Plinio Corrêa de Oliveira

 

Carta para Alceu Amoroso Lima,

30 de dezembro de 1930

 

 

 

 

 

 

 

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[Os negritos são deste site]

São Paulo, 30 de dezembro de 1930

Querido Amigo

 

Nestes últimos dias do ano, em que costumamos proceder a um balanço geral de tudo quanto nos diz respeito, e que a Divina Providência permitiu que nos sucedesse nos 365 dias que estão para findar, inscrevi no meu ativo a aquisição de um amigo sincero e bondoso, que poucos dias de estadia no Rio foram suficientes para impor definitivamente à minha estima.

As palavras que, para nós católicos, se revestem do significado o mais doce são, para os que vivem afastados de Nosso Senhor, apenas expressões ocas, que lhes recordam amargas desilusões. É o que se dá, por exemplo, com a amizade. Voltaire dizia: Meu Deus, livrai-me de meus amigos, que eu me livrarei dos meus inimigos. Outro pensador disse que os maiores amigos eram apenas inimigos íntimos. Inúmeras são as frases mais ou menos amargas, em que as palavras amizade, confiança, dedicação são objeto da mais desiludida das ironias. E isto se dá porque os sentimentos, tanto quanto as nações, os princípios, as ideias, só têm verdadeiro significado e verdadeira estabilidade quando firmados sobre a Pedra a que Nosso Senhor aludia quando dizia: “Petrus tu es petra, et super hanc petram aedificabo ecclesiam meam”. [Pedro, tu és pedra e sobre esta pedra edificarei Minha Igreja]

Enquanto para as pessoas afastadas do Catolicismo as relações sociais, por mais que sejam íntimas, só servem para dissimular inveja, má vontade, ódio às vezes, para nós católicos o sentimento de amizade, transpondo as barreiras da idade, da diferença do nível intelectual, de toda a sorte de desigualdades, cimenta estas ligações sólidas, que se baseiam tanto na admiração sincera e desinteressada, quanto na estima bondosa que tem por base a única verdadeira amizade que existe: a fraternidade cristã.

Ora, meu caro Amigo, é justamente em nome desta amizade cristã que me atrevo a fazer algumas considerações a respeito de sua última carta, que tanto prazer me deu.

Estou de pleno acordo consigo. Só a santidade pode salvar o mundo. Só torrentes de graça, canalizadas sobre nosso país por imolações, sacrifícios, penitências [o sublinhado é do original, n.d.c.] de toda a sorte, podem neutralizar o efeito terrível da corrupção dos costumes que é, talvez, muito mais profunda do que nós mesmos podemos supor.

Estou começando a trabalhar como advogado, e do pequeno contato que tenho tido nesta nova arena em que tenho de lutar, com elementos de toda sorte, tive quase um momento de desânimo ao ver a que ponto chegou a desonestidade entre nós. Há momentos em que sinto por tal forma o horror de nossa situação, que só na oração encontro bem estar. Efetivamente, a oração nos transporta para um plano superior, em que não somos forçados a olhar para a abjeção que encontramos fora e, infelizmente, também dentro de mim. A oração nos eleva acima das misérias de toda a ordem, e nos proporciona o conforto da contemplação da infinita perfeição de Deus, e de sua corte celestial. É como que um banho de espírito, em que nos purificamos da pestilência do ambiente.

Acabei de ler, agora, uma obra simplesmente magnífica, conquanto pouco conhecida, de Monsenhor [Henri] Delassus, “La Conjuration Antichrétienne" [volume I volume II volume III]. O Autor, com uma precisão e com um conhecimento de causa admiráveis, faz como que um histórico do Cristianismo, e das lutas que teve de enfrentar, desde as perseguições romanas, até 1910. E mostra que a História nada mais é do que um longo duelo entre as forças do bem e as do mal, aquelas arregimentadas pela Igreja Católica, estas mais ou menos dissimuladas pelos rótulos de paganismo, gnosticismo, arianismo, protestantismo ou enciclopedismo. Atrás de todas as heresias, nota-se sempre (...) atrás deste a ação de Satanás. Compreende-se então por que é que Nosso Senhor (...) chamava “Sinagoga de Satanás”, e (...) dizia: “Vós sois filhos do demônio, e executais a vontade de vosso pai”. O satanismo como ponto de convergência de todos os falsos cultos e falsos deuses, eis a realidade. É o que Delassus demonstra admiravelmente.  

Passando, depois, a outra ordem de considerações, Delassus estuda o modo de combater a influência diabólica que, graças à conspiração maçônica que vem triunfando desde a Reforma, está dominando o mundo. E ele chega à conclusão de que, mais do que todas as obras sociais, mais do que toda a atividade brilhante de um Albert de Mun [militar, político e acadêmico francês, 1841-1914, n.d.c.], entre tantos outros, os sacrifícios e a vida de reparação de uma Catarina Emmerich contribuem poderosamente para salvar o mundo.

Poder-se-ia, no entanto, concluir daí que há uma superioridade real da vida contemplativa sobre a vida ativa? Penso que não.

É certo que a vida contemplativa nos faz viver mais próximos de Deus. É certo que ela nos subtrai a esta trivialidade do contato quotidiano com pessoas imperfeitas. É certo que sua sublimidade é mais evidente do que a da vida ativa. No entanto, também é certo, por outro lado, que, na vida ativa, fora e dentro do claustro, fora e dentro do estado sacerdotal, a santificação é possível e, até, dentro de certa medida, eu ousaria quase dizer que ela é tão fácil quanto em outra situação qualquer.

