|
Plinio Corrêa de Oliveira
Manifesto sobre a eleição presidencial de 1989
"Folha de São Paulo", quarta-feira, 29 de novembro de 1989 - EXTERIOR — Pág. A-7 |
|||
FACE À DRAMÁTICA SITUAÇÃO DO BRASIL A TFP toma atitude entre as candidaturas Collor de Mello e Lula como também ante a Teologia da Libertação e as CEBs
1. A TFP ante a vida partidária e os pleitos eleitorais Nos seus quase 30 anos de existência, a TFP sempre timbrou em manter-se alheia às disputas partidárias, preponderantemente marcadas, em nosso País, por divergências de interesse de personalidades ou clãs políticos, mais do que por desacordos de elevado nível doutrinário. Nisto, seguiu nossa entidade o exemplo continuamente dado ao País pelas Autoridades eclesiásticas, bem como pelas associações de caráter cultural ou beneficente de real prestígio junto à opinião pública. Na aparência, se excetuou dessa linha geral a atuação desenvolvida pela Sagrada Hierarquia nos anos 30, quando ela promoveu a formação da Liga Eleitoral Católica — LEC, a qual se destinava a orientar o eleitorado acerca das posições programáticas dos candidatos a cargos eletivos, informando ao público sobre o que pensavam a respeito de determinados assuntos de vital importância para a Igreja e para a civilização cristã. Eram esses assuntos a manutenção da indissolubilidade do casamento, o ensino religioso nas escolas públicas, as capelanias nas Forças Armadas e ainda outros. Fazendo inteira abstração de disputas partidárias, e tendo em vista apenas esses altos interesses da Igreja e da Pátria, a LEC aconselhava aos eleitores católicos que dessem seu voto a candidatos favoráveis àqueles pontos, então correntemente designados como “reivindicações católicas”, e os recusassem aos candidatos opostos às ditas reivindicações. Os resultados brilhantes obtidos por essa atuação já pertencem à História. Com o golpe de Estado de 1937, o Brasil deixou por oito anos a prática da democracia representativa. E, restaurada esta última, a LEC foi reconstituída, porém já sem a eficácia e o brilho de outros tempos. A tal ponto que, quando ela deixou de existir, o grande público nem sequer se deu conta do fato.
2. “Direita católica” e “esquerda católica” — TFP e
CEBs — Uma declaração de Lula Em fins da década de 50 — antes ainda da instalação do regime militar — a agitação esquerdista começava a borbulhar em nosso País, não só promovendo distúrbios de várias ordens, mas também procurando... e obtendo a introdução de socialistas ou “cristãos de esquerda” no Congresso Nacional. Esta infeliz novidade resultava do fato de que começava a operar-se então nos meios religiosos do País uma mudança profunda, a qual haveria de se acentuar continuamente até nossos dia. Apareceu assim a “esquerda católica”, que dava eco entre nós a um fenômeno de porte internacional, que era a progressiva cisão da opinião católica em duas correntes: a) no campo estritamente religioso, o “progressismo”, e no campo socioeconômico, o “esquerdismo católico”, com mútuas vinculações doutrinárias; b) e, do lado oposto, outra corrente abrangia os católicos empenhados em se resguardar de novidades religiosas imprudentes e não raras vezes até francamente errôneas, bem como de manobras políticas que os transformassem em “inocentes úteis” ou até em “companheiros de viagem” do comunismo. O público não tardou em qualificar essas duas grandes correntes como “esquerda católica” e “direita católica”. Na “esquerda católica”, a tendência que de muito sobressai hoje em dia, em relação a outras, é a chamada “Teologia da Libertação” — difundida no laicato notadamente pelas Comunidades Eclesiais de Base — CEBs. Na “direita católica”, destaca-se sobretudo a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade — TFP. E de tal maneira o quadro assim traçado passou a ser habitual, que se tornou ponto de referência corrente no trato de assuntos da vida pública brasileira. Por exemplo, interrogado pela “Folha de S. Paulo” (18-11-89) sobre se é verdade que tem o apoio da corrente da Igreja favorável à “Teologia da Libertação”, o Sr. Luis Inácio da Silva (Lula) respondeu:
A TFP não representa a Sagrada Hierarquia, não foi fundada por ela, nem por ela é dirigida. Nossa entidade foi fundada e é dirigida por leigos católicos que, inspirados nos ensinamentos da doutrina social tradicional da Igreja, visa tão só atuar no campo temporal, em favor da civilização cristã, sob a exclusiva responsabilidade de seus integrantes. Sem embargo, ela se sujeita, com filial obediência, à vigilância da Sagrada Hierarquia em tudo quanto diz respeito à Fé, à Moral e à disciplina eclesiástica (cfr. Código de Direito Canônico, cânones 212 §1, 215, 225 §2, 227). Nestas condições, e não presumindo dar à sua voz outro alcance que não o de um conselho fraternalmente oferecido por membros do laicato católico a membros do laicato católico, tem ela uma palavra a comunicar a seus sócios, cooperadores e correspondentes, bem como ao público em geral, acerca da eleição presidencial que se realizará em segundo turno no próximo dia 17 de dezembro.
