Catolicismo, N.° 449, Maio de 1988 (www.catolicismo.com.br)

 

Reforma Agrária — Reforma Urbana – Reforma Empresarial

O Brasil em jogo

 

Mensagem da TFP aos Srs. Constituintes e ao público em geral

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

IMAGINE UM BRASIL subitamente modificado:

1. Fazendeiros grandes transformados em mé­dios, muitos dos médios transformados em peque­nos, tudo caminhando para uma estrutura rural só de trabalhadores manuais, cultivando terras em­prestadas peio Estado;

2. Os imóveis urbanos transformados em cor­tiços, sob pretexto de falta de habitação. E os alu­guéis congelados em pleno processo inflacionário;

3. As empresas industriais e comerciais dirigi­das pelos patrões, com participação dos operários na propriedade, na direção e nos lucros delas ou, por outra, essas empresas dirigidas pelos operários, com participação dos patrões na direção, nos lucros e na propriedade.

Que diz o Sr. da perspectiva destas três reformas?

Por certo lhe vem ao espírito uma exclamação: esse seria um Brasil a dois passos do comunismo.

Pois foi com a aprovação do Cap. I do Título VII do Projeto de Constituição sobre a ordem eco­nômica e financeira que o Brasil começou a sub­mergir nesse sinistro atoleiro.

E enquanto isso se fazia, muito grande parte dos proprietários agrícolas, urbanos ou empresa­riais, invadidos por uma desconcertante narcose, dormiam.

Mas a TFP vigiava. E publicou na "Folha de S. Paulo", em vésperas de iniciar-se o debate sobre essas reformas, um impressionante comunicado do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira intitulado "Ao tér­mino de décadas de luta, cordial alerta da TFP ao Centrão".

Além disso, no dia 28 de abril, o Escritório da TFP em Brasilia distribuiu aos Srs. Constituintes um importante estudo de 21 páginas fazendo um cotejo entre os projetos de Constituição da Comis­são de Sistematização e do Centrão, ao mesmo tempo que analisa a política deste último, inexpli­cavelmente concessiva à esquerda. Tal estudo, in­titulado "Reforma Agraria — Reforma Urbana — Reforma Empresarial: o Brasil em jogo", também da autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, apre­sentaremos a nossos leitores.

 

I - TFP: um alerta para que a Constituinte não aceite o abraço "amigo" do urso vermelho

APROXIMA-SE PARA a Assembléia Nacional Constituinte, como para o Brasil inteiro, o momento augusto de gravíssimas op­ções. Destas dependem a prosperidade e o progresso do País, e, mais do que isso, sua perseverança nos rumos abençoados da civilização cristã.

De fato, com a votação do art. 6°, § 39, definiu a Constituinte os termos em que entende a propriedade privada. E fixou o norte se­gundo o qual pretende proceder na votação do Título VII, sobre a ordem econômica e financeira.

Ora, sucede que sobre essa matéria já contêm inestimáveis ensi­namentos o Antigo e o Novo Testamento. Sobre ela têm versado Dou­tores, Pontífices e moralistas ao longo dos vinte séculos de existência da Igreja. E todos têm sido unânimes em afirmar que a propriedade privada se baseia em princípios imutáveis da ordem natural estabele­cida por Deus e corroborada pela Revelação. Assim, tais princípios constituem fundamentos da civilização cristã. E esta cessa ipso facto de existir quando a ordem social e econômica deixa de se basear neles.

Ou seja, quando suprime a propriedade privada, um povo se ex­patria do âmbito abençoado da civilização cristã. E o mesmo lhe su­cederá se, proclamando embora o princípio da propriedade privada em termos altissonantes, sua legislação constitucional ou ordinária de tal maneira chega a restringí-lo e a minguá-lo, que o lança nas vias de um deperecimento irreversível.

A supressão drástica do instituto da propriedade privada — co­mo da livre iniciativa e da família, que constituem com ela uma trilo­gia indissociável — foi a meta clássica do movimento comunista in­ternacional, desde seus primórdios com Marx até meados dos anos 50. Mas, de então para cá, o comunismo, sensível ao fato de que não conseguira conquistar para si, pela censura omnímoda, pela propa­ganda ensurdecedora e a repressão policialesca brutal, o consenso dos povos, mudou ele de tática. De proclamador estentórico de suas má­ximas, transformou-se em difusor velado e ardiloso das mesmas. De polemista fogoso e exacerbado, verdadeiro bulldozer aplicado con­tra a cidadela da civilização cristã, passou a fazer-se de opositor dia­logante e macio. Em uma palavra, a mesma mão que outrora carre­gava as bombas de dinamite com que intentava pôr abaixo a proprie­dade privada, a livre iniciativa e maximamente a família, deixou de lado essas bombas e se estendeu aos católicos, como expressão de que intentava inaugurar com eles a famosa "política da mão estendida": a mesma política que o urso oferece instintivamente ao homem quando lhe abre velhacamente os braços.

Assim, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade-TFP, a qual, desde sua fundação em 1960, vem apon­tando até hoje na família, na propriedade privada e na livre iniciati­va princípios naturais inalteráveis que constituem o fundamento da civilização vigente, se impostou com a maior atenção na observação cristã e patriótica do que sobre essas matérias debatesse a Assembléia eleita pelo País, para dotá-lo de nova Constituição.

Estando na índole do regime democrático vigente que os srs. le­gisladores se mantenham continuamente atentos às aspirações e rei­vindicações emanadas de todos os setores da opinião pública, a TFP empreendeu, ao longo dos trabalhos da Constituinte, múltiplas iniciativas destinadas a fazer conhecer seu pensamento sobre o texto cons­titucional em gestação, primeiramente nas subcomissões e comissões temáticas, e a seguir na Comissão de Sistematização.

Trinta anos, pois, de luta indômita contra a Reforma Agrária so­cialista e confiscatória. Nas múltiplas obras que constituem marcos desta luta, foram numerosos os prognósticos feitos em escritos ema­nados da TFP, de que essa Reforma acarretaria consigo – como que trazendo-as pela mão — a Reforma Urbana e a Reforma Empresa­rial e, em conseqüência, a total socialização do Brasil. O que, de pas­sagem, importa notar.