Efetivamente, meu caro Amigo, devemos antes de tudo olhar para o plano traçado pela Divina Providência. É incontestável que a Misericórdia de Deus vem, lentamente, fazendo entre nós um trabalho de regeneração. Esperar que este trabalho siga na sua marcha ascendente uma velocidade uniforme é, sem dúvida, impossível. Haverá momentos de desfalecimento, de paralisação, até de derrota. Mas estou convencido, e firmemente, que ainda não é chegado o fim, e que Nosso Senhor, por esta vez, ainda salvará o mundo. É o que nos afirmam as profecias que vem desde Santa Hildegarda [de Bingen, 1098-1180], em plena Idade Média, através de Caterina Labouré [1806-1876, a quem Nossa Senhora apareceu na Rue du Bac, em Paris, n.d.c.], a Bem-aventurada Catarina Racconigi [1486-1547], o Bem-aventurado Grignion de Montfort [1673-1716, canonizado em 1947], São Leonardo de Porto Maurício [1676-1751], o Venerável Holzhauser [Bartolomeu -, 1613-1658], Elisabete Canori Mora [1774-1825], até o quase hodierno e virtuosíssimo padre Nectou S.J. [+1777], hoje falecido, confirmando através dos séculos que, depois da terrível batalha atual, haverá um período de felicidade e de santidade como até hoje o mundo nunca teve. E é somente depois deste período, que De Maistre [Joseph -, 1753-1821] supõe que dure talvez mais de mil anos, virá o Anticristo [vide a tal propósito, por exemplo, "O Cruzado do Século XX - Plinio Corrêa de Oliveira" (Roberto de Mattei, Editora Civilização, Porto, 1997), Capítulo VII - RUMO AO REINO DE MARIA]

Estamos, pois, em uma batalha, em um momento terrível, mas já podemos divisar a mais bela das vitórias.

Ora, a condição de sucesso de toda a batalha é a obediência cega, irrestrita, ao general. Nosso general é Jesus, e a Ele devemos inteira obediência. Ele nos colocou no mundo, na vida ativa, na vida de apostolado diário, neste grande leprosário moral que é o mundo do século XX. Se Nosso Senhor pedisse nossos serviços para tratar de leprosos em Guapira e Santo Angelo, achar-nos-íamos na terrível contingência de obedecer: dura lex, sed lex [é dura a lei, mas é a lei, n.d.c.]. E Nosso Senhor pedindo nossos serviços para o leprosário incomparavelmente mais triste das lepras morais, nós lhe haveremos de obedecer. E haveremos de confiar cegamente em sua bondade, que permitirá que nos santifiquemos na medida em que correspondermos a Suas graças, no mundo, em pleno mundo, se nele estamos colocados. É o que o magnífico livro do Trapista [sublinhado do original, n.d.c.] Dom Chautard evidencia tão bem no seu livro “L’Âme de Tout Apostolat” [A Alma de Todo Apostolado]. E ele indica com grande maestria o modo de se levar uma vida ativo-contemplativa, intensa nos seus dois aspectos, de recolhimento e ação.

Coragem, pois, meu caro amigo, coragem na sua grande, na sua esplêndida obra. Seu dever é de aceitar a vida como Nosso Senhor lho ordena, através do que Sua Providência estatuiu, dando-lhe a ordem de se santificar no estado em que Ele lhe permitiu que o Senhor se encontrasse, e que exige, dada sua própria natureza, vida ativa intensa.

Antes de tudo, é claro, a santificação. Mas haverá sempre tempo para ação. E tempo abundante e rico em frutos.

Se o Senhor estivesse alguns dias em minha companhia, para poder ouvir de meus colegas, de meus amigos (falo de católicos e “catolicisantes” numerosos) o bem que sua ação tem feito, se o Senhor visse um paralítico paupérrimo, que há aqui, cujo único conforto é a Fé, que lhe foi trazida por seus livros, e que nos momentos de dúvida diz: Se um homem com a inteligência de Tristão de Athayde tem Fé, é porque esta é racional. Se o Senhor visse isto tudo, se visse o pensamento católico respeitado se não aceito nas Escolas Superiores, graças a seus livros, o Senhor voltaria singularmente animado para sua sala de trabalhos.

Volte para ação, com todo o ardor, e sobrenaturalizando cada vez mais sua ação, como ensina o livro de Dom Chautard, e o problema como que se desvanecerá, se dissipará a seus olhos.

E espero que, em assunto como este, o Sr. não suponha que, levado pela delicadeza ou qualquer outro sentimento, eu tenha exagerado o bem que o Senhor faz. Dê graças a Deus pela realidade, que é o que lhe mostro.

Acho ótimas suas ideias sobre a Ordem. Já comecei a trabalhar. No que consistem as crônicas de objeções de que o Sr. quer me encarregar? Estou com vontade de mandar um artigozinho (...). Publique, somente se julgar conveniente.

Com um grande abraço, e pedindo-lhe desculpas por ter desconhecido por um instante minha situação de simples soldado raso, que não deve aconselhar a seus superiores, envio-lhe um grande abraço, com votos de felicidade extensivos aos seus.

Seu amigo em Nosso Senhor,

Plinio


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