3. A TFP ante as candidaturas Lula e Collor de Mello Segundo os dados oficiais, na eleição do primeiro turno obteve vantagem considerável (25,11 %) o candidato Fernando Collor de Mello. E, sensivelmente abaixo dele (14,16 %), o candidato Luis Inácio da Silva (Lula) (porcentagens calculadas sobre o total do corpo eleitoral). Ora, o resultado do pleito em segundo turno poderá ser influenciado a fundo pela preferência que dêem a um ou outro candidato, não só os eleitores filiados aos partidos políticos que os elegeram, como também os aderentes dos partidos políticos de menor votação, e, principalmente, a grande massa eleitoral que foi compelida a comparecer às urnas em razão da obrigatoriedade do voto, mas que grosso modo se mantém alheia a todos os partidos. Neste sentido, é sintomático que o número de abstenções, mais os votos em branco e nulos totalize 14.443.706 votos (17,60 % do corpo eleitoral), constituindo assim um contingente eleitoral superior ao do segundo colocado.
Em quem votar no próximo turno da eleição presidencial, de dramática importância para o País? Dramática sim, já que dramáticas são as condições políticas e sobretudo as condições sócio-econômicas em que se encontra esta Nação digna de melhor destino! A TFP não pode deixar sem resposta as numerosas perguntas que neste sentido lhe chegam, não só de seus sócios, cooperadores e correspondentes disseminados por 372 cidades, como dos dedicados e ardorosos simpatizantes com que conta ademais em todo o nosso território. O presente comunicado constitui uma resposta a tão justas perguntas. Do ponto de vista socioeconômico, a TFP e as CEBs se acham em posições diametralmente opostas. Por exemplo, enquanto a TFP defende o princípio da propriedade privada e o sistema de livre iniciativa, as CEBs são adeptas do sistema socialista de inspiração confessadamente marxista. É o que deixou inteiramente claro o livro "As CEBs... das quais muito se fala, pouco se conhece — A TFP as descreve como são", de autoria dos Srs. Gustavo Antonio Solimeo e Luiz Sérgio Solimeo, e do abaixo assinado. Esta obra, apoiada em abundante documentação, e em argumentação que as CEBs acharam de bom aviso deixar sem resposta, foi, como de costume, quase inteiramente silenciada pela mídia. Mas ela teve larga repercussão no público. Dela foram tiradas seis edições, num total de 72 mil exemplares, vendidos nas mais diversas latitudes de nosso País-continente. Em tal livro são expostos os principais argumentos que a TFP tem a alegar a respeito do pensamento doutrinário, da atuação política e da agitação social promovida pelas CEBs. Supérfluo seria, pois, elencá-los aqui. Quanto ao programa do PT, que exprime necessariamente o fundo do pensamento de Lula, a divergência da TFP não é menos completa. Isto se verá em publicação que a TFP fará em breve. A conseqüência do que está dito, conseqüência esta que o próprio candidato Lula não pode deixar de admitir como normal, nos termos de sua declaração acima citada, é que o Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição Família e Propriedade, a que tenho a honra de presidir, recomenda vivamente a todos os eleitores com opiniões consonantes com as de nossa entidade, que não dêem seu voto ao candidato Lula. Com efeito — convém insistir a respeito, nesta fase decisiva do grande embate eleitoral — sobre a radicalidade do pensamento político e socioeconômico desse candidato não pode haver dúvida. Cumpre citar, em abono dessa afirmação, as palavras dele, dirigidas ao jornal oficial do partido comunista cubano “Granma” em 12 de janeiro de 1989. Palavras, estas, que a imprensa nacional não publicou:
