Plinio Corrêa de Oliveira
Carta para Alceu Amoroso Lima, 6 de Março de 1932
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São Paulo, 6 de Março de 1932
Meu querido Dr. Alceu Recebi sua última carta, que muito agradeço. Senti bem saber que o Senhor não tem aproveitado suas férias. Nunca se deve levar o trabalho ao excesso, ainda que se trate da causa de Nosso Senhor. O trabalho em excesso é prejudicial até à vida espiritual. Ora, devemos cultivar esta vida acima de tudo, e sobretudo, porque da intensidade de nossa vida interior depende, essencialmente, a fecundidade de nosso apostolado. Conhece o admirável livro de Dom Chautard, sobre “A Alma de todo Apostolado”? É um pequeno trabalho escrito por aquele notável Superior dos Trapistas, a pedido da Santa Sé, para mostrar aos sacerdotes franceses, logo depois da grande Guerra, a indispensável necessidade que havia de procurarem imbuir-se de espírito interior, de contemplação e de oração, depois das refregas da grande guerra para que seu apostolado fosse eficaz. Reputo tal livro absolutamente básico para a vida espiritual de leigos dedicados ao apostolado. Emprestei meu exemplar ao nosso amigo Dr. Silva Costa, que, ao que me consta, o aprecia muitíssimo. Não tive tempo para escrever o artigo que teve a bondade de me pedir sobre o caso Goes Monteiro. Aliás, não tenho vontade de me manifestar contra AS PESSOAS de tal ou tal outro dos chefes revolucionários (todos uns nulos, quando não uns homens destituídos totalmente de caráter), porque é possível que tenha a necessidade de me aproximar eventualmente deles, em benefício dos interesses da Igreja. A meu ver, quem faz política pela Igreja, como talvez eu venha a fazer, deve atacar constante, veemente e intransigentemente ideias. Neste sentido, o rigor e todo o ardor ainda são poucos. Mas, em se tratando de pessoas, é preciso ser mais maleável. Isto principalmente em uma quadra como a que atravessamos, e em que é bem possível que nos tenhamos de ligar a A ou B, que abominamos, para combater C, que abominamos ainda mais! Ao que me consta, há ainda grande confusão entre católicos, quanto ao que se vai fazer na futura (e “eventual”) Constituinte. Desde já insisto, novamente, sobre o dever em que, a meu ver (desculpe-me a linguagem um pouco categórica, mas creia que ela é fruto da solidez da convicção com que falo) o Senhor se encontra de ir reservando para si um lugar de deputado federal. Compreendo perfeitamente a montanha de objeções que vejo erguerem-se em seu espírito, quando o Senhor ler esta afirmação... o Senhor não gosta; seu espírito é mais afeito à luta doutrinária e científica; sente-se “depaysé” [deslocado, n.d.c.], como me escreveu, neste gênero de lutas. Estou, porém, convicto de que, se consultar exclusivamente os interesses da Igreja, ponde de parte quaisquer considerações de ordem pessoal, chegará facilmente à conclusão de que É NECESSÁRIO que se candidate. Faça como os antigos cruzados. Apesar de toda sua possível repugnância, diga “Deus vult” [Deus o quer, brado que o Papa deu ao convocar a Cruzada, n.d.c.], e resolva-se ao sacrifício. Compreendo que não é discreto de minha parte insistir no assunto. Mas a amizade com que me tem tratado me autoriza, e, até certo ponto, me obriga a esta franqueza. O Senhor, que me conhece, e que sabe que tenho exclusivamente em vista a causa da Igreja, me compreenderá e, se preciso for, me desculpará. Mudando inteiramente de assunto, peço-lhe, para o que se segue, um segredo de Confessionário. Sei que vieram de Roma instruções do Santo Padre, para que os Bispos do Brasil não intervenham em política. Sei que Sua Eminência passou um telegrama a Dom Duarte, comunicando-lhe o fato. Aqui em São Paulo, deu-se a tal telegrama uma interpretação que me pareceu forçada: nem mesmo a luta eleitoral, tendo em vista os puros interesses espirituais do Catolicismo, deve ser dirigida pelo Episcopado. Peço-lhe que me informe, com toda a segurança possível, sobre a interpretação e extensão exatas de tal determinação pontifícia. Aliás, devo