom Carmine Rocco, pedindo a ele fazer chegar
a Sua Santidade a expressão de nosso comovido apoio a tais gestos (cfr. Catolicismo n° 350, fevereiro 1980).
|
Almoço oferecido
pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção
"Tendências e Debates". O prof. Plinio está sentado à
esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias, que tem à sua
direita o escritor Gilberto Freire. O primeiro à esquerda é
Fernando Henrique Cardoso ( Para uma reprodução completa da
matéria na "Folha de S. Paulo" clicar
[1],
[2]
e
[3]
). |
1. Política de larga confiança e perdão
Logo depois, generalizou-se no País a convicção de
que uma política de larga confiança e de perdão, visando a libertação
tanto dos suspeitos como até dos culpados de subversão, abrandaria as
tensões, pacificaria os espíritos e restabeleceria a paz no Brasil.
Veio, então, a Abertura [226],
que teve seus inícios em 1978, ainda em plena vigência do regime militar [227].
Essa “abertura” estava sendo apoiada e
prestigiada pela grande maioria, se não pela totalidade do Episcopado
nacional. E não foi combatida, que eu saiba, por nenhum dos Bispos
residenciais brasileiros [228].
Dos trunfos que o esquerdismo trazia na mão quando
cessado o regime militar, nenhum tinha, de longe, importância igual à dos
avanços alcançados no período de 64 a 85, pelo esquerdismo nos meios
católicos.
A reação anticomunista do regime militar, excessiva
em mais de um lance de repressão policial, foi ao mesmo tempo de um
liberalismo ideológico quase absoluto, que permitiu aos esquerdistas se
infiltrarem largamente no ensino e no mass media [229].
O traço mais saliente dessa abertura política
consistiu em restituir a liberdade política aos esquerdistas de todos os
matizes, coibida até pouco antes em conseqüência do golpe de 1964.
Nestes benefícios foram incluídos os que haviam sido
objeto de medidas repressivas em razão de atividades subversivas e até
terroristas [230].
2. Aceitei a “abertura” política: não a pedi nem a combati
A TFP não pediu a abertura política, nem tampouco a
combateu. Assim que, pelo curso dos acontecimentos, tal abertura se tornou
um fato, a TFP a aceitou.
Em vários pronunciamentos públicos, feitos aliás em
nome individual, e não no da TFP (mas com geral consenso nas fileiras
desta), empenhei-me em colaborar com a nova ordem de coisas, apresentando
sugestões à vista dos riscos que -
como tudo em matéria de vida pública -
a abertura trazia, e a vantagem que dela poderia auferir o País [231].
Para muitos, a "abertura" era uma operação que se
reduzia a seu sentido material. Isto é, ao ato de abrir as portas das
prisões aos presos políticos, as fronteiras do País aos exilados.
Postos todos estes em livre circulação, e ademais
mimados e aplaudidos pelos meios de comunicação social, a abertura estaria
completa.
Segundo esta concepção rudimentar, a abertura não
constituiria um benefício para o País, mas tão-só para os que, em
determinado momento, atentaram contra este — ou, pelo menos, procederam de
maneira que se fizessem suspeitar por tal.
Alguém com vistas menos acanhadas podia objetar, com
razão, que os promotores da abertura visavam muito mais do que isso.
Encarada a democracia como a participação de todo o povo no governo do
País, a integral reimplantação dela importaria, para cada cidadão, na
efetiva abertura da parcela de poder decisório que os princípios
democráticos lhe atribuíam. Democratizar era abrir.
Corolário disto era que cada cidadão tinha o direito
de dizer, de escrever e de fazer o que bem entendesse [232].
Liberdade em contínua expansão, e, pois, de contornos indefinidos.
A muitos pareceu que, instaurada essa liberdade,
estava tudo a caminho de resolver-se no País.
Esqueciam-se de que as liberalizações de contornos
indefinidos não criam nem consolidam nenhuma liberdade verdadeira. À
medida que tendem a facultar a todos que façam quanto quiserem, essas
liberalizações iriam caminhando de fato para a anarquia, e daí para uma
mais terrível ditadura [233].
Dessas liberdades assim obtidas, a força de impacto
esquerdista procurou tirar todas as vantagens [234],
como veremos mais adiante.
1. Expectativa em face do novo Papa
No meio desses vaivéns políticos, veio a notícia da
morte de Paulo VI a 6 de agosto de 1978.
Ele havia anunciado que a Igreja estava sendo vítima
de um misterioso "processo de autodemolição" e que nela penetrara a
"fumaça de Satanás" [235].
O falecido Pontífice — ante cujos restos mortais me
inclinei com a devida veneração — partia pois para a eternidade com a
autodemolição em curso, e a fumaça de Satanás em expansão. O que pensaria
seu sucessor sobre a autodemolição e a fumaça? [236]
Em 1974 as TFPs então existentes publicaram a
declaração concernente à Ostpolitik vaticana e ao conjunto da
atuação de Paulo VI face ao comunismo, tão diversa da de seu antecessor
Pio XII.