Este longo prélio de três décadas teve sua continuidade afirmada de fevereiro de 1987 até abril de 1988, na vigilância patriótica inin­terrupta, voltada em espírito de colaboração para os trabalhos da co­lenda Assembléia Nacional Constituinte. Ao longo destes quinze me­ses, em várias oportunidades a TFP se dirigiu, em caráter oficial, aos Srs. Constituintes, bem como ao público (cfr. Elenco das atividades da TFP em vista da atual Constituinte, em apêndice). E nesta fase conclusiva e final, em que estes se acham na alternativa de recusar ou de aceitar a "mão estendida" que lhes oferece o urso vermelho, mediante astuta e dissimulada infiltração de vários princípios do mar­xismo no texto constitucional em elaboração, mais uma vez a TFP se volta para os Srs. componentes da magna Assembléia, em espírito de cooperação respeitosa e cordial, com o fito de os alertar a que não estreitem a mão insidiosa que assim se lhes estende. E que rejeitem o abraço "amigo" com o qual os convida à confraternização o urso vermelho.

 

II - Conforme vote a Constituinte, curta caminhada nos ficará separando da efetivação do regime comunista

EM VÁRIOS DISPOSITIVOS presentemente submetidos ao vo­to dos Srs. Deputados e Senadores, ou prestes a entrar em votação, se afirmam princípios e se traçam preceitos que importam em lançar o País em reformas que, sem terem a radicalidade absoluta das trans­formações visadas pelo comunismo internacional mais ou menos até meados da década de 50, colocam a propriedade individual, a livre iniciativa, a Saúde pública e o Ensino – e com eles a família — no sinistro tobogã que nos conduz ao regime comunista.

Realmente, em alguns de seus dispositivos, os textos em votação iniciam a passos largos — nas Reformas Agrária e Urbana — a curta caminhada que ainda nos separa do comunismo, e deixam aberta a porta para que cooperem nesse sentido as leis ordinárias consecuti­vas à Constituição.

Em outros pontos, os projetos e emendas esquerdistas mais se li­mitam a afirmar princípios jurídicos que preparam a futura interpre­tação da Constituição e a elaboração de novas leis num sentido pró-comunista. É o que ocorre com as Reformas da empresa industrial ou comercial (cfr. Projeto de Constituição angustia o País, pp.158 a 162).

Por fim, nos atinentes às Reformas da Educação e da Saúde, encontra-se promiscuamente de tudo: dispositivos drásticos, claros ou velados, ou ainda meramente preparatórios da instalação do regi­me comunista.

 

III – O Centrão na alternativa: reagir para vencer -­ ou ceder para não perder

COMO TANTAS OUTRAS entidades alarmadas com o perigo a que esse cinturão de reformas expõe o Brasil, a TFP acolheu com simpatia e esperança a formação do Centrão (cfr. O "Centrão" abre uma réstia de luz no quadro da angústia nacional, encarte introduzi­do como Nota ao Leitor na 2ª. tiragem de Projeto de Constituição angustia o País). Manda a verdade que se diga não estar ele corres­pondendo, senão em exígua parte, a essas esperanças. É o que indica a diferença — muito menos marcante do que fora de se esperar de início – entre as proposições dele e as da esquerda. Tal decorre, pre­sumivelmente, da tática bem-amada por todos os espíritos propensos às acomodações, aos arranjos e às concessões excessivas, e temerosas de todo e qualquer risco. Essa tática é condensada na triste fórmula "ceder para não perder".

À vista disso, é razoável esperar ainda no Centrão?

A questão tem sido debatida menos na mídia que nos diversos am­bientes da vida quotidiana e privada, lares, clubs, locais de trabalho ou de lazer. Não é este o momento de dar resposta a tal pergunta, mas principalmente de aproveitar esses supremos instantes para con­vidar o Centrão a não se manter numa política concessiva e timora­ta, que o prive — e à classe dos proprietários como a dos trabalhado­res rurais — das vantagens e das glórias que com uma conduta firme e vitoriosa obteria. Tal conduta valeria aos Srs. Deputados e Sena­dores o agradecimento perene dos brasileiros.

Obviamente, toda confrontação traz riscos. Mas quem enfrenta uma situação crítica com ânimo de tal maneira securitário que não encara como viáveis senão as soluções inteiramente sem risco, este já entra na luta resignado às mais onerosas concessões. O que o opo­sitor facilmente percebe, sentindo-se em conseqüência estimulado para as mais extremadas exigências.

Não é este o caminho da vitória. Pois não há vitórias sem riscos. Adotar por princípio a tática da resignação com o mal menor, ainda que este seja imenso, é capitular. E renunciar à vitória, como tam­bém à glória.

Com efeito, segundo disse Corneille, "à vaincre sans péril, on triomphe sons gloire" (Le Cid, II, 2). — Quem vence sem riscos al­cança um triunfo sem glória.

Augurando que estas considerações produzam nas simpáticas fi­leiras do Centrão o efeito desejável, resta, na parte IV do presente estudo, confrontar entre si os dispositivos do Projeto elaborado pela Comissão de Sistematização (Cabral 3) e as emendas coletivas pro­postas pelo Centrão.

 

 

IV - As emendas propostas pelo Centrão pouco se afastam do texto da Comissão de Sistematização. E com isto deixam gravemente vulnerados os princípios da propriedade privada e da livre iniciativa

O OBJETO DO PRESENTE comentário consiste em esclare­cer os Srs. Constituintes, cujo espírito está naturalmente lotado por preocupações de toda ordem, a respeito do que seja o ponto de vista da TFP no tocante ao grave dever que a eles ora incumbe, de optar entre as propostas reformistas expropriatórias (melhor se diria con­fiscatórias) de índole agrária, urbana e empresarial (comercial ou in­dustrial), atualmente em foco na Assembléia Constituinte. Pois, em virtude do regimento desta última, é só o que lhes resta fazer no momento.

