Plinio Corrêa de Oliveira

 

Anticonsumismo, glorificação do ócio

e da indigência

 

 

"Catolicismo", n° 536, agosto de 1995

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Interior do Teatro de Manaus (Amazônia) 

A indolência própria de muitas das populações que viveram 50 anos ou mais sob a tirania comunista era acentuada pelo fato de que, nesse regime, todos tinham de trabalhar mais ou menos gratuitamente para o Estado. Em compensação, exigia-se-lhes pouco trabalho, o qual aliás era realizado sem maior preocupação, porque ninguém – salvo os privilegiados da nomenklatura – tinha direito de assegurar para si uma melhoria de condições de vida, obtida sistematicamente em função do aumento qualitativo e quantitativo de seu trabalho.

Assim, o modo de viver era vegetar. Mas vegetar, sob certo ponto de vista, é descansar. E o mero descanso, ainda que na indigência, para muitos indivíduos ou até para muitos povos, é um estilo de gozar a vida próprio aos fracassados.

Introduziu-se assim, nessas populações, a idéia de que trabalhar muito para produzir muito não compensa a fadiga de trabalhar, a preocupação de estar excogitando negócios e o temor do prejuízo geralmente acarretado por negócios mal feitos. Todo este fardo de esforços e apreensões pesa sobre o homem, e não compensa – segundo esses apologistas da preguiça – o esforço que exige. Mais vale a pena trabalhar o menos possível, comer igualmente o menos possível, descansar muito, embriagar-se muito... do que trabalhar muito, consumir com fartura e melhorar constantemente o próprio nível de vida. 

O indispensável, o conveniente e o supérfluo

O que vem a ser aí consumir?

A primeira idéia que salta ao espírito é a de comer, o que certamente está incluído no conceito de consumo. Porém, consumir significa também ter na vida ainda outros regalos, não necessariamente os do magnata de Mamon (ao qual estão abertas as portas do alto consumo), mas regalos que proporcionam bem-estar ao homem, numa proporção maior ou menor, conforme as apetências de sua natureza.

A palavra consumir abrange portanto o conjunto daquilo que apetece às justas temperanças da natureza humana.

No âmbito do consumo de uma cidade podem estar bens que de modo algum são necessários para matar a fome, e nem são, em rigor, indispensáveis para viver, como, por exemplo, três ou quatro grandes teatros, nos quais haja permanentemente exibições artísticas de grande valor, a que uma parcela da população, afeita a esses espetáculos, vai assistir.

Na mesma ordem de idéias estariam um ótimo museu, uma galeria de arte, um excelente metrô.

O conceito de consumo inclui, pois, tudo aquilo que é indispensável para o homem viver; mas inclui também o conveniente, e no conveniente, até o supérfluo, que torna a vida agradável.

Uma mãe de família entra numa loja e vê um bibelô de porcelana representando uma pastora conduzindo um cordeirinho; julga ela que seria agradável tê-lo no centro da mesa de sua sala de estar: ela compra, ela consumiu. Ela não vai comer aquele objeto de porcelana; adquiriu-o apenas para que todos o olhem. Entretanto, é um verdadeiro consumo. 

Tese tipicamente socialista

Vai nascendo agora uma tese. E, se se lhe der toda a atenção, notar-se-á desde logo um cunho socialista característico: dado que uns têm muito e outros têm pouco, é preciso que os que têm muito fiquem só com o indispensável para viver e dêem todo o supérfluo aos demais. Porque se eles reúnem em torno de si objetos de luxo, de conforto, eles com isso consomem muito. Correlativamente comem muito, bebem muito, gozam de férias faustosas, quando viajam é de avião, preferivelmente com avião próprio, possuem campo de aviação na sua propriedade rural, campo de pouso para helicóptero no jardim da casa etc.

Ora, segundo os anticonsumistas, aquilo que não é indispensável para viver, o homem não o deve ter. Assim, ninguém tem direito de gastar com helicópteros, nem com viagens, nem com bibelôs: todos devem gastar para vantagem de todos.

