Catolicismo, N.° 441,
Janeiro de 1988 (www.catolicismo.com.br)
Extremismo
igualitário no ensino de História
Plinio
Corrêa de Oliveira
DEITE O LEITOR os olhos sobre as Disposições
Transitórias do Projeto Cabral, art. 24. Merece ser lido, pelo menos em razão
da surpresa que transpassa todo brasileiro sensato.
Diz este artigo: "O Poder Público reformulará em
todos os níveis o ensino da história do Brasil, com o objetivo de contemplar com igualdade a contribuição das
diferentes etnias para a formação multicultural e pluriétnica
do povo brasileiro (o destaque é nosso).
"Parágrafo único — A lei disporá sobre a fixação
de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos
étnicos nacionais".
O Projeto Cabral, agora em sua última redação, será
exposto em breve à votação em plenário da Assembléia Constituinte. Esta
deverá, pois, aceitar ou rejeitar o radicalismo igualitário cru que se
manifesta, aliás, também em vários outros artigos do mesmo projeto.
Como se vê, dispõe este artigo nada mais nem menos do
que uma revolução no ensino da História pátria. E uma revolução que nada
poupará, pois será feita "em todos os níveis". Ou seja, atingirá
desde o curso primário e secundário, e imporá sua pesada carga até ao ensino
universitário.
Ora, essa "reformulação" (ou seja,
revolução) constituirá, se aprovada, um dos maiores, senão o maior lance de
despotismo educacional até hoje levado a cabo no Brasil. E se choca de modo
violento com a liberdade de pensamento assegurada nestes termos pelo mesmo Projeto
Cabral: "Art. 6 °, § 5.° — É livre a manifestação do pensamento, vedado o
anonimato".
Com efeito, o "objetivo" do ensino de
História no Brasil consistirá em "contemplar com igualdade" o papel
histórico das diferentes etnias existentes entre nós do ponto de vista da
"formação multicultural e pluriétnica do povo
brasileiro".
O que vem a ser, nesse contexto, "formação multicultural"
de nosso povo? É o simples fato de que nele se radicaram várias culturas?
Banalidade maior não pode haver. Pois se aqui se instalaram as etnias branca,
vermelha e negra, cada uma portadora de elementos culturais próprios, é bem
evidente que o caráter pluriétnico lhe traz como
conseqüência ser ele pluricultural.
A partir destas sonoras banalidades, o art. 24 enuncia
sua meta: que o ensino contemple "com igualdade a contribuição das
diferentes etnias", para a "formação (...) do povo brasileiro".
"Contemplar" indica aqui que o ensino da
História deve distribuir "com igualdade" a quota de extensão e de
realce, a ser atribuída a cada etnia na "formação multicultural" de
nosso povo.
Qual o alcance da aplicação desta plaina igualitária
no ensino da História?
Esta, já o dizia o velho Heródoto,
é a narração e explicação dos fatos certos, passados e dignos de memória. Ela
deve ser, pois, a imagem fiel do que ocorreu.
Em conseqüência, a quota de importância que o ensino
deve atribuir à ação histórica de cada etnia deve corresponder à respectiva
importância no conjunto da vida brasileira.
E, dado que as várias etnias sempre exerceram aqui
papéis de importância muito desigual, a História que atribua igual importância
ao papel das diversas etnias, deixa ipso facto de ser História.
Ademais, o art. 24 do Projeto Cabral insinua que o fim
normal de um povo pluriétnico, como o nosso, é manter
as várias etnias em compartimentos estanques, para preservar a autenticidade de
cada qual.
Tacho de antinatural esse
como que "apartheid", pois todo convívio
tende habitualmente a uma mútua assimilação, ou seja, a uma tal ou qual mescla,
E, conforme o caso, a uma mescla completa.
No Brasil, a tendência é clara para esta mescla cultural.
Ela é um fato irretroagível, e corresponde a um
imperativo do modo de sentir e de ser de nossas três etnias principais. A
mesma tendência se exprime também com as importantes colônias italiana,
espanhola, alemã e austríaca, síria e também nipônica, a que acertadamente abrimos nossas fronteiras no século XIX.
Pode-se ponderar, é bem verdade, que as várias etnias
minoritárias experimentam a ação simultânea de duas tendências diversas. A
centrípeta tende à miscigenação e à mescla de culturas. A centrífuga resulta
de que os "duros" de cada etnia ou colônia de estrangeiros temem o
desaparecimento do respectivo bloco social. Por isto, operam eles esforços de
resistência à diluição da própria etnia e da respectiva cultura na massa da
etnia majoritária dominante. Considero legítimas tanto a tendência centrífuga
como a centrípeta, desde que estejam judiciosamente equilibradas entre si.
Tal equilíbrio deve importar em que nenhum obstáculo
se oponha a que, em futuro mais ou menos remoto, as várias etnias acabem por
se mesclar culturalmente em muito larga medida.
Isto dito, voltemos ao estudo da História.
O art. 24 das Disposições Transitórias do Projeto
Cabral só pode ser entendido, a meu ver, como imposição de que o estudo
histórico dê igual importância, atenção e espaço a todas as etnias existentes
no Brasil. De sorte que, com detrimento do pouco de História que se ensina em
nossos cursos primário e secundário, se suprimam dela importantes nacos, a fim
de ensinar à nossa juventude algo sobre as andanças nômades dos nossos índios
pelos matos, ou coisas congêneres.
É muito de esperar que tal não seja o modo de ver os
valores pátrios de muitos professores dos três níveis de ensino. Ora, constitui
direito irrecusável para o professor de História, ensiná-la como a entende, pois
é o que corresponde à sua convicção.
Segundo o mencionado art. 24, o contrário é que
acontecerá. Alguns burocratas, aninhados adrede nos mais altos postos no
Ministério da Educação, constituirão um pequeno grupo ideologicamente homogêneo
a impor a todos os professores e alunos, com base no art. 24, o modo de ver do
punhado de privilegiados.
E se o professor, ciente de que isto falseia radicalmente
a História, alegar seu direito a ensinar o contrário, poderá se lhe instaurar
um inquérito administrativo cujo desfecho normal seja sua destituição do cargo
docente, ou pelo menos sua aposentadoria compulsória, com os vencimentos
habitualmente irrisórios reduzidos na proporção do tempo de serviço.
Nesta forma de ditadura igualitária desembocará então
a abertura brasileira, obtida pela esquerda católica, em coligação com tudo
quanto é corpúsculo nacional de esquerda, inclusive o PCB e o PC do B, para
restabelecer em nosso País... a liberdade!
Mas contra isto duvido que os promotores da esquerdização do Brasil protestem. Pois esta ditadura do
ensino — uma das piores formas da ditadura — não importa em luta contra o
comunismo. Antes o favorece...