Considerada a matéria de um ponto de vista mais vasto, presta-se ela a muitos outros comentários.

Destes, os que caberia à TFP fazer já foram formulados no livro Projeto de Constituição angustia o País (Plinio Corrêa de Oliveira, "Catolicismo", edição especial, outubro de 1987, 210 pp.). Nos tó­picos pertinentes do presente estudo, serão indicadas as páginas des­se livro em que a matéria vem versada.

Capítulo I

Dos princípios gerais, da intervenção do Estado, do regime de propriedade do subsolo e da atividade econômica

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 199. A ordem econômi­ca, fundada na valorização do trabalho humano e na livre inicia­tiva, tem por fim assegurar a to­dos existência digna, conforme os ditames da justiça social e os se­guintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente;

VII - redução das desigualda­des regionais e sociais;

VIII - pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas nacionais de pe­queno porte.

Parágrafo único. É assegura­do a qualquer pessoa o exercício de todas as atividades econômi­cas, independentemente de auto­rização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

CENTRÃO

Art. 199. A ordem econômi­ca, fundada na livre iniciativa e na valorização do trabalho huma­no, tem por fim assegurar a to­dos existência digna, conforme os ditames da justiça social, obser­vados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente;

VII - redução das desigualda­des regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de pequeno porte.

Parágrafo único. À iniciativa privada compete, preferencial­mente, organizar e desenvolver a atividade econômica. É assegura­do a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autoriza­ção de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

 

COMENTÁRIO

"Busca do pleno emprego": nesta pequena modificação do inci­so VIII, pleiteada pelo Centrão, se afirma como dever efetivo do Es­tado, envidar os esforços conducentes a obter o pleno emprego.

A alteração suaviza algum tanto a interpretação — absurda, na realidade — do texto da Sistematização, segundo a qual o Estado se­ria obrigado a proporcionar pleno emprego a todos, por mais árduo e oneroso para o bem comum que isto fosse.

O acréscimo no parágrafo único do art. 199, proposto pelo Cen­trão, restringe consideravelmente o caráter marcadamente estatista do Projeto da Comissão de Sistematização, pois reconhece à livre ini­ciativa uma participação rectrix na direção da economia nacional con­siderada enquanto um todo.

E, ao mesmo tempo, o Centrão cuida de reconhecer ao Estado uma participação não preponderante na mesma matéria.

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 202, § 4° A lei reprimirá a formação de monopólios, oligopólios, cartéis e toda e qualquer forma de abuso do poder econômico que tenha por fim dominar o mercado, eliminar a livre con­corrência ou aumentar arbitraria­mente o lucro.

CENTRÃO

Art. 202, § 3° A lei reprimirá a formação de monopólios, oli­gopólios, cartéis e toda e qualquer forma de abuso do poder econômico que tenha por fim dominar o mercado e eliminar a livre concorrência.

 

COMENTÁRIO

O projeto da Sistematização parece considerar intrínseca e grave­mente nocivas à economia as formas de agrupamento de capitais que enumera.

Em concreto, têm sido muitos os casos em que esses agrupamen­tos se têm prestado a abusos econômicos e financeiros altamente no­civos, tanto ao interesse público quanto aos interesses particulares.

Desse fato decorre que o assunto merece ser disciplinado por lei.

Em se tratando de matéria de tal importância, parece indispensá­vel que a Constituição corte explicitamente o passo a quaisquer com­binações capazes de defraudar o disposto no presente artigo. De on­de seria preferível que a emenda do Centrão fosse formulada nos se­guintes termos:

- "A lei reprimirá a formação de monopólios, oligopólios e car­téis, quer sejam constituídos por entidades estatais ou paraestatais, quer por entidades privadas, quer ainda por umas e outras".

* * *

A expressão "aumentar arbitrariamente o lucro", presente no texto da Comissão de Sistematização, presta-se, na prática, a interpreta­ções que podem chegar a afetar a própria livre iniciativa.

A TFP propõe a supressão dessas palavras, com fundamento nos seguintes motivos:

1°) São inúteis, uma vez que a parte anterior já contém a proibi­ção visada. Isto é, o "aumento arbitrário do lucro" é comumente fruto de monopólios ou oligopólios.

2°) As palavras "aumentar arbitrariamente o lucro" conferem ao Poder Público uma capacidade de intervenção praticamente ilimita­da no terreno econômico e financeiro. Pois bastará que qualquer com­binação econômica "aumente arbitrariamente o lucro" das partes, para que o Poder Público possa considerar-se investido em poderes constitucionais para intervir. O que, além de favorecer temerariamente a socialização do País, cria uma insegurança geral nos negócios.

3°) Tanto mais é isto verdadeiro quanto a palavra "arbitrariamen­te" carece de toda aquela clareza indispensável em matérias de tal importância.

Com efeito, segundo a linguagem corrente, "arbitrariamente" po­de ter dois significados distintos:

— de modo artificial, forçado, leonino, porque vantajoso exclu­sivamente para um lado;

— por exclusiva iniciativa própria, sem atender a algum critério
fixado por lei, ou por repartição pública credenciada para tal.

Ora, nesta segunda acepção, desaparece a livre iniciativa, e a di­reção da economia passa para as mãos do Poder Público.

O Centrão faz portanto bem em pedir a eliminação dessa expressão.

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 205. As jazidas, minas e demais recursos minerais e os po­tenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta dado solo, para efeito de explo­ração ou aproveitamento indus­triai, e pertencem à União.

CENTRÃO

Art. 205. As jazidas, minas e demais recursos minerais e os po­tenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de explo­ração ou aproveitamento.

 

COMENTÁRIO

Já a Constituição de 1934 tinha disposição algum tanto análoga. E na mesma linha vieram se afirmando as Constituições sucessivas e a correspondente legislação ordinária. Entretanto, segundo o direi­to natural, a propriedade do solo implica obviamente na do subsolo.

A proposta do Centrão remedeia, pelo menos em parte, o incon­veniente da proposta da Sistematização, pois reproduz o texto desta última, suprimindo embora as palavras finais: "e pertencem à União".