Quem for trabalhador, aquele a quem Deus dotou com maior capacidade de trabalho, se ele der para os outros o fruto de seu trabalho, esse procede bem. Mas se ele acumula, para depois consumir consigo ou com os seus, é um egoistarrão.

Resultado: numa sociedade na qual ninguém tem vantagem em trabalhar mais do que os outros... ninguém trabalha mais do que os outros! É uma sociedade organizada em vantagem dos preguiçosos, com prejuízo dos trabalhadores autênticos, dos diversos níveis sociais.

Nessa sociedade, praticamente desaparece a abundância.

Voltaire, homem péssimo, ateu desprezível, mas que tinha certo espírito – com o qual, aliás, fez grandíssimo mal à tradição européia, difusor encarniçado que foi dos princípios da Revolução – Voltaire, entretanto, lançou uma frase ao mesmo tempo espirituosa e não desprovida de profundidade: "O supérfluo, essa coisa tão indispensável..."

É o contrário do que inculca o anticonsumismo.

Para que haja estímulo a que se trabalhe, é preciso dar a quem trabalha a devida compensação. A fim de aproveitar em benefício da sociedade os mais capazes, os mais eficientes, os mais produtivos – numa palavra, os melhores – é preciso que ganhem mais. Se tal não ocorrer, a sociedade amolece e cai no não-consumismo. E daí resvala para um estado de pobreza crônica, preguiçosa, mofada, que tende, em última análise, para a barbárie. 

Nações ricas e pobres: dicotomia especiosa

Segundo uma concepção muito difundida – e que, por exemplo, encontrou guarida em não poucos participantes da Conferência do Cairo – o mundo se divide em duas partes: as nações ricas e as nações pobres.

As nações ricas consomem: são os Estados Unidos, o Canadá, os países da Europa ocidental, a Austrália, a Nova Zelândia, o Japão.

De outro lado estão as nações da América Latina, da África, da Ásia, que não têm o nível econômico das anteriores.

Então – segundo os propugnadores do anticonsumismo – a América do Norte, a Europa ocidental, o Japão etc., nações consumistas, oprimem as nações pobres, defraudando-as em toda espécie de negócios. Conseqüentemente, as nações espoliadas, não-consumistas, devem fazer uma contra-ofensiva ao mundo consumista, obrigando-o a reduzir o seu nível de consumo, e nivelando-o por baixo com o mundo pobre.

Com isso, todos cairão numa situação parecida àquela a que a ditadura comunista arrastou a Rússia e as nações satélites do antigo império soviético. E, também, análoga à em que o velho governante de Cuba mantém seus infelizes compatriotas. 

 

Aspectos do Mercado Municipal de São Paulo, na capital paulista 

A favor de um consumismo criterioso e proporcionado

Em face desse anticonsumismo retrógrado, devemos propugnar um consumismo criterioso, proporcionado, em que as nações mais ricas, longe de imporem às mais pobres condições de vida quase insustentáveis, procurem, pelo contrário, estimular a produção desses irmãos pobres, proporcionando-lhes salários e níveis de existência alentadores, os quais dêem a estes o gosto de um consumo saboroso e aprazível, que os estimule a trabalhar sempre mais.

"Dinheiro – deveriam dizer os povos mais ricos – podereis obter de nós, desde que trabalheis. Sede homens produtivos, procurai atrair sobre vós, à força de trabalho, todo o bem que desejardes. Só se baldados, sem culpa vossa, esses meritórios esforços, estendei-nos a mão para pedir ajuda. Reconhecemos, em tal caso, que será obrigação nossa atender vosso justo pedido, de modo que renunciaremos de bom grado ao que nos é supérfluo, para assim vos proporcionar o que vos é necessário".

Fazer do convívio mundial uma liga em que os povos mais capazes trabalhem inutilmente, sem vantagem própria, em benefício dos incapazes, preguiçosos, vadios... isso é inaceitável.

A glorificação da vadiagem é própria do socialismo e do comunismo, não da civilização cristã e da doutrina católica.

É, entretanto, para onde conduz o anticonsumismo, ocioso e beberrão, inimigo da civilização, do bem-estar e do bem viver de todos os homens.


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