Plinio Corrêa de Oliveira
O que dizer?
Legionário, N° 799, 30 de novembro de 1947 |
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Nas investigações policiais, a qualité maîtresse [qualidade chave, ndc], consiste em certa subtileza especial, certo faro particularmente fino, para perceber, analisar e combinar os indícios. Toda investigação tem esta marcha. Vai do absolutamente misterioso para o lusco-fusco dos indícios, e, à força de finura e perspicácia, dilacera os véus dos indícios para penetrar na plena claridade das provas e das certezas. As histórias policiais regurgitam de episódios novelescos, em que esta qualité maîtresse dos detetives de fibra opera maravilhas em benefício da humanidade. Um pouco de cinza de cigarro, de pó de arroz ou de batom, serve para que o investigador arguto chegue a desvendar os mais intrincados e tenebrosos mistérios. Isto que é muito conhecido, se funda no principio filosófico irrepreensível da correlação entre a causa e o efeito. Todo o fato tem sua causa. Assim, dado um fato, pode-se imaginar em geral um certo número de causas de que possivelmente ele tenha resultado. Forma-se deste modo uma série de hipóteses possíveis. Se, dentro destas hipóteses, uma há que sirva para explicar simultaneamente vários indícios, ela deixa de ser possível para ser provável. As diligências abandonam pois as hipóteses restantes, para se concentrarem nela. Estudando-a, chega-se em geral a descobrir circunstâncias tais que dão à hipótese o valor de prova. E assim fica feita a demonstração. Este princípio que é básico nas investigações policiais, também o é nas conjecturas políticas. Supondo na opinião pública, nas correntes políticas, nos homens de Estado, na imprensa, nos círculos de responsabilidade do mundo intelectual, social e financeiro, um mínimo de lógica, não é difícil perceber qual a tendência fundamental que orienta a generalidade de seus atos. Conhecida esta tendência, que resume as convicções ideológicas, as aspirações e os interesses de cada pessoa ou grupo, não é difícil conjeturar a posição de cada qual diante deste ou daquele problema. Traçado com isto um grande quadro geral, é muito fácil perceber em cada gesto, cada palavra, cada atitude deste ou daquele político, os móveis mais profundos. E, assim, o observador atilado forma uma certa imagem de conjunto dos acontecimentos, das situações e dos problemas, que poderá estar errado em um ou outro pormenor, mas que dificilmente o estará em sua totalidade. Da riqueza, objetividade e flexibilidade deste quadro depende quase todo o valor do político. Mas o funcionamento deste método de investigações tem como pressuposto que os elementos que figuram em certo jogo político tenham uma compreensão estável em seus princípios e interesses, que tenham com certa perseverança para os realizar, e que, em linhas gerais, pelo menos, possuam certa lógica de idéias e conduta. Se isto não se dá, se a substância humana está tão degradada que a coerência desaparece do quadro político, se os homens já não tem convicções nem compreendem seus interesses racionais e profundos, se eles se guiam tão somente pelo ritmo incerto dos instintos, neste caso, qualquer conjectura é impossível. É precisamente neste caso que nos encontramos, quer na política nacional, quer na política internacional. Onde estão os princípios? Onde está a coerência? Onde está a continuidade? A confusão - uma confusão compacta em que tudo muda mil vezes de forma, de cores sem deixar de ser a cada instante mais confuso e perseverante na confusão - domina por toda a parte. E, assim, o jornalista que pode, em épocas comuns, prever até certo ponto os acontecimentos e orientar seus leitores, hoje em dia não o poderá fazer. Um exemplo. Escrevo este artigo ao meio dia de sexta-feira. Nos jornais da manhã li que a situação está novamente inquieta na Itália, e que na França as greves aumentam. Os reservistas há vários dias foram convocados. Correm boatos de greve na polícia. Tropas marcham na zona francesa de ocupação para o centro do País. À tarde, o que lerei? E o que saberão pelo noticiário internacional os leitores do LEGIONÁRIO, quando este artigo chegar a lume? Mais uma vez, as notícias procedentes da Itália e da França têm parecido alarmantes, e depois se desfazem como nuvens. Ninguém pode dizer ao certo se se trata em certa medida de exagero dos jornais, ou de movimentos políticos reais. Nesta segunda hipótese, ninguém percebe também, se se trata de um ilogismo provocado pelas confusões espasmódicas de pós-guerra, ou se há nisto alguma infernal tática de confusão, levada a cabo com maestria por alguma força interessada. O fato concreto, absoluta e terrivelmente concreto, é que ninguém sabe, ninguém pode saber o panorama que teremos diante dos olhos amanhã. Abstenhamo-nos, pois, de predições. Vamos à análise. Esta tem de jogar por força com as duas hipóteses únicas: ou estoura a guerra civil na França, ou não. Se a situação na França degenerar em guerra civil, devemos notar antes de tudo que dificilmente ela não se alastrará pela Itália. Os dois grandes países latinos vivem de uma mesma seiva histórica e cultural. Os seus problemas políticos e ideológicos se interpenetram. Os líderes de suas correntes políticas mantêm um ativo contato por sobre as fronteiras e os Alpes. É quase impossível que a guerra civil na França não traga como conseqüência a guerra civil na Itália, e vice-versa. Evidentemente, os guerrilheiros franceses ou italianos filiados ao Partido Comunista só terão passado da luta política à luta militar por injunção do governo de Moscou. Isto implica em dizer que Moscou terá desejado a guerra e a alimentará com todos os seus recursos. Por si só, o governo francês ou o italiano não terá, nesta quadra, forças suficientes para resistir à pressão russa. Apelará para os americanos. E, assim, estaremos em plena guerra mundial. Que espécie de guerra mundial? Há uma guerra mundial do gênero da espanhola de 1935, em que o mundo inteiro combateu dentro de um país, escolhido para campo de batalha, e o resto do globo continuou em paz. Há a guerra mundial do tipo da de 1914 ou 1938, em que o mundo inteiro combateu, em todos os continentes. Teremos uma fase de lutas circunscritas à França e Itália, que degenerarão em seguida em guerra mundial? Ou teremos clara e diretamente a guerra mundial em todos os continentes e todos os fronts? Mais uma vez, quem pode prever tudo isto, neste inferno de confusão, desfaçatez e incoerência, que é o mundo de hoje? * * * Se não tivermos guerra mundial, é porque na França alguém terá jugulado o surto comunista. Quem será o domador? Schumann? De Gaulle? Em outros termos, a democracia representativa ficará com os louros da vitória? Ou ela dará provas de insanável fraqueza e será substituída por outro regime? Que “outro regime” é este, com que nos acena o general De Gaulle? O problema é imenso. A França continua a ser o crisol em que se definem as tendências ideológicas do mundo inteiro. Se ela fracassar na França, fracassará por toda a parte. Até as bases da estátua da Liberdade nos EE.UU. estremecerão. E, neste caso, qual o rumo que tomará o mundo anticomunista? Ainda uma vez, quem pode prever tudo isto? Admitamos uma outra hipótese. Schumann continua no poder. O comunismo continua uma oposição forte e perigosa, atravancando toda a vida civil do país. Neste caso, a crise se desatará por força – todas as crises se desatam, ainda que seja para a morte – dentro de um futuro remoto. A França que daí resultar será uma França esgotada, desgastada, enervada, enlouquecida. Quanto tempo durará sua volta à normalidade? E voltará ela à normalidade? Mais uma vez, concluímos: quem o pode prever? Nota: Os negritos são deste site. |