 

Capitulo II

Da política urbana

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 214. A propriedade urba­na cumpre sua função social quando atende às exigências fun­damentais de ordenação da cida­de, expressa em plano urbanísti­co, aprovado por lei municipal, obrigatório para os municípios com mais de cinqüenta mil habitantes.

CENTRÃO

Art. 212. A política de desen­volvimento urbano executada pe­lo poder municipal, conforme di­retrizes gerais fixadas em lei com­plementar, tem por objetivo or­denar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Parágrafo 1° O plano diretor, aprovado pela Câmara Munici­pal, obrigatório para cidades aci­ma de cinqüenta mil habitantes, é o instrumento básico da políti­ca de desenvolvimento e de ex­pansão urbana. (...)

Parágrafo 3° A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende as exigências fun­damentais de ordenação da cida­de expressa no plano diretor.

 

COMENTÁRIO

A Sistematização confere, portanto, aos incontáveis Municípios brasileiros com população superior a 50 mil habitantes, uma liberda­de ilimitada no estender, a seu bel-prazer, as aplicações do princípio, aliás indiscutível, da função social da propriedade.

Ora, sucede que, sobre vários aspectos teóricos, teórico-práticos e práticos do princípio da função social campeiam ainda graves desa­cordos, até mesmo entre os mais entendidos. De onde decorre que, sobretudo em se tratando de municípios de importância menos do que média ou média, desprovidos de técnicos enfronhados nas com­plexidades da subtil temática, a propriedade privada fica sujeita a in­terpretações caprichosas do que seja a verdadeira amplitude do prin­cípio da função social. O que vale dizer que o direito de propriedade ficará exposto em muitos casos a restrições arbitrárias e feitas a "olhômetro", influenciáveis facilmente por querelas individuais ou partidárias.

Tanto mais isto é de temer, quanto a proposta da Sistematização se omite de incluir a menção de qualquer princípio capaz de coibir os graves e antipáticos abusos a que a liberdade municipal, conferida por ele, pode dar lugar.

As mesmas disposições são acolhidas na emenda do Centrão art. 212, caput e parágrafos l° e 3°.

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 214, § 1° A população do município, através da manifesta­ção de, pelo menos, cinco por cento de seu eleitorado, poderá ter a iniciativa de projetos de lei de interesse especifico da cidade ou de bairros.

CENTRÃO

Art. 212, Parágrafo 2° A po­pulação do município, através da manifestação de, pelo menos, cin­co por cento de seu eleitorado, poderá ter a iniciativa de proje­tos de lei de interesse específico da cidade ou de bairros, na for­ma do artigo 31, VI.

 

COMENTÁRIO

Tanto neste dispositivo proposto pelo Centrão, quanto no cor­respondente art. 214, § 1° do projeto da Sistematização, omite-se uma indispensável garantia de autenticidade da fração de eleitorado, au­tora do eventual projeto de lei. É que o pronunciamento dos eleitores seja necessariamente feito por escrito, com menção do nome, en­dereço e profissão de cada qual.

A faltar essa garantia, qualquer grupo tumultuário de "piquetei­ros", facilmente reunidos adrede, pode dar a ilusão de constituir 5% do corpo eleitoral, assim avaliado pelos olhos de alguma autoridade complacente.

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 214, § 2° As desapropria­ções de imóveis urbanos serão pa­gas previamente, em dinheiro, fa­cultado ao Poder Público muni­cipal, mediante lei específica pa­ra área territorial incluída em pla­no urbanístico aprovado pelo Po­der Legislativo, exigir, nos termos da lei, do proprietário do solo ur­bano não edificado, não utiliza­do ou subutilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de par­celamento ou edificação compul­sórios, estabelecimento de impos­to progressivo no tempo e desa­propriação com pagamento me­diante títulos da dívida pública, de emissão previamente aprova­da pelo Senado Federal, com pra­zo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessi­vas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

CENTRÃO

Art. 212, Parágrafo 4° As de­sapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa in­denização em dinheiro.

Parágrafo 5° É facultado ao Poder Público municipal, me­diante lei específica, para área in­cluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edi­ficado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveita­mento, sob pena, sucessivamen­te, de parcelamento ou edificação compulsórios, imposto progressi­vo no tempo e desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública, de emissão pre­viamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os ju­ros legais.

 

COMENTÁRIO

A proposta do Centrão elimina a referência a imóveis "subutili­zados". Nada mais justo e razoável. Pois os critérios de subutìliza­ção podem variar ao infinito, segundo os caprichos do legislador, prestando-se assim de instrumento a injustiças e a vendetas indivi­duais, ou então de clãs econômicos ou político-partidários, bem como a reivindicações demagógicas dos bem conhecidos atiçadores da luta de classes. Tanto mais que, em circunstâncias psico-políticas ou sócio-econômicas particularmente tensas — e elas pululam no Brasil hodierno — a legislação ordinária facilmente se torna

"mobile qual piuma al vento".

E, ainda segundo o Rigoletto,

"mutta d'accento e di pensier"'.

Esta modificação proposta pelo Centrão é absolutamente necessária.

* * *

O art. 214, § 2° da Sistematização, e o correspondente art. 212, § 5° do Centrão, dispõem o mesmo no tocante à cascata de sucessi­vas penalidades que fazem chover sobre o proprietário urbano omis­so no atendimento da legislação normativa do desenvolvimento urbano.

Do que acaba de ser visto, se conclui que a Sistematização e prin­cipalmente o Centrão se mostram consideravelmente mais circunspec­tos na ofensiva contra a empresa privada, e a propriedade privada urbana, do que quanto à propriedade rural.

A fim de calçar esta afirmação bastaria atentar para o sistema de punições gradativo, só ao fim do qual se aplica a desapropriação ur­bana, com o pilão esmagador da Reforma Agrária que despenca ino­pinadamente sobre o proprietário rural visado pela lei.

Entre o sistema da cascata e o sistema do pilão, é bem mais cruel o segundo.

