"Folha de S. Paulo", 28 de abril de 1988

Ao término de décadas de luta, cordial alerta da TFP ao Centrão

Reforma Agrária – Reforma Urbana – Reforma Empresarial: o Brasil em jogo

 

1960-1988: cerca de três décadas nos separam dos dias longínquos e torvos em que, no abrasado crepúsculo da era janguista, se delineava no horizonte nacional, com o apoio vigoroso do Presidente da República, o espectro da Reforma Agrária socialista e confiscatória.

E em São Paulo, um projeto estadual de Revisão Agrária procurava obter a adesão dos paulistas, a justo título eriçados com o agro-reformismo, uma versão mais flexível – se bem que ela também radical – de uma reforma no ager.

Naquela ocasião a TFP, que acabava apenas de ser constituída, iniciava sua luta a favor da propriedade privada e da livre iniciativa individual, difundindo o best-seller Reforma Agrária – Questão de Consciência e organizando inicialmente em São Paulo, e depois no restante do País, os primeiros grupos de ação em praças públicas e ruas.

De então para cá, a TFP se estendeu largamente pelo território nacional e inspirou a fundação de entidades coirmãs e autônomas e bureaux-TFP em 21 países localizados nas três Américas, na Europa, na África, na Oceania e na Ásia. Como é natural, sua difusão pelo Brasil foi ampla. A partir das primeiras sedes em São Paulo, a TFP conta hoje com sócios, cooperadores ou correspondentes e esclarecedores em mais de cem cidades.

Enquanto esse ingente esforço de expansão se realizava, a entidade ao mesmo tempo mantinha cada vez mais ativa e bem aparelhada a sua ação anti-agro-reformista. E também a temática dessa ação se ampliava, alcançando, tanto quanto possível, os planos socialistas e confiscatórios que gradualmente foram nascendo, voltados desde logo contra a propriedade privada e a livre iniciativa nos campos urbano e empresarial.

 

Cumpre-se uma previsão de trinta anos

Desde os primórdios (cfr. Reforma Agrária – Questão de Consciência, pp. 157-158) a TFP previra que, cedo ou tarde, o agro-reformismo suscitaria movimentos análogos em matéria imobiliária e urbana, como no âmbito das empresas industriais e comerciais. Porém não bastava prever e denunciar. Cumpria também reagir. A TFP o foi fazendo na medida do necessário.

E agora, próximo de se completar a terceira década de ação, esta entidade – como o Brasil inteiro – se depara com o quadro de uma Assembléia Nacional Constituinte eleita em chapas partidárias sem programa político-sócio-econômico marcante, que apresentaram ao sufrágio dos brasileiros, candidatos quase todos eles sem compromissos ideológicos.

 

Parlamentares esquerdistas influenciaram a fundo o Projeto de Constituição em debate no plenário

Daí seria natural pensar que poderia advir tudo. É um engano. Só poderia advir o que adveio. Isto é, os poucos Constituintes eleitos com compromisso explícito ou implícito – mas sempre firme – com as esquerdas, coadjuvados por articulações políticas extra-parlamentares importantes, conseguiram influenciar a fundo as subcomissões e comissões temáticas, bem como a Comissão de Sistematização, encarregadas de preparar o projeto de Constituição a ser submetido ao plenário. E, daí, o aparecimento do documento intitulado Cabral 3, o qual dava guarida a importantes e numerosas reivindicações de inspiração acentuadamente marxista.

 

Nasce o Centrão – e logo surgem os desacordos

A História registrará com espanto, algum dia, que a maioria dos Constituintes se manteve alheia a esse curso de coisas, que com um minimum de decisão e articulação ela poderia ter influenciado a fundo, e de modo benfazejo. Porém, antes tarde do que nunca. Nasceu assim o Centrão, ao qual, desde o início, a TFP não regateou seu aplauso vigoroso e o oferecimento de sua cooperação desinteressada (cfr. O "Centrão" abriu uma réstia de luz no quadro da angústia nacional, encarte introduzido como Nota ao Leitor na 2ª tiragem do livro Projeto de Constituição angustia o País – "Catolicismo", edição especial, dezembro de 1987). Ao que, diga-se de passagem, o Centrão respondeu por meio do silêncio e da inação.

