Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Teoria e prática do socialismo

 

 

 

 

 

 

Legionário, 24 de agosto de 1947, N. 785 pag. 5

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Entre os meios usados pelos arautos da confusão para amortecer a repulsa dos católicos ao comunismo, se acha o de a firmar que afinal de contas as reivindicações de Marx coincidem com a doutrina católica sobre a questão social e que não é justo, portanto, que se combata quem, embora chegando por vias travessas, se acha do nosso lado na luta contra os opressores dos fracos.

Outros simpatizantes e colaboracionistas vermelhos procuram dar nova roupagem à tão desmoralizada evasiva dos comunistas, quando confrontados com as misérias de seu credo, tal qual vem sendo experimentado no corpo social. O socialismo teria traído suas origens teóricas, dizem eles. Karl Marx, um benfeitor da humanidade, apesar de anticristão, desejava apenas libertar os homens da tirania capitalista. Sua doutrina, porém, não teria sido bem aplicada.

Dar-se-ia, assim, com o socialismo o que certos liberais clamavam haver acontecido com os seus ideais políticos, como Lopes Trovão, ao afirmar que «não era essa a república dos meus sonhos...»

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Ter-se-ia de distinguir entre o socialismo teórico e o socialismo de fato.

Ora, se há assunto em que não podemos fazer abstração da questão de fato é esse do socialismo, a menos que pretendamos teorizar para o mundo da lua.

O aspecto doutrinário e teórico do socialismo se acha unido de modo inseparável ao seu aspecto prático e político. Não é o socialismo novidade exclusiva de nossos dias e de seus próprios princípios podemos concluir suas danosas consequências quando posto à prova real. Ademais, de que nos adianta um belo programa se for inexequível? E que benefício para a sociedade poderá advir de uma utopia em contradição com a natureza humana?

E uma doutrina como o socialismo pode existir separada do doutrinador ou de seus agentes no campo social? Uma atitude ingênua muito comum em nossos dias é essa de desprezar as intenções de quem lança em circulação certas idéias ou movimentos tendentes a desviar a evolução dos fatos sociais.

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Entretanto, mesmo pondo de lado as intenções de Marx e a investigação da má fé com que agiu no campo das atividades políticas através de suas sociedades secretas e de seus golpes de força, vejamos se um católico pode procurar construir uma ponte entre o marxismo teoricamente considerado e a doutrina da Igreja na solução da questão social.

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Ora, em resumo, que representa o socialismo «científico» de Marx? A socialização dos meios de produção por meio da evolução da realidade econômica. «Evolução» que pode ser apressada pela «revolução». Dizer simplesmente que Karl Marx desejava o bem comum da sociedade, ou libertar os homens da escravidão da riqueza, não é completo nem caridoso. Como não é completo nem caridoso dizer-se, em uma assembleia de ursos, que o seu colega da fábula queria apenas espantar a moscas ao jogar a pedra na cabeça do homem.

Falando a ursos ou a criaturas humanas, devemos ser claros e fiéis à finalidade do dom da linguagem, que é a de nos fazermos entendidos. Teremos que responder perante Deus não somente pelos nossos atos, mas também pelas nossas omissões. Manda-nos a consciência de católicos que não deixemos as coisas pela metade, quando nossas palavras possam dar lugar a interpretações errôneas, principalmente em uma época de confusão como a nossa.

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Isto posto, quais as diretrizes da Santa Sê que devemos seguir neste assunto?

Pio XI diz que Leão XIII não pediu «auxílio algum, nem ao liberalismo, nem ao socialismo, dos quais o primeiro mostra-se de todo incapaz de dar uma legítima solução à questão social, e o outro propunha um remédio que, muito pior que o mal, teria lançado em maiores perigos a sociedade humana» («Quadragesimo anno»).

Portanto, se é pior a emenda socialista que o soneto dos males modernos, por que aceitar essa muleta carunchada que nos oferece a mão estendida comunista, em vez de nos apoiarmos na sã doutrina social que nos oferece a Igreja?

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Será, porém, que os socialistas e comunistas querem as mesmas coisas pelas quais os católicos combatem no campo social?

Pio XI ainda uma vez nos dá a resposta:

«E de fato, veneráveis irmãos e filhos diletos, fitamos os olhares sobre a organização econômica hodierna e a achamos profundamente desconcertada. Em segundo, examinando novamente o comunismo e o socialismo, e todas as suas formas, mesmo as mais mitigadas, achamos que estão muito longe dos ensinamentos do Evangelho» («Quadragesimo anno»).

Ora, se mesmo as formas mitigadas do comunismo e do socialismo «estão muito longe dos ensinamentos do Evangelho», como pretender que o comunismo e o socialismo pugnem pela mesma causa em que se acham empenhados os católicos?

Ou será que os católicos também pugnam pela luta de classes e pela abolição da propriedade particular?

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O que pode acontecer é que, em certas formas atenuadas do socialismo, algumas de suas reivindicações coincidam com as dos católicos. Neste caso, porém, diz Pio XI, tais reivindicações não são próprias do socialismo, e «os que só isto têm por alvo, não têm razões para se inscrever no socialismo».

«Nem por isto se deverá crer, continua Pio XI, que aqueles partidos ou grupos de socialistas, que não são comunistas, hajam todos mudado de opinião ou realmente, ou no seu programa, a tal respeito. Não, porque às mais das vezes eles não rejeitam nem a luta de classe nem a abolição da propriedade particular, mas querem só que esta seja de algum modo mitigada».

Poder-se-á, neste caso, ir ao encontro do socialismo e se chegar a um acordo por uma via média? Esperança vã, diz Pio XI. «E há ainda alguns que acalentam a vã esperança de atrair para nós desta maneira os socialistas» («Quadragesimo anno»).

«Os que querem se tornar apóstolos entre os socialistas, acrescenta Pio XI, devem professar abertamente e com sinceridade, plena e integralmente, a verdade cristã, e de modo algum ter conivência com os erros. E se deveras querem ser pregoeiros do Evangelho, devem cuidar, antes de tudo, de mostrar, aos socialistas, que as suas reivindicações, se forem justas, podem com muito mais eficiência ser defendidas com os princípios da Fé cristã («Quadragesimo anno»).

Por outras palavras. o que o Santo Padre deseja é a conversão dos socialistas, e não negociações à custa da mitigação dos princípios católicos.

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Não há conciliação possível entre o socialismo e a doutrina da  Igreja. Com efeito, o socialismo, quer considerado como doutrina, quer considerado como fato histórico, quer como «ação», se permanecer verdadeiramente socialismo, mesmo depois de ter cedido lugar à verdade e à justiça sobre estes pontos de que falamos, não pode conciliar-se com os ensinamentos da Igreja Católica, visto como seu conceito sobre a sociedade é de todo contrário à verdade cristã («Quadragesimo anno»).

Não há lugar, portanto, para distinções entre a prática e a teoria do socialismo.

Quanto à crítica de erros do capitalismo feita por Karl Marx, devemos ter em mente o que também nos disse Pio XI:

«Embora e socialismo admita, como todos os erros, algo de verdade (o que de resto os Sumos Pontífices nunca negaram), todavia funda-se numa doutrina sobre a sociedade humana, toda especial, que discorda do Cristianismo» («Quadragesimo anno»).

Com efeito, se formos atrás das coisas que têm «alguma coisa de bom», acabaremos estendendo a mão também ao demônio, pois este, apesar de ser ruinzinho como sabemos, tem de excelente sua natureza angélica...

E isto sem nos referirmos à questão da má fé com que comunistas lançam iscas para apanhar os católicos, como tão claramente Pio XI denunciou na «Divini Redemptoris»: «Cuidado, Veneráveis Irmãos...» Mas será necessário repetir?

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[Infelizmente, as últimas linhas do original estão com erros tipográficos, tornando ilegíveis diversas palavras, n.d.c.] E o que é inconciliável com os ensinamentos da Igreja, evidentemente não pode prestar.


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