Mas uma pergunta permanece de pé. Nos conciliábulos ultra-reservados em que se vêm forjando os acordos Sistematização-­Centrão, é bem certo que este último não poderia ter oposto obstá­culo eficaz, quer à cascata, quer ao pilão? Incógnita sobre a qual a mídia, habitualmente tão bisbilhoteira, se tem mostrado mais bem discreta. Por que? Outro enigma.

Talvez só a História desvende de futuro essas incógnitas. E talvez nem ela...

 

Capitulo III

Da política agrícola e fundiária e da reforma agrária

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 218. Ao direito de pro­priedade da terra corresponde uma função social.

Parágrafo único. A função social é cumprida quando, simul­taneamente, a propriedade:

I - é racionalmente aproveitada;

II - conserva os recursos na­turais e preserva o meio ambiente;

III - observa as disposições legais ­que regulam as relações de trabalho;

IV - favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

CENTRÃO

Art. 216. É garantido o direi­to de propriedade de imóvel ru­ral, cujo uso corresponde a uma função social.

Parágrafo único. A função social é cumprida quando, nos termos da lei, a propriedade:

I - é adequadamente aproveitada;

II - é explorada de modo a preservar o meio ambiente;

III - o proprietário observa as disposições gerais que regulam as relações de trabalho;

IV - a exploração favorece o bem-estar do proprietário e dos trabalhadores.

 

COMENTÁRIO

O Centrão acolhe por inteiro o texto do art. 218 da Sistematização ressalvada apenas uma pequena modificação: onde a Sistematização diz "ao direito de propriedade da terra corresponde uma função ­social", o projeto do Centrão (art. 216) diz: "é garantido o direito de propriedade de imóvel rural, cujo uso corresponde a uma fun­ção social".

A afirmação do direito de propriedade está implícita no texto da Sistematização. Ela é enunciada sob forma de garantia, no texto do Centrão. Desse ponto de vista, ambos os textos se equivalem, para efeitos práticos. Mas o texto do Centrão é lìgeiramente mais afirmativo.

O parágrafo único do art. 218 da Sistematização é corretamente retificado pelo parágrafo único do art. 216 da emenda do Centrão. Mas, como se vê pela confrontação das palavras escritas em itálico em um e outro projeto, as retificações do Centrão têm apenas alcan­ce gramatical. Por exemplo, onde a Sistematização diz "racionalmente” ­o Centrão diz “adequadamente". Uma coisa equivale à outra. Pois não pode haver uma adequação irracional, nem uma racionali­dade inadequada.

Ademais, é muito difícil definir em lei ordinária algo que é inde­finível na prática, especialmente em casos concretos. Neste nível, intervêm não só fatores claramente objetivos, como fatores pessoais, influem na determinação do que seja uma "propriedade racio­nalmente (ou adequadamente) explorada". Assim, por exemplo, fatores como atitude ante o risco, acesso a informações, disponibilidades d­e capital, capacidade empresarial, variam de caso para caso. E, desta forma, o conceito de exploração racional ou adequada varia em conseqüência.

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 219. Compete à União apropriar por interesse social para fins de reforma agrária o imóvel que não esteja cumprindo a função social, em áreas prioritárias, fixadas em decreto do Poder Executivo, mediante in­denização em títulos da divida agrária, com cláusula de preservaç­ão do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão­, e cuja utilização será definida ­em lei.

CENTRÃO

Art. 217. Compete à União desapropriar por interesse social para fins de reforma agrária o imóvel que não esteja cumprindo a sua função social, mediante pré­via indenização pelo justo valor, em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utili­zação será definida em lei.

 

COMENTÁRIO

Nesses artigos, a matéria versada é a mesma. Ela inclui a questão candente da indenização a ser paga pelo Estado expropriante, o que é de capital importância em toda a temática agro-reformista. As diversidades que ocorrem em um e outro texto não são de vul­to. A tal respeito cabe notar que tanto a Sistematização quanto o Centrão falam da manutenção do preço efetivo do imóvel expropriado. E com isto entendem, evidentemente, a defesa do proprietário fulminado pela Reforma Agrária, contra o processo inflacionário que assalta o país. A Sistematização fala de “preservação do valor real". Por sua vez o Centrão fala de “justo valor" e de "valor real". Essas diversas expressões se equivalem evidentemente. O alcance dessas palavras acautelatórias dos minguados direitos que restam ao proprietário, não podem iludi-lo. Pois o público bra­sileiro está farto da alquimia das correções antiinflacionárias cons­tantes até aqui de diversos dispositivos legais referentes a outros te­mas. Essa alquimia resulta habitualmente em que a retificação dos preços aviltados pela inflação não corresponde com objetividade inteira ao único preço efetivamente justo ou real, que é o preço de mercado.

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 219, § 1° As benfeitorias úteis e necessárias serão indeniza­das em dinheiro. (...)

§ 3° 0 valor da indenização da terra e das benfeitorias será de­terminado conforme dispuser a lei.

CENTRÃO

Art. 217, Parágrafo 1° As benfeitorias serão indenizadas em dinheiro.

 

COMENTÁRIO

Quanto ao art. n° 219, § 1° da Sistematização, e do correspon­dente art. n° 217, § 1° do Centrão, cumpre ponderar que um e outro deixam sem referência, e portanto suspenso no vácuo, o verdadeiro alcance da promessa de indenização das benfeitorias.

A Sistematização fala em benfeitorias "úteis" ou "necessárias".
Pergunta-se então: como qualificar as benfeitorias existentes em
uma exploração pecuária, à qual o dirigismo do Estado expropriante queira dar utilização exclusivamente agrícola, ou vice-versa: segundo o valor que custaram ao proprietário essas benfeitorias, retifica­do de acordo com algum índice de correção monetária? ou segundo a necessidade ou utilidade dessas benfeitorias para fim agrícola?

O alcance prático dessas duas perguntas salta aos olhos. Pois, con­forme a resposta que se lhes dê, o preço pago pelas benfeitorias ao proprietário oscila entre o ponderável e o nulo.