A carência de articulação prévia dos componentes da importante corrente, para enfrentar a situação ante a qual esta se deparava, se manifestou desde logo. Os desacordos internos apareceram nele. O que era inevitável, já que a convergência de opiniões entre cerca de 300 parlamentares (com que o Centrão contava no início), descompromissados com programas, e unidos apenas por uma vaga, se bem que saudável e simpática tendência para opor obstáculos à derrocada da propriedade individual e da livre iniciativa, não poderia dar origem de imediato, a uma ação politicamente disciplinada, unida e ágil.

 

Na bruma espessa, dormita a Nação

De mais a mais, um misto de atropelo, desconcerto e indolência baixara pari passu sobre nossa Nação. Comentando o importante evento de 1889, Aristides Lobo, embora Ministro do governo republicano provisório, comentou com franqueza desabusada que "o Brasil assistira bestificado a proclamação da República". Expressões desabusadas não são da índole da TFP. Faz falta aquele brasileiro para qualificar a bruma espessa e indefinível em que ora dormita a Nação.

O fato é que essa bruma veio cobrindo gradualmente setores dos mais diversos da vida nacional, sem excetuar os quadros diretivos de incontáveis associações patronais e até operárias, feitas as honrosas exceções de estilo.

Em suma, o roteiro político que começara na neblina, com a eleição para a Constituinte, caminha hoje num fog londrino dos mais caracteristicamente densos e pesados. Tanto mais quanto não é apenas sobre a área constitucional que esse fog se estende, pois ele envolve – com a inflação galopante, a insolvabilidade da dívida externa, a batalha pela adoção e aplicação de um plano contencivo de despesas, e a fuligem poluente dos escândalos políticos – mais ou menos todo o noticiário importante destes dias.

 

Multidões incontáveis nas quais escasseiam vozes a clamar no deserto

"Vox clamantis in deserto"(Mt. 3,3) – a voz de quem clama no deserto. Com essas belas e sonoras palavras do Batista gostavam de se qualificar os homens públicos do século XIX, ao constatarem que, ante seus brados de alerta, admoestações e conselhos, os acontecimentos não mudavam de curso.

Hoje como que não há mais desertos. Por todas as partes se encontram multidões formadas por homens incontáveis. Entre eles, porém, rareiam os verdadeiros homens, e, quando eles clamam, não o fazem na nobre e desolada solidão das vastidões inabitadas, porém na poluição dos ânimos, dos fatos e das coisas, imersos no caos, na zoeira, e no sono dos que já não agüentam....

 

Em meio ao fog macro-urbano a TFP continua a clamar

Ainda que deva ser vista assim a situação dos brasileiros que persistem em convidar para a vigilância, para a reflexão e para a ação, a TFP, quanto a si, continua obstinadamente a falar. De imediato, porque ela bem sabe quantos são, em meio ao fog, os que pensam cabalmente como ela, e ademais os que, sensíveis pelo menos à voz dela, e com ela concordes nestes ou naqueles pontos, se sentem estimulados a reações esparsas mas saudáveis, porque da TFP ouviram, em alguma ocasião, uma palavra clara, forte e franca... com a qual são consonantes, ainda quando, por vezes, ela lhes pareça exagerada.

Assim, depois de ter agido com todos os seus recursos, ao longo de 15 meses de funcionamento da Constituinte, quer junto aos componentes desta, quer do grande público, a TFP se depara com a situação de gravidade suprema em que, de um lado, o Projeto da Comissão de Sistematização, se aprovado integralmente, levará o País ao tobogã de cinco reformas (propostas, aliás, no Projeto, de modos diversamente radicais): 1. Reforma Agrária; 2. Reforma Urbana; 3. Reforma Empresarial; 4. Reforma da Saúde; 5. Reforma do Ensino, tanto público quanto privado. A aplicação simultânea dessas cinco reformas eqüivaleria a empurrar para baixo, até o precipício do comunismo, esse dileto povo, entre dormido, desconcertado e sem orientação.