dizer-lhe desde já que, na hipótese de ser exata a interpretação dada em São Paulo, penso em submeter o ato à reconsideração da Santa Sé, com o respeito absoluto e incondicional, e o amor filial que devoto a esta de todo o meu coração. Tal proibição destoa inteiramente do que a Santa Sé tem sabiamente estatuído para TODOS os outros países do mundo. E, parece-me, se esta exceção foi aberta em relação ao Brasil, é porque a Santa Sé recebeu da situação política deste uma informação absolutamente errônea. Uma abstenção do Episcopado importa provavelmente em uma cisão entre os nossos. E, para nós, cisão e pulverização são sinônimos. Logo, deduzo: abstenção do Episcopado equivale a suicídio. Infelizmente, o Senhor bem sabe que esta argumentação condiz rigorosamente com a verdade dos fatos. Na hipótese de um recurso, eu iria às biblioteca públicas, releria todos os jornais desde Outubro do ano passado até este, faria, à luz dos jornais, um histórico completo do que se passou entre nós, e o enviaria, juntamente com o número dos próprios jornais, e sua tradução em francês ou italiano, à Santa Sé. Analisaria detidamente nossa situação. Mostraria os perigos que corremos, e a vantagem de uma intervenção da Igreja. Acentuaria, principalmente, o feitio todo maçônico de tudo quanto se passa atualmente entre nós, e o demonstraria, com o auxílio de Nossa Senhora, sobejamente. Em seguida, mandar-lhe-ia tal memorial para que se srvisse dele para o refundir, completar, resumir etc., etc. (isto tudo caso o Senhor esteja de acordo comigo), e o poderíamos entregar ao Pe. Franca, para que o fizesse chegar às mãos do Reverendíssimo Padre Geral da Companhia de Jesus, que agiria junto à Sua Santidade. O memorial seria apenas um repositório de fatos que eu recolheria para lhe facilitar a tarefa, e lhe poupar tempo. O Senhor sabe – “cela va sans dire” [isto não precisa nem dizê-lo, n.d.c.] – muito melhor do que eu, interpretar tais fatos, expor suas interpretações, e completa-los com outros fatos que provavelmente conhece. Em princípio, porém, estabeleço o seguinte: tenho em Dom Leme uma dessas confianças absolutas, cegas, completas. Se Dom Leme estiver satisfeito com a determinação pontifícia, desde já desisto de tudo. Se tal não se der, julgo que nosso dever de patriotas e de católicos, principalmente, nos impele a tomar a providência a que me referi. Não faria o mesmo o grande Jackson [de Figueiredo]? Ou eu me engano muitíssimo, ou tal determinação provém do espírito diplomático e burocrático de um alto personagem sobre cuja timidez conversamos em seu quarto, no Colégio São Luís, personagem que exerce um cargo em cujo desempenho bom ou mau o grande Jackson via, segundo o Senhor me disse, a perda ou a salvação do Brasil. Daí meu desejo de acrescentar às informações do personagem mais algumas outras informações, que talvez modificassem a deliberação da Santa Sé. Talvez lhe pareça um pouco ingênua, um pouco pueril, a iniciativa que proponho. No entanto, devemos ter confiança em Nossa Senhora. Se for de Sua vontade, nossa representação será favoravelmente acolhida. Diga-me francamente, e urgentemente, o que acha. Mas peço-lhe que, por razões que não posso escrever em um correio que suponho ser pouco cioso do sigilo da correspondência, só se entenda a este respeito, no que se refere à minha pessoa, com S.E., ou o Pe. Franca, e isto sob a máxima reserva. Ouvi dizer que o Dr. Cláudio Ganns, o Dr. Plácido de Mello e outros tentam formar um partido. O que é que há? Por que não foi isto comunicado aos daqui? Não seria conveniente maior coesão? Não está tal coesão na medula do espírito católico? Um afetuoso abraço a nosso Jesuitinha. Que Nossa Senhora o proteja. Aceite um afetuoso e saudoso abraço do seu muito amigo, em Nosso Senhor Plinio N.B. Se julgar inconveniente responder-me por carta, em assunto de tal natureza, bastará que me diga se resolveu fazer ou não o que lhe proponho. Por mim, estu por tudo quanto o Senhor quiser. O que fizer estará bem feito. Ponha apenas: sim, ou não. |