Quanto à emenda do Centrão, omite a referência às benfeitorias "úteis" ou "necessárias". Pelo que a indenização abrange, em igual­dade de condições, todas as benfeitorias, inclusive as desprovidas de utilidade ou de necessidade. Dir-se-ia então que a emenda do Cen­trão, por ser mais abarcativa nessa matéria, protege melhor os direi­tos do proprietário. Mas nesse entendimento há uma ilusão. Pois a questão de fundo continua intacta no texto do Centrão. Com efeito, a fixação do preço pago pelas benfeitorias necessariamente terá de ser fixado em função de vários critérios, um dos quais há de ser for­çosamente sua utilidade ou necessidade. Ora, reaparece aqui a per­gunta formulada em função do texto da Sistematização: como ava­liar a “utilidade” ou "necessidade" de uma benfeitoria?

Para obviar esse problema, o Centrão deveria ter incluído expres­samente em sua emenda que o critério para fixação desse valor é o preço de mercado.

 

SISTEMATIZAÇÃO

O Projeto da Comissão de Sistematização não tem corres­pondente ao art. 217, § 3°, do Centrão.

CENTRÃO

Art. 217, Parágrafo 3° A de­sapropriação a que se refere este artigo será precedida de proces­so administrativo, fundamentado em vistoria do imóvel rural, ga­rantida a participação do proprie­tário ou de seu representante.

 

COMENTÁRIO

Com este dispositivo, visa o Centrão amortecer, pelo menos em alguma medida, o que há de drástico no art. 220, § 1° da Sistemati­zação (correspondente ao art. 218, parágrafo único, da emenda do Centrão), do qual adiante se tratará.

O Projeto final da Comissão de Sistematização eliminou o art. 211 do Substitutivo Cabral 2, que a emenda do Centrão ressuscita no art. 217, § 3°.

Na realidade, o conteúdo do parágrafo aqui comentado é sem qual­quer alcance prático. Sobre ele, o livro Projeto de Constituição an­gustia o País contém o seguinte comentário (p. 150):

"O art. 211 [do Cabral 2] pelo menos assegura a presença do pro­prietário, ou a de representante por ele indicado, por ocasião da vis­toria do imóvel pelo órgão fundiário nacional.

"Como é de prever, serão freqüentes os desacordos entre os re­presentantes desse órgão, e o do proprietário. Nesse caso, qual o re­flexo de tal desacordo sobre o curso da desapropriação?

"O artigo nada estatui a esse respeito, quando seria indispensável que o fizesse. E, no silêncio do artigo, o grande prejudicado é o proprietário".

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 220, § 1° Cabe à lei com­plementar estabelecer procedi­mento contraditório especial, de rito sumário, para o processo ju­dicial de desapropriação.

CENTRÃO

Art. 218, Parágrafo único. Cabe à lei complementar estabe­lecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.

 

COMENTÁRIO

Além de restringir, minguar e podar de várias formas os direitos do proprietário, este parágrafo ainda o priva das garantias de obter um julgamento inteiramente objetivo e justo, que é inerente aos pro­cessos de rito não sumário. E expõe o proprietário às simplificações e aos atropelos que o rito sumário nem sempre consegue evitar.

Idêntico dispositivo se encontra na proposta do Centrão (art. 218, parágrafo único), dando ensejo a idêntico comentário.

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 220, § 2° São insuscetí­veis de desapropriação para fins de reforma agrária os pequenos e médios imóveis rurais, definidos em lei, desde que seus proprietá­rios não possuam outro imóvel rural.

CENTRÃO

Art. 217, § 5° São insusceptí­veis de desapropriação para fins de reforma agrária, nos termos da lei:

I - Os pequenos e médios imó­veis rurais, desde que seu proprie­tário não possua outro.

II - A propriedade produtiva.

 

COMENTÁRIO

Na aparência, o presente artigo constituiria garantia constitucio­nal preciosa para os pequenos e médios proprietários. Na realidade, porém, essa garantia é elástica, e portanto precária.

Com efeito, qual a área de uma propriedade considerada peque­na? e média?

A ser adotada pela Constituinte esta proposta da Sistematização, o limite de tais propriedades seria definido por lei ordinária. Ora, com todo o caráter de volubilidade intrínseco à lei ordinária, em matérias efervescentes como esta, uma propriedade hoje considerada pequena ou média, amanhã, poderá ser considerada grande.

Cumpre lembrar a esse propósito o ocorrido no Chile, quando da aplicação da Reforma Agrária pelo governo marxista de Salvador Allende (1970-1973). Numa primeira fase, estavam sujeitas à expropriação apenas as propriedades superiores a 80 hectares. E, desde o início, a lei ordinária proibiu à iniciativa particular o parcelamento das terras nestas condições. Acionada a "guilhotina" agro-reformista, estava tudo pronto, numa segunda fase, pouco antes da queda de Allende, para reduzir aquela área máxima a 40 hectares. De maneira que, para efeito de aplicação da Reforma Agrária, a propriedade mé­dia do dia anterior passava a ser considerada grande e sujeita, portanto, a ser retalhada.

O dispositivo adotado pela Sistematização, e aceito pelo Centrão, não constitui nenhuma garantia séria para os pequenos e médios pro­prietários, hoje considerados como tais.

* * *

Com o inciso II, o Centrão visa atenuar as demasias dos disposi­tivos expropriatórios da Sistematização. A esse propósito, como aliás a outros também, cabe repetir a pergunta feita no comentário ao art. 212 proposto pelo Centrão. Ou seja, com mais coesão, mais garra e melhor estratégia, não poderia este ter proposto e feito vencer dis­positivos contrários aos da Sistematização?

De qualquer forma, é mais cabível o que propõe o Centrão no art. 217, § 5°, inciso II, do que o proposto pelo art. 220, § 2° da Sistematização. Com efeito, o critério do tamanho, supervalorizado pela Sistematização, é recusado in totum pelo Centrão. Este propõe um critério mais plausível, que é o da produtividade. São desapro­priáveis as terras não produtivas. E ficam isentas de desapropriação as produtivas.