 

"Ceder para não perder"? ou "resistir para vencer"

Neste sentido, como agir? É voltando os olhos para o Centrão, em um espírito de positiva simpatia e de obstinada esperança, mas também de fraterna franqueza. No plano humano, só ele pode tirar-nos do alto do tobogã.

Assim, a TFP, em detido cotejo entre os dispositivos do Cabral 3 e as emendas do Centrão, apresenta um estudo em que torna manifesto quanto estas últimas estão inspiradas na máxima do "ceder para não perder". E quase invariavelmente recusam a máxima do "resistir para vencer".

Esse estudo comporta um apelo feito in extremis ao Centrão, para que cumpra sua missão histórica de manter o Brasil a salvo de concessões ao socialismo confiscatório e ao dirigismo estatista tirânico, pois a experiência mostra que cada concessão ao socialismo é uma semente venenosa, da qual, de futuro, brotarão em abundância outras concessões.

 

A voz da TFP chega aos Srs. Constituintes

Neste estudo se desdobra em toda a sua amplitude o trintenário brado de alerta que a TFP tem feito ressoar no País, na atmosfera de crescente poluição, caos e dormideira que acabou por envolvê-lo todo. Dirigido de imediato aos Srs. Constituintes, ele se destina também a todos os brasileiros.

A distribuição do mencionado estudo aos Srs. Constituintes será feita hoje, a cargo do escritório especialmente constituído pela TFP em Brasília para acompanhar os trabalhos da magna Assembléia. E, dado que o presente comunicado da TFP sai neste jornal e no "Correio Braziliense", pode ser obtido nas sedes da TFP das respectivas cidades.

 

Olhos voltados para Deus

Mais do que na Assembléia Constituinte e no público, ao divulgar o presente comunicado, a TFP tem seus olhos voltados para Deus. "Ad Te levavi oculos meos, qui habitas in caelis" (Os. 122,1) – A Vós elevei meu olhar, ó Vos que habitais nos Céus. Esse olhar é denso de apreensões, mas também de súplica. E quem diz súplica, diz esperança perpetuamente jovem, perpetuamente vitoriosa, qualquer que seja o fardo do tempo transcorrido, o peso dos trabalhos já feitos e das perspectivas que espreitam pelo caminho os homens de Fé. Pois estes sabem que sua súplica não encontra neles méritos proporcionados à grandeza infinita de Deus, a Quem eles se dirigem.

Mas homens de Fé sabem também que essa súplica se eleva até o Trono do Altíssimo, quando a Este é oferecido pela Mediação da Virgem Mãe de Deus.

É com o coração posto nas mãos da Virgem Mãe Aparecida, declarada por Pio XI Rainha do Brasil, que imploramos a Deus: Senhor, salvai este País que, mais ainda do que aos brasileiros, a Vós pertence.

Já se viu alguma vez uma Rainha, que ao mesmo tempo é Mãe, desinteressar-se de seu povo, na hora em que este sofre a mais premente aflição?

 

Lutar, mesmo se tudo parece adverso?

Haverá da parte da TFP exagerada intransigência em levar sua oposição anti-reformista a tal ponto e quando já tudo parece comprometido?

Em resposta cabe ponderar que, da parte de um filho colocado junto à cabeceira de um pai gravissimamente doente, se compreende que queira, que peça e que cobre dos médicos circunstantes a aplicação dos remédios mais extremos. Procedente de um filho, tal conduta não é exagero nem radicalidade, mas extremo de amor filial.

Culpe-nos disto quem quiser. Ou, antes, quem ousar!

São Paulo, 28 de abril de 1988

Plinio Corrêa de Oliveira

Presidente do CN da TFP