Até então eu não conhecia, de fonte vaticana, um só
pronunciamento sobre o comunismo próprio a compensar o que se poderia
chamar pelo menos de unilateralidade dessa Ostpolitik [237].
Os Papas até João XXIII ensinaram e agiram de tal
forma que todos os católicos sabiam ser impossível tal saída (de
colaboração com o comunismo), pois fundamentalmente contraditória com a
doutrina e a missão da Igreja.
Era fato notório que, no decurso dos Pontificados de
João XXIII e Paulo VI, esta convicção se foi apagando no espírito de
muitos e muitos católicos. E que não poucos chegaram a afirmar,
impunemente, a conciliação entre a Religião católica e o comunismo.
Qual seria, nesta matéria, a atuação de João Paulo
II? [238].
2. Em Puebla, gravíssima advertência sobre a Teologia da Libertação
Foi aí que João Paulo II esteve em Puebla, México, em
janeiro de 1979, para a 3ª Conferência do CELAM [239].
|
João
Paulo II na sessão de abertura da CELAM em Puebla, México.
Afirmou Plinio Corrêa de Oliveira que os pronunciamentos do
Pontífice nem deixaram o caminho aberto para o comunismo,
nem lhe cortaram o passo inteiramente |
Ele se encontrou com os representantes dos
Episcopados das 22 nações latino-americanas, e em meio a palavras de
saudação e carinho, lhes fez gravíssima advertência: a Teologia da
Libertação era um câncer instalado nas entranhas da catolicidade
ibero-americana. E, como todo câncer, ia deitando gradualmente metástases [240].
João Paulo II mostrava que os propugnadores de uma
Igreja meramente terrena tinham uma peculiar noção sobre Jesus Cristo, "não o verdadeiro Filho de Deus", mas um
"profeta", um "anunciador do Reino e do amor de Deus", e mais precisamente um
profeta e anunciador de um reino que por sua vez tinha peculiaridades: era
um líder político em revolta contra a dominação romana, um "revolucionário" envolvido na
"luta de classes", era, em suma,
o "subversivo de Nazaré" [241].
Propagada inclusive por clérigos, ela inculcava
quanto podia uma pastoral tendente a laicizar a ação da Igreja e a
projetar para segundo plano o que deveria estar no primeiro, isto é, a
catequese, a formação moral do povo cristão, a distribuição dos
sacramentos, enfim, a salvação das almas. Em primeiro plano ficava a luta
de classes desejada pelo marxismo. O Pontífice recomendava aos Bispos que
tomassem medidas [242].
A grande esperança da Igreja para o século XXI era a
América Latina — tudo aqui é católico, pelo menos de nome e de intenção [243].
Assim, a conferência de Puebla brilhou como uma luz nascente aos olhos de
muitos.
Se ela confirmasse as esperanças que ia despertando
aqui ou acolá, poderia minguar o perigo do comunismo em uma das frentes
que com maior eficácia tinha este utilizado: o ambiente católico. E seria
possível conter essa apresentação deformada que hoje se faz da Religião
para justificar o ateísmo e o coletivismo [244].
3. Uma folha da porta é fechada, a outra permanece aberta
Estudei a alocução do Pontífice em Puebla, e expus na
Folha de S. Paulo as interrogações, e também as alegrias e
esperanças que a propósito experimentei [245].
Evidentemente, essa posição de João Paulo II era de
grande alcance, uma vez que os meios católicos estavam largamente
infiltrados por "apóstolos" da dupla tese de que a Igreja existe somente a
serviço do homem e de que só Marx aprendeu e ensinou acertadamente o que é
o homem, e como servi-lo.
Contudo, quem, com as noções atualizadas sobre esta
matéria, lia a mensagem de João Paulo II, não podia deixar de se perguntar
se nesse documento, em que era tão certa a posição antimarxista, havia
também uma condenação ao regime comunista enquanto tal, abstração feita da
filosofia de Marx.
Pois o mais moderno sopro do comunismo consistia em
admitir que um não marxista pudesse propugnar, com fundamento filosófico
não marxista, o regime sócio-econômico do comunismo. Mas era livre de
procurar em qualquer sistema religioso ou ateu a fundamentação filosófica
que mais lhe parecesse adequada para justificar as respectivas
preferências sócio-econômicas.
Não havia na mensagem tal condenação. Ou seja, para o
coletivismo marxista a mensagem fechava uma folha da porta. Para o
coletivismo não estritamente marxista deixava a outra folha aberta [246].
4. Bispos do Brasil em face da mensagem de Puebla
Em última análise, o que mais importava no caso era
saber qual seria, ante a mensagem, a reação quase unânime que teriam os
Bispos reunidos em Puebla [247].
Neste sentido, no Brasil a alocução de João Paulo II
em Puebla fora até certa época de uma ineficácia absoluta. Podem atestá-lo
todos os que presenciaram consternados o apoio dado por Bispos e padres às
variadas formas de agitação e contestação, de que o País foi teatro em
1979 [248],
e nos anos subseqüentes, como veremos a seguir.
NOTAS
|