Entretanto, também este critério merece objeções. A punição de todas e quaisquer terras improdutivas foi fundamentadamente quali­ficada de injusta em Projeto de Constituição angustia o País (p. 149).

O que é uma terra produtiva? Por exemplo, uma terra que está momentaneamente sem produção para efeito de repouso agrícola é improdutiva? Uma terra arada para fim de semeadura, porém não plantada em razão da irregularidade das chuvas, é improdutiva?

Constitui significativo exemplo dos abusos a que está sujeita a in­telecção do que seja terra produtiva o Decreto n° 95.715, de 10 de fevereiro de 1988, que regulamenta o Decreto-lei n° 2363, de 21 de outubro de 1987. Nele (art. 6°, § 2°) se estabelece que a terra mera­mente arada, bem como a terra cultivada em regime de arrendamen­to ou parceria, não devem ser consideradas "áreas em produção" para efeito de Reforma Agrária.

A propósito, cumpre acentuar o caráter meramente ideológico — e destituído de qualquer sentido prático — dessa extravagante dispo­sição. Se uma fazenda, toda ela dada em meações para cultivo, pro­duz absolutamente tudo quanto dela se pode desejar, é incompreen­sível qual o interesse que o bem comum aufere em declarar que essa área em produção não é... "área em produção".

O dispositivo se explica, entretanto, de modo inteiro, se conside­rado em função do princípio de que só o trabalho, e não o capital, dá direito ao fruto da terra.

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 221. A alienação ou con­cessão, a qualquer título, de ter­ras públicas com área superior a quinhentos hectares a uma só pes­soa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do Con­gresso Nacional.

§ 1° Excetuam-se do dispos­to no "caput" deste artigo as cooperativas de produção origi­nárias do processo de reforma agrária.

§ 2° A destinação das terras públicas e devolutas será compa­tibilizada com o plano nacional de reforma agrária.

CENTRÃO

Art. 219. A alienação ou con­cessão, a qualquer título, de ter­ras públicas com área superior a cinco mil hectares a uma só pes­soa fisica ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, depende­rá de prévia aprovação do Sena­do Federal.

Parágrafo 1° Excetuam-se do disposto no "caput" deste artigo as alienações ou concessões para fins de reforma agrária, ou para cooperativas agrícolas.

Parágrafo 2° A destinação das terras públicas e devolutas se­rá compatibilizada com o plano nacional de reforma agrária.

 

COMENTÁRIO

O dispositivo da Sistematização tem por efeito dificultar conside­rável número de alienações de terras devolutas, a particulares, desde que não constituam cooperativas agrícolas. Ou seja, o dispositivo se opõe, de algum modo, mais eficazmente ao aparecimento de novas propriedades privadas individuais.

Dada a evidente superioridade das propriedades privadas, inclu­sive das individuais, como fator de produção, e o fracasso que vai nascendo da aplicação da Reforma Agrária em diversos pontos do território nacional (cfr., por exemplo, o artigo Para os proprietários, flagrante injustiça; para o trabalhador rural, favelização e miséria — A Reforma Agrária no Pontal Paulista — Relato, documentos, de­poimentos, publicada em "Catolicismo", n° 447, março de 1988), esse dispositivo não conduz ao bem comum, mas reflete apenas a ins­piração ideológica característica da proposta agro-reformista da Sistematização.

A proposta do Centrão, enunciada no art. 219, procura alargar os limites pedidos pela Sistematização, passando para 5.000 hectares ou mais, a área cuja alienação fica dependendo de aprovação do Se­nado. Ainda assim, este mesmo limite é inexplicável para o País, cu­jo interesse pede o urgente cultivo das áreas devolutas, as quais, em mãos do Estado, não tem feito senão... vegetar.

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 222. Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos.

CENTRÃO

Art. 220. Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos.

 

COMENTÁRIO

Este infeliz dispositivo, idêntico nas propostas da Sistematização (art. 222) e do Centrão (art. 220), foi largamente tratado no excelen­te estudo do sr. Atílio Guilherme Faoro, Reforma Agrária: "terra prometida", favela rural ou "kolkhozes"? — Mistério que a TFP desvenda (cfr. pp. 39 a 57).

 

SISTEMATIZAÇÃO

Art. 222, Parágrafo único. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao ho­mem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

CENTRÃO

Art. 220, Parágrafo único. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado ci­vil, nos termos e condições pre­vistos em lei.

 

COMENTÁRIO

O dispositivo da Sistematização se encontra ipsis verbis na proposta do Centrão.

No projeto anterior, denominado Cabral 1, figurava dispositivo ainda mais categórico: "Art. 214 (...) Parágrafo único — O título de domínio será conferido ao homem e à mulher ou companheira".

Acerca deste mesmo dispositivo, o livro Projeto de Constitui­ção angustia o País contém (pp. 134-135) incisivo comentário ins­pirado na Moral católica.

O texto ora comentado se ressente de evidente ambigüidade. À primeira vista, ele parece declarar indiferente que o beneficiá­rio seja solteiro, casado ou viúvo, pois estes são os três estados civis reconhecidos pela lei. Mas o artigo proposto pela Sistemati­zação e pelo Centrão terá por inevitável efeito — dado o mau costume moderno que se vai generalizando — que os funcioná­rios incumbidos de conferir os títulos de uso ou de domínio os concedam também, e indiferentemente, a casais irregularmente constituídos. E, enfim, até a duplas de homossexuais.

 

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Elenco das atividades da TFP em vista da atual Constituinte

 

I. 1° de fevereiro de 1987.A TFP mantém bem alto seu estandarte anti-agro-reformista: comunicado da entidade pu­blicado na "Folha de S. Paulo".

II. 16 de fevereiro de 1987. — Pergunta do Prof. Plínio Corrêa de Oliveira ao sr. Jair Meneghelli, presidente da CUT, no programa Roda Viva da TV Cultura, de São Paulo, sobre a Reforma Urbana e o socialismo autogestionário.

III. Abril de 1987. — Entrevista do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira para a revista "A Granja", de Porto Alegre, sobre a Reforma Agrária.