Assim, por efeito da legislação eleitoral vigente, a alternativa que o eleitor tem diante de si consiste em votar no candidato Collor de Mello. Obviamente, a TFP recomenda que ninguém se abstenha de votar, que não vote em branco e não anule intencionalmente seu voto. Ao contrário destas atitudes negativistas, a recomendação da TFP é no sentido de que os eleitores consonantes com ela atuem a fundo em todos os ambientes em que se encontrem, recomendando por sua vez a todos os familiares, amigos, colegas etc., que não votem no candidato LULA e votem no candidato COLLOR. * * * Nesta eleição presidencial — e multo especialmente no segundo turno dela — o caráter ideológico, que tem sido tênue ou até inexistente nos diversos pleitos eleitorais deste século de República, se acentuou consideravelmente. Deve-se o fato a que a anterior figura política de Lula, sempre marcada por uma nota esquerdista, se radicalizou neste sentido, ao longo da atual campanha. Resulta isto, segundo tudo indica, do fato de terem tomado vulto preponderante nas fileiras do “lulismo” as CEBs, nas quais o público discerne a justo titulo um caráter radicalmente esquerdista. Evidentemente, os diversos diretórios políticos se deram conta do fato. E, não renunciando a ganhar votos na direita, ao mesmo tempo que procuravam ganhá-los à esquerda, se puseram a deitar incenso ora a esta, ora àquela. Entretanto, esse incenso não vem sendo distribuído de maneira igual. Em relação a personalidades e organizações tidas por antiesquerdistas, o incenso se vem alternando com atos de rejeição formulados com uma grosseria nada brasileira. Pois se lhes tem dito que seu apoio era desprestigiante, contraproducente e recusável. Esta corrida na recusa de votos vem constituindo até agora uma das estranhas característicos do atual momento político, já que toda propaganda eleitoral se define essencialmente como uma procura de sufrágios, e não como uma recusa destes. Só a partir do noticiário do dia 23 se nota uma atenuação dessa estranha atitude. Ainda assim, um dos resultados prováveis do presente comunicado pode ser que vários grupos gulosos de conquistar votos lulistas venham a fazer espalhafatosamente, em relação à TFP, as declarações de recusa que acabamos de referir. Recusa esta, que seria aliás perfeitamente inexplicável, pois a meta da TFP, no presente comunicado, não consiste em oferecer votos a ninguém. Esta entidade não vê na candidatura Collor senão uma contingência a ser aceita por assim dizer automaticamente — pelo eleitor, quer centrista, quer direitista — pois decorre de modo inexorável da candidatura Lula. Como acabamos de dizer, a moda política de apedrejar os amigos de direita parece estar começando a passar. Afinal, os comentadores políticos começam a se dar conta de que o grande espantalho nestas eleições não é a direita, nem o centro: é o “lulismo”. Não obstante, o “anti-TFPismo” tem seus fanáticos. E não é impossível que eles aproveitem a ocasião deste comunicado para dizer que rejeitam... o que não lhes estamos oferecendo. Essa perspectiva nos deixa indiferentes. Na atual conjuntura, mais ainda do que em anteriores, a TFP caminha cristãmente animosa, sobranceira a aplausos e apodos. Ela é responsável perante Deus e perante o País pela orientação que dê àqueles que a compreendem e nela confiam. E segue tranqüila e altaneira o caminho do dever, sugerindo ao público o procedimento que é mais conforme — disto está ela persuadida — aos mais altos interesses da Pátria e da civilização cristã.
São Paulo, 27 de novembro de 1989 Plinio Corrêa de Oliveira Presidente do Conselho Nacional da TFP SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE - TFP Rua Dr. Martinico Prado, 246 — CEP 01224 — São Paulo — Tel. (011) 221-8755 |