Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Uma no cravo, outra na ferradura

 

 

 

 

 

 

Legionário, 10 de agosto de 1947, N. 783, pag. 5

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“Uma no cravo, outra na ferradura”, eis como o bom senso popular de outros tempos classificaria a ação de certos ostensivos adversários do comunismo, que com a mão direita rasgam os espaços com gestos furibundos contra as atividades das células vermelhas, enquanto com a mão esquerda, vão manhosamente promovendo medidas práticas tendentes a preparar o terreno para a bolchevização da sociedade.

Certos católicos fechados à evidência dos fatos ainda se dão ao trabalho de pregar a necessidade de abandonar o conceito de propriedade representado pelo “jus utendi et abutendi”. A verdade, porém, é que já se acham longe os tempos em que era oportuno lembrar os maléficos efeitos do mau uso e abuso do direito de propriedade por parte de seus detentores.

E a razão é simples: o direito de propriedade é cada vez mais fictício e cada vez mais se torna inexistente. Está se dando uma completa inversão de papéis e o “jus utendi et abutendi” vai gradativamente passando para o Estado, com consequências ainda mais danosas do que quando exercido pelos simples particulares. E isto não somente através dos golpes revolucionários, nos países onde frontalmente o comunismo ataca o direito de propriedade, mas também através de medidas capciosas, da falsa defesa das prerrogativas do Estado e de hipócrita “proteção” ao corpo social, mesmo nos lugares em que pseudo-governos de direita fingem combater o extremismo da esquerda.

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Em nosso último rodapé focalizamos o problema da família em face da desastrosa modificação das leis de herança e sucessão, triste consequência dos princípios igualitários da revolução liberal.

A essa indébita intervenção do Estado na vida família, e a esse coarctar da liberdade que tem os pais de garantir a estabilidade e permanência de sua propriedade, devemos em grande parte o aumento sempre crescente do número de famílias proletárias e a passagem das urbanas e rurais para os grandes grupos financeiros, para essas formidáveis sociedades anônimas que tudo avassalam e que são verdadeiros estados dentro do Estado. Organismos veiculadores da “usura voraz” a que aludem Leão XIII e Pio XI e preparadores do Estado totalitário, pela sua gradativa incorporação à máquina administrava, transformados em “órgãos” autárquicos.

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Veremos hoje outros aspectos dessa sorrateira manobra socialista.