IV. Maio de 1987.A classe rural na "Dança da Morre" agro-reformista, artigo em "Catolicismo" conclamando os pro­prietários rurais á vigilância, na questão da Reforma Agrária.

V. 6 de junho de 1987.O favo, o lírio e a bomba, artigo do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira na "Folha de 5. Paulo" sobre a indissolubilidade do vínculo matrimonial.

VI. 30 de junho/1° de julho de 1987.O conselho, o fa­rol e a maruja, artigo do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira na "Folha de S. Paulo" sugerindo a criação de um Conselho de Estado. análogo ao instituído pela Constituição de 1824.

VII. 10 de julho de 1987. — Carta aberta da TFP alertando os srs. Constituintes sobre a estatização da Medicina, de auto­ria da Comissão Médica da TFP, publicada nesse dia na "Fo­lha de S. Paulo", e em seguida em mais 11 jornais ou revistas de 9 Estados da Federação.

VIII. 27 de agosto de 1987. – Lançamento do livro Refor­ma Agrária: "terra prometida'', favela rural ou "kolkhozes'? - Mistério que a TFP desvenda, de autoria do sócio da entida­de e bacharel em Direito, sr. Guilherme Faoro, mostrando que a Reforma Agrária prejudica mais aos trabalhadores do que os próprios fazendeiros. A alta qualidade do trabalho foi objeto de elogiosa carta do Prof. Silvio Rodrigues. Catedráti­ca de Direito Civil da Faculdade do Largo São Francisco de São Paulo. Um exemplar da obra foi entregue a cada um dos Srs. Constituintes. Em 40 dias de divulgação do livro em cam­panhas públicas realizadas em 173 cidades de 13 Estados, esgotou-se a 1ª. edição de 5 mil exemplares e iniciou-se a venda da 2ª. edição de igual tiragem. Durante a campanha, foram dis­tribuídos 160 mil exemplares do folheto O drama do Juca Sem Terra, que põe ao alcance do grande público as teses essenciais da obra.

IX. 5 de outubro de 1987. — Pergunta do Prof. Plinio Cor­rêa de Oliveira ao deputado José Genoíno (PT-SP), no pro­grama Roda Viva da TV Cultura, de São Paulo, sobre a rea­ção das esquerdas face a um eventual revés do agro-reformismo na Constituinte.

X. 29 de outubro de 1987. — No livro Projeto de Consti­tuição angustia o País ("Catolicismo", edição especial, outu­bro de 1987, duas tiragens; Editora Vera Cruz, São Paulo, no­vembro de 1987, 210 pp.), o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira faz uma ampla análise do processo de elaboração da atual Cons­tituinte e conclui com uma proposta conciliatória: deixar para daqui a três anos os temas polêmicos que podem dilacerar o País, e abordar agora apenas os assuntos relativos à organiza­ção política, sobre os quais se pode facilmente chegar a um acor­do geral da Nação. A obra foi oferecida a todos os Srs. Cons­tituintes com uma carta do autor. Em quatro meses de campa­nha, escoaram-se quase inteiramente os 73 mil exemplares das três edições confeccionadas. Os sócios e cooperadores da TFP percorreram mais de 240 cidades de 18 Unidades da Federa­ção, vendendo o livro diretamente ao público. Ressalte-se a média-recorde de 1083 exemplares durante os dezenove dias de difusão intensiva da obra na Grande São Paulo.

XI. 23 de novembro de 1987.Pergunta do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira ao deputado Bernardo Cabral (PMDB-AM), relator da Comissão de Sistematização, no programa Roda Viva da TV Cultura, de São Paulo, sobre o risco de divisão entre os brasileiros que provocaria a eventual aprovação das refor­mas de cunho socializante pela Constituinte.

XII. 23 de novembro de 1987.Regime representativo e ignorância crônica, artigo do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira na 'Folha de Paulo" sobre os efeitos negativos, nos traba­lhos da Constituinte. da falta de debates substanciosos e de al­to nível, que se observa na opinião pública brasileira.

XIII. 30 de novembro de 1987.Enigma, fuxico e pinga-pinga, continuação do artigo anterior, na "Folha de S. Pau­lo", em que o autor faz notar, a titulo de exemplo, a falta de reação das associações de classe e da mídia em geral face ao livro Reforma Agraria: "terra prometida", favela rural ou “kolkhozes" - Mistério que a TFP desvenda, entretanto pró­prio a renovar inteiramente a controvérsia agro-reformista.

XIV. 21 de dezembro de 1987. — Extremismo igualitário no ensino de História, artigo do Prof. Plinio Corrêa de Olivei­ra na "Folha de S. Paulo" sobre a revolução no ensino dessa matéria instituída pelo Projeto da Comissão de Sistematização,

XV. Dezembro de 1987.O "Centrão" abre uma réstia de luz no quadro da angustia nacional, encarte introduzido co­ma Nota ao Leitor na 2ª.  tiragem do livro Projeto de Consti­tuição angustia o País. A nota alerta para a necessidade da vi­gilância face às esquerdas, acostumadas a vencer, enquanto grande parte de seus opositores traz consigo o hábito de ser vencido.

XVI. Março de 1988.O "Centrão", da euforia à derro­ta, número especial do boletim "Informando, Comentando. Agindo", editado pela TFP, com uma análise pormenorizada da decepcionante atuação do "Centrão" na Constituinte, ao se deixar envolver e derrotar pela esquerda minoritária.

XVII. Março de 1988. — A TFP distribui aos Srs. Consti­tuintes o artigo Para os proprietários, flagrante injustiça; para o trabalhador rural, favelização e miséria — A Reforma Agrá­ria no Pontal Paulista — Relato, documentos, depoimentos, publicado em "Catolicismo" (n° 447, março de 1988).

XVIII. 11 de abril de 1988.Os que esperam só ser comi­dos no fim, artigo na "Folha de S. Paulo" sobre o relativismo que afeta a opinião pública, e que se traduz pela falta de prin­cípios e de rumos, observáveis na confusão dos trabalhos da atual Constituinte.