Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Mistério de iniquidade e Revolução

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 9 de novembro de 1947, N. 796, pag. 5

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Diz São Paulo em sua segunda Epístola aos Tessalonicenses que a iniquidade atual é posta em atividade de uma forma oculta, o que se dará até que seja “removido aquele que ainda lhe põe embargo”.

Desfeito, então, esse freio misterioso, “manifestar-se-á o Iníquo, a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca, e o destruirá com o esplendor de sua vinda” (II Tess. 2-7 e 8).

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Fazendo alusão a estas palavras proféticas, e diante do aflitivo espetáculo das desgraças contemporâneas, e da luta movida atualmente contra “tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um culto”, indaga Pio XI, na encíclica “Miserentissimus Redemptor”, se essa aflição universal não pressagiaria o próximo aparecimento do filho da iniquidade, previsto para os últimos tempos.

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Queremos hoje por mais uma vez analisar alguns aspectos dessa imensa ofensiva desencadeada pelas forças do mal, contra a civilização católica. Muito teríamos que dizer dessa trama do ponto de vista religioso, mas, seguindo a orientação que vimos imprimindo a esta crônica, apenas vamos nos ocupar de seus reflexos no campo das atividades políticas.

Com efeito, a nosso ver, o Estado totalitário, meta final do espírito revolucionário, não passa de simples fundo de cena para o advento do “homem do pecado”. Eis porque não nos cansamos de advertir os nossos irmãos na Fé quanto ao erro e ilusão daqueles que ainda procuram construir uma ponte entre a Igreja e a Revolução, essa Revolução essencialmente satânica, a respeito de cujos perversos desígnios Joseph Maistre já erguera seu brado de alarma. E eis também a razão pela qual temos alertado os católicos contra certos pseudomovimentos de reação que costumam surgir como “anjos salvadores” em face dessas audácias revolucionárias.

A verdade é que, na tentativa de implantar o Estado totalitário, procuram as forças secretas frustrar todos os esforços feitos pelos que se insurgem contra seus planos. Foi assim que, ao surgir o bolchevismo, houve um trabalho ora de infiltração entre os elementos que se levantaram contra esse flagelo, ora de atração desses elementos para colaborarem em outros movimentos de pseudo-reação, surgindo assim toda uma escala cromática de camisas nacionalistas. A luta contra o comunismo desse modo transformada num movimento que andando na aparência em sentido contrário, estava na realidade girando em torno de um círculo que também conduzia ao socialismo totalitário.

Como são amplíssimos os horizontes da ingenuidade humana, esse jogo parece que vai perpetuar-se, lançando os povos ora nos braços da esquerda, ora da direita, até que enfim, exaustos, todos se vejam escravizados pelo poder oculto que manobra as duas correntes. E tudo isto com o concurso inestimável do liberalismo, que vem fornecendo a matéria prima para todas as convulsões que têm sacudido a sociedade nestes últimos tempos.

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O liberalismo vem conduzindo a humanidade ao totalitarismo por dois caminhos: um, indireto, gerando a anarquia que conduz ao despotismo. Outro, direto, gerando a corrente socialista.

Surgiu a palavra “liberalismo” para acobertar as idéias e as obras das forças secretas no período da Restauração da Monarquia em França, sob Luís XVIII. Procurava-se então manter a todo custo as conquistas da Revolução Francesa. A palavra fora tomada de empréstimo à Inglaterra, de onde já viera o deísmo e o sensualismo que deram origem ao romantismo e à obra destruidora dos enciclopedistas. Naturalismo, racionalismo, enciclopedismo, liberalismo, socialismo, eis algumas denominações da mesma trama revolucionária em marcha.

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Depois de mostrar que o liberalismo era, em substância, o próprio racionalismo, perguntava um publicista católico em fins do século passado:

“Que nomes o racionalismo tomará ainda para se esconder e enganar com mais segurança? Ignoramo-lo, mas uma experiência já muito longa nos diz que cada evolução desse Proteu se realizará sob uma forma e um nome novos. É, com efeito, próprio do racionalismo usar depressa os termos pelos quais se designa. Enquanto a Igreja consagra tudo que ela toca e o torna imortal, a revolução corrompe as idéias e os termos que emprega”.

Menos de meio século decorreu desde que foram escritas estas linhas e o racionalismo já tentou prosseguir em sua marcha através de várias escolas teológicas, filosóficas, políticas e sociais. Para citar apenas algumas das novas formas assumidas por esse Proteu, tivemos logo no início do século o “americanismo”, condenado por Leão XIII, o “modernismo”, condenado por Pio X, ambos de fundo nitidamente liberal e racionalista.

Mais tarde surgiram o “bolchevismo”, o “fascismo”, o “nacional-socialismo” como novas formas desse monstro que deseja implantar no mundo, a qualquer custo o cesarismo e a escravatura, isto é, a volta ao Estado pagão.

E entre suas outras roupagens “up-to-date” [atualizadas, n.d.c.], poderíamos citar o trabalhismo fabiano...

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O liberalismo, segundo Leão XIII, não é senão o racionalismo aplicado à vida prática. “Cada um é sua própria lei”, conforme ainda resume o imortal Pontífice, o que não é outra coisa senão o axioma fundamental de Rousseau na ordem social. A autoridade existe apenas em virtude de um livre contrato entre os homens. Nasceram assim a soberania popular, sufrágio universal e o princípio da igualdade democrática. O Estado, soberano senhor de todas as coisas pelo sufrágio universal, chama a si as leis sobre o matrimônio, o ensino (forçosamente leigo), as corporações etc. e se mantem indiferente a todas as religiões. Essa “indiferença”, na prática, os fatos têm demonstrado mais de uma vez que significa opressão da Igreja Católica e entraves opostos à sua missão salvadora.

O liberalismo, porém, como sistema político e econômico, é apenas uma fase transitória na obra revolucionária.

Os princípios de Jean Jacques Rousseau, levados às suas últimas consequências, representam o seguinte: na sociedade sonhada pelas forças secretas, apenas existirão duas, unidades: o indivíduo e o Estado. De um lado o Estado onipotente e de outro o indivíduo impotente, privado de todas as liberdades, nada podendo sem a permissão do Estado.

Eis a prova do que realmente se trama.

As idéias de Jean Jacques Rousseau são em última análise o totalitarismo de Estado.

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O liberalismo, em seus aspectos político e econômico, não passa de uma etapa necessária, não porem final, a etapa da desagregação do mundo católico e da Igreja. Depois dessa grande tarefa ainda continuará em vigor o grande princípio em que repousa o liberalismo, isto é, a liberdade do homem em face a seu Criador. Cairá somente a máscara hipócrita das liberdades populares de consciência etc. Depois de haver realizado grande parte do programa com o auxílio da opinião pública, envenenada pelos demagogos, será extinta essa opinião pública, para somente imperar a vontade do omniarca totalitário.

Do período de desagregação liberal, estamos passando a largos a largos passos para o período socialista. A revolução socialista caminha no mundo inteiro, embora sob formas diferentes e disfarces variados.

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Em nosso próximo rodapé procuraremos demonstrar, à luz de documentos irrefutáveis, como a evolução liberal, que agora parece morrer para dar lugar a novos surtos subversivos, na realidade faz um só corpo com a revolução socialista a que estamos assistindo.

Ambas são comparsas do mesmo mistério de iniquidade, do mesmo plano de perdição que o pai da mentira tenta articular, como grotesca réplica do sublime plano de Redenção oferecido aos homens pelo Divino Salvador.

Fique desde já assinalada, entretanto, nossa conclusão: não está a salvação dos católicos em pactuar com os pregoeiros dessas conquistas revolucionárias, mas em seguir fielmente a doutrina d’Aquele que é Caminho, Verdade e Vida.

A Igreja não precisa dessas muletas carunchadas, quando de seus ensinamentos brota a única fonte capaz de matar a sede de justiça da humanidade sofredora.


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