Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Missiva ao Presidente

norte-americano John F. Kennedy

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Dezembro de 1962 (*)

Exmo. Sr. John Kennedy

DD. Presidente da República dos Estados Unidos da América do Norte

Professores, escritores e jornalistas católicos de vários países latino-americanos se uniram para dirigir a V. Excia. – e em sua ilustre pessoa à nação norte-americana – a presente mensagem, concernente a um problema que afeta igualmente a defesa da América contra a invasão soviética, e o perfeito entendimento entre as nações deste Continente. Este problema diz respeito às condições a que se está subordinando o fornecimento de subsídios norte-americanos aos países ibero-americanos no programa da Aliança para o Progresso.

Nossa fraternal estima para com os Estados Unidos

As condições do mundo atual são particularmente propícias à solidariedade entre as nações de toda a América: defendemos contra um mesmo adversário cruel e ambicioso a segurança, a dignidade e a independência de nossas Pátrias, as quais o comunismo quer dominar para destruir na terra os últimos vestígios da civilização cristã.

Nos aspectos econômicos e militares dessa luta comum, reconhecemos com fraternal cordialidade o papel de capital importância da grande nação norte-americana. E afirmamos toda a nossa repulsa à campanha de difamação e intriga que, com o intuito de desagregar o bloco americano, o comunismo vem desenvolvendo.

Pelo contrário, comprazemo-nos em afirmar nossos sentimentos de fraternal estima pelo auxílio que os Estados Unidos vêm prestando, desde o fim da II Guerra Mundial, não só para a defesa como para o desenvolvimento econômico de nossos Países.

A Aliança para o Progresso e as reformas sociais na Ibero-América

Entretanto, no empenho de que essa assistência alcance realmente os objetivos a que se destina, devemos pedir a V. Excia. que faça modificar algumas das condições a que vêm sendo tal assistência vinculada ultimamente.

Os auxílios da Aliança para o Progresso, com efeito, só vêm sendo fornecidos aos nossos Países com a condição de que procedamos a reformas em nossas estruturas econômico-sociais respectivas.

Não insistimos aqui no que há de contraditório entre essa exigência e o princípio de autodeterminação aceito como fundamental pela diplomacia norte-americana.

Queremos salientar que o objetivo de produzir um soerguimento de nível de vida das nossas populações é em si mesmo simpático e cristão. Mas que só uma análise superficial de nossa realidade socioeconômica pode sugerir a ideia de que simplesmente por imediatas e grandes transformações estruturais se pode chegar a tal resultado. Tais transformações, feitas sem uma paralela modificação das condições psicossociais, só pode comprometer e retardar o desenvolvimento global de nossos povos. O progresso de uma nação – em todos os sentidos, mas especialmente no psicossocial – é como o crescimento de um organismo: deve ser promovido e estimulado, por isso tem o ritmo inevitavelmente gradual de todo o desenvolvimento orgânico, e por isto não pode ser apressado além de certa medida. Se o for, em lugar de progresso se terá perturbação e por fim caos.

Acresce que é por certo muito urgente e digno de aplauso melhorar com urgência os salários e as condições de vida dos trabalhadores manuais, mas não está provado que essa melhora exige sempre, e em todas as regiões da Ibero-América, reformas de estrutura.

Aliança para o Progresso e Reforma Agrária

Dizemo-lo especialmente com vistas ao regime da propriedade rural. Para todos os países está sendo exigida, para a prestação de auxílios da Aliança para o Progresso, sob o rótulo de reforma agrária, a divisão dos latifúndios, e está sendo apresentada sempre, como a única a ser inteiramente eficiente, a pequena propriedade cultivada direta e exclusivamente por seus donos.

Este modo de ver o problema é contrário a nossas tradições cristãs, segundo as quais a grande, a média e a pequena propriedade em princípio são legítimas. Ele contraria também o bom senso, que mostra ser o tamanho da propriedade, função do solo e da cultura de cada região, não podendo pois fixar-se – sobretudo em nossas imensas e variadas terras – segundo princípios hirtos e abstratos. Ele é contrário às conclusões da experiência. Todos sabem que o admirável progresso agrícola dos Estados Unidos não teria sido possível exclusivamente à base de pequenas propriedades, cultivadas direta e exclusivamente por seus donos.

Por fim, se em muitos de nossos Países o Poder Público detém imensas e utilíssimas reservas de terras inexploradas, não se compreende porque, como condição para a execução do plano da Aliança para o Progresso, não se propõe o aproveitamento destas terras pela iniciativa privada, em lugar de uma medida tão autoritária e violenta como seja dividir compulsoriamente terras já apropriadas.

Aliança para o Progresso e socialismo

O pressuposto lógico e evidente desse reformismo agrário, Sr. Presidente, é socialista: ele consiste na persuasão de que o nivelamento forçado das propriedades é condição essencial do bem-estar e do progresso. Nossa formação cristã nos ensina, pelo contrário, que ele é oposto à ordem natural, e, portanto, ao bem dos grandes como igualmente dos pequenos.

Não negamos com isto que em certas situações a divisão de certas grandes propriedades seja recomendável. Ela pode fazer-se, e se tem feito em muitos lugares pela própria iniciativa e conveniência dos proprietários. Não negamos que o Estado possa estimular e favorecer em certas situações essas partilhas. Nem negamos que em situações sempre excepcionais, ele deva impor estas partilhas, mediante justa indenização. O que negamos, é que essa intervenção estatal seja aconselhável igualmente para todos os lugares, que ela tenha em mira terras privadas e nunca a dos Poderes Públicos, que ela possa visar a abolição de todas as grandes propriedades, e que deva ter sempre e por toda a parte em mira estabelecer pequenas propriedades de cultivadores diretos.

Coexistência harmônica da grande, média e pequena propriedade

Favorecer com solerte, mas prudente energia os trabalhadores rurais, e visar habitualmente a implantação de um regime de harmônica coexistência entre grandes, médias e pequenas propriedades (e não formada só por latifúndios) é certamente digno e útil. É o ideal para o qual devemos energicamente tender.

Novas Cubas

Mas o que se está exigindo das nossas nações a propósito da Aliança para o Progresso é a implantação de um socialismo agrário que não é outra coisa senão o primeiro passo para a transformação das nações americanas em que se estabelecesse outras Cubas castristas. O que por sua vez seria altamente favorável à expansão soviética neste Continente.

Tais não podem ser as altas intenções de V. Excia., Sr. Presidente, e tal não é certamente o desejo do povo norte-americano.

Apelamos, pois, para V. Excia., no sentido de que com urgência sejam modificadas as condições para a prestação de auxílios da Aliança para o Progresso segundo as máximas e as considerações práticas aqui enumeradas.

Na certeza de que V. Excia. verá no apelo que assim lhe fazemos, e em sua pessoa à Nação norte-americana. e que depois de recebido por V. Excia. tornaremos público, uma contribuição útil para o bom entendimento de todos os americanos, subscrevemo-nos com sentimentos de alto apreço

(*) Nota deste site: Na cópia do documento manuscrito pelo Prof. Plinio que nos foi gentilmente fornecida por um de nossos prezados visitantes, a quem aproveitamos para agradecer o gesto, não consta a data da missiva.