Plinio Corrêa de Oliveira

 

Carta para Alceu Amoroso Lima,

 24 de Dezembro de 1932

 

 

 

 

 

 

 

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[Os negritos são deste site]

São Paulo, 24 de Dezembro de 1932

Meu querido Dr. Alceu

Escrevo-lhe rapidamente, na máquina da Congregação [Mariana de Santa Cecília], para lhe enviar meu afetuoso e saudoso abraço, para o Natal.

Ainda há pouco, teve o Senhor uma ocasião de verificar o quanto o seu esplendido apostolado está sendo abençoado e fecundado pela ação onipotente de Nosso Senhor. Refiro-me ao sucesso obtido por seu concurso. Não o felicito pelo aspecto de triunfo intelectual, que seu sucesso teve. Este é apenas o aspecto secundário, pois outro muito mais importante e mais precioso me chama a atenção: é a consoladora constatação que o Senhor pode fazer de que as qualidades com que a Providência o cumulou são, em suas mãos, instrumentos usados com grande eficiência ad majorem Dei gloriam [para a maior glória de Deus].

Enquadrar-se perfeitamente dentro dos desígnios da Providência, eis aí o único destino digno do homem. E este destino, o Senhor tem sabido conquistá-lo admiravelmente, sendo hoje a glória dos católicos brasileiros.

Ao lado destas consolações, muitas sombras toldam a alegria deste Natal. Infelizmente, o correio não comporta uma confidência mais importante. Mas posso dizer-lhe que vejo, com uma nitidez cada vez maior, o Calvário que se aproxima de nós. Durará muito tempo esta agonia em que vive o Brasil? Virá já a imolação completa? Só Deus o sabe. Mas uma coisa, para mim, é certa: a Providência vai lavar o Brasil no sangue. Enfim, todos os sofrimentos, todas as provações serão muito bem empregadas, serão mesmo uma benção de Deus se obtiverem finalmente o perdão integral de que muito precisamos, e que não merecemos.

Li com grande interesse seu livro sobre Economia Pré-política, que me abriu horizontes inteiramente novos, pois que é o primeiro livro que leio sobre o assunto. Até agora, em matéria de populações primitivas, tenho lido desatentamente trechos esparsos do General Couto de Magalhães, de alguns exploradores de nossos sertões, etc. E, pela temerariedade de muitos dos raciocínios que faziam, tinha a íntima convicção de que, além de árduo, o estudo das populações primitivas nada poderia oferecer em matéria de conclusões seguras.

Com a excelente exposição que o Senhor fez da matéria, convenci-me do contrário.

No entanto, com a confiança que tenho em sua indulgência, permito-me duas observações, ambas originadas de um mesmo modo de ver.

Primeiramente: porque aceita o Senhor a ideia de que a pederastia e a organização das sociedades secretas são fruto exclusivo de uma reação anti-feminina? Não haveria nisto, muito pelo contrário, satanismo, e puro satanismo?

Há muitos livros interessantíssimos sobre a ação do demônio entre os povos pagãos. De modo especial, recomendo-lhe a leitura de um livro indicado pelo Mgr. [Henri] Delassus, “Le diable dans les missions”, em que um missionário católico da China conta os inúmeros casos de intervenção diabólica que poude observar nas populações pagãs que evangelizou.

Aliás, é esta a opinião dos mais respeitáveis autores católicos sobre o assunto. É significativo e interessantíssimo o caso dos etruscos, povo que cultuava os demônios, entes malfazejos, que pintavam em seus monumentos funerários, com desenhos horripilantes.

Outra questão: parece-lhe admissível que o totemismo tenha tido por origem a necessidade de poupar, na caça, determinadas espécies de animais, para evitar sua completa extinção? Não haverá nesta explicação o desejo de atribuir a necessidades materiais uma forma do sentimento religioso e espiritual, um pouco de materialismo histórico, enfim? Veja que esta opinião é inteiramente análoga à que atribui o aparecimento da moral à necessidade social de proibir determinados atos, etc., etc.

Em suma, parece-me que, a fatos de cunho pronunciadamente extra-natural, foram dadas explicações meramente naturais, e portanto incompletas.

Ainda o totemismo se explica pelo satanismo. O demônio, invejoso da dignidade do homem, e precisamente por isto revoltado contra Deus (porque, como dizem certos teólogos, o demônio teve a antevisão da Encarnação e indignou-se de que tal honra não coubesse à natureza angélica, mas sim à humana) quis fazer o homem decair de ser racional a adorador de animais.

Daí é que se explica, em primeiro lugar, a estranha tendência dos povos antigos para a adoração dos animais. Veja bem que não se tratava de um simples hábito inveterado, difícil de extirpar. Tratava-se de uma sedução, de uma tentação violentíssima, tão violenta, mesmo, que a Lei Antiga proibia o culto às imagens, de receio que ele se transformasse em fetichismo (que é também, uma forma de adoração da matéria, mais aviltante, talvez, do que o totemismo, pois que é a adoração, não do animal como o íbis, mas da matéria inerte, privada de vida). Está aí a ação manifesta da tentação satânica, que se fez sentir, por exemplo, no caso do bezerro de ouro.

E em segundo lugar há um argumento: o demônio quis tirar o homem do Paraíso, tirando-o de seu primitivo estado de felicidade e dignidade. Inveja, pois, do gênero humano. Porque não admitir que esta inveja, acoroçoada por um êxito tão grande, não se tivesse manifestado de modo ainda mais nocivo sobre a natureza humana decaída? E que maior satisfação para o inimigo da Encarnação do que ver o homem prostrado aos pés de um animal, ou – o que é pior – da matéria inerte, que é a escala última das criaturas?

Veja, meu querido Dr. Alceu, como ainda aí a “obsessão” do satanismo – forma única do maçonismo de então (pois que o maçonismo é o satanismo moderno) encontra campo ainda mesmo no estudo dos povos primitivos.

Não rejeite in limine minhas considerações. Procure, pelo contrário, explicar com elas a história dos povos primitivos. E verá quanta luz e quanta harmonia surgirão em muitos pontos passíveis de discussão, ou de difícil explicação!

Não fosse o ardor de minha convicção, não teria eu a afoiteza de fazer um reparo a uma obra sua. Conheço, porém, por experiência própria, a generosidade de seu espírito. Releve-me, portanto, a audácia.

Muitas recomendações aos seus, e um abraço a nosso Jesuitinha, a quem, de modo todo particular, desejo um bom Natal.

Para si, Dr. Alceu, o melhor de minha amizade e de meu afeto de sempre.

Plinio


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