"Catolicismo", n° 502, Outubro de 1992 (www.catolicismo.com.br)

O caminho estreito que não tem saída

É compreensível que, no vórtice da presente crise política – talvez a mais aguda que o Brasil tenha conhecido – as atenções convirjam todas para uma pergunta carregada de ansiedade: "O que será do dia de amanhã?"

Entretanto, nem todos se dão conta de que, paralelamente, nosso País vai sendo lançado para outra crise ainda mais grave. Põe ela em risco dois princípios fundamentais da civilização cristã, que são também dois pilares da ordem sócio-econômica no Brasil. Esses princípios são o da propriedade privada e o da livre iniciativa.

Com a queda da cortina de ferro, patentearam-se aos olhos de todas as nações a miséria e o caos em que a completa transgressão desses princípios, pelo regime comunista, havia lançado as imensidades abrangidas na denominação de URSS. Solícitos acorreram os países do Ocidente, logo depois da "descomunistização", a proporcionar ao mundo ex-soviético recursos ciclópicos de toda ordem, a fim de ajudar os povos que o desmoronamento da URSS deixava livres, e lhes proporcionar a saída do lamaçal escuro em que se haviam atolado.

Mas, por fim, a generosidade ocidental começou a dar mostras de cansaço diante da inutilidade desses auxílios, causada por um fator negativo, de cuja presença na crise dos países ex-comunistas poucos haviam suspeitado. Fator este todo psicológico e clamando por sua solução. E, pois, exigindo a mobilização de toda paciência e competência sem as quais fatores desta natureza são insuscetíveis de solução.

Em duas palavras, 74 anos de totalitarismo policialesco e de dirigismo presentes em todos os campos da atividade humana haviam quebrado na população os molejos psicológicos necessários para que a livre iniciativa se pusesse energicamente em movimento e, acionando o instituto da propriedade privada, começasse a sair, por fim, do miserabilismo preguiçoso e beberrão, inerte e infrutífero em que jaziam as nações comunistas.

E, enquanto estudam atônitas o dédalo de problemas daí decorrentes, as nações do Ocidente vão, à uma, desmobilizando seus partidos comunistas e socialistas, desativando o que há de estatismo hipertrofiado em seu sistema de produção, e, enfim, caminhando em sentido oposto ao que produzira, na finada URSS, uma das maiores catástrofes psico-sociais, políticas e econômicas de que a História dê notícias.

Assim, é fácil conceber a indignação causada em todos os ambientes sadios da população com o conhecimento de que, dentro da tempestade política em que estamos, parlamentares brasileiros não tiveram dúvidas em dar acelerado andamento aos projetos de lei 11D/91 e 71B/89, sobre Reforma Agrária, e provavelmente farão o mesmo com o projeto de lei 5.788/90, sobre Reforma Urbana, que, sob a alegação de regulamentar os dispositivos do Título VII, Capítulos II e III, da Constituição Federal, visam instaurar no Brasil as duas mais gigantescas reformas até aqui propostas por legisladores não declaradamente comunistas.

Trata-se, em primeiro lugar, de uma Reforma Agrária que coloca em mãos do Estado todo o "ager" brasileiro, reduzindo grandes, pequenos e médios proprietários mais ou menos à condição de mujiques, através de uma engrenagem de desapropriações rápidas, a preço vil, pago pelo Poder Público com Títulos da Dívida Agrária, desvalorizados e resgatados parceladamente ao longo de 20 anos. Como se vê, seria difícil imaginar pior.

Impossível é entrar aqui em mais pormenores sobre a devastação sem nome que tal reforma imporia à vida rural brasileira.

Um só exemplo dessa tirania pode dar idéia do que seria o Brasil agro-reformado. Não serão suscetíveis de desapropriação os imóveis rurais de pequenas proporções, aliás mal definidas pelo projeto de lei 11D/91. Mas esta imunidade agrária cessará desde que o proprietário contrate, em caráter habitual, um – um só! – trabalhador extrínseco à família. Pois nessa pequena propriedade só poderão trabalhar o casal proprietário e seus filhos.

Segundo dispõe o projeto de lei, a terra, se bem aproveitada, deve absorver toda a capacidade de trabalho da família. Em conseqüência, imagine-se uma família recém-constituída, e que conta ir tendo filhos no decurso dos anos. É fácil conceber a que complicações e riscos expropriatórios ela fica sujeita no caso de, contra a expectativa habitual, o matrimônio ficar estéril, ou de ser muito reduzido o número de filhos que dele efetivamente nasçam. Como ainda, se, por algum acidente de trabalho ou de qualquer outra natureza, o pai, a mãe ou alguns filhos ficarem reduzidos à definitiva invalidez.

Quanto à Reforma Urbana, prolixa, despótica, mais totalitária quiçá que a Reforma Agrária, basta mencionar o disposto pelos artigos 24 a 26 do projeto de lei 5.788/90. Quando, em qualquer cidade de mais de 20 mil habitantes, se tratar de comprar ou vender um imóvel não construído, em áreas delimitadas por lei municipal, o vendedor é obrigado a comunicar à Prefeitura o preço que tenha encontrado. Se esta quiser, terá preferência obrigatória para a aquisição do terreno. Outros três projetos de Reforma Urbana, igualmente em tramitação, vão além, e estendem esse direito de preempção a quaisquer outros imóveis, construídos ou não!

Pode-se imaginar o gigantismo desconcertante do aparelhamento burocrático que, para exercer tal direito de preempção, as Prefeituras do Brasil inteiro terão que montar, bem como a burocracia, mole, tardia e politiqueira que nesse emaranhado de funcionários se há de instalar.

Mas há mais. Se a Prefeitura quiser, poderá obrigar o proprietário a vender-lhe o imóvel por preço inferior ao oferecido pelo candidato a comprador. Bastará que ela organize uma arbitragem sobre o preço "justo" (cfr. art. 26, § 1º), que o proprietário fica na obrigação de vendê-lo por este preço...

Tudo isto explica a inconformidade absoluta do povo com essas reformas, que tão bem poderiam quadrar com os planos de qualquer partido comunista do mundo.

Tal inconformidade, por sua vez, explica bem o sucesso do abaixo-assinado promovido pela TFP a partir do dia 11 de agosto p.p. Nesse abaixo-assinado se pede a realização de um Plebiscito ou Referendo (na forma dos arts. 1º, § único e 14, I e II da Carta Magna), para saber se realmente o eleitorado deseja essas leis cuja promulgação equivaleria a um forte empurrão que atiraria o Brasil aos bordos da situação em que se encontra a Rússia.

Em apenas 21 dias, cerca de 300 coletores de assinaturas, Sócios e Cooperadores da TFP, trabalhando abnegadamente de sol a sol, e mais os nossos bravos Correspondentes, atuando nas horas de lazer, em 68 cidades, já obtiveram 745.830 assinaturas. E com quanto calor, com quanto entusiasmo afluem a esses coletores, brasileiros de todas as classes sociais e profissões.

Assim, atendendo à iniciativa da TFP, essas multidões que o abaixo-assinado já começou a aglutinar, pedem simplesmente a nossos homens públicos que ponderem toda a impopularidade desses projetos de lei e, pois, a inadequação deles a um regime que se proclama democrático.

Das apertadas saídas que alguém possa excogitar para o Poder Público nesta emergência, uma é simplesmente inviável para ele: não convocar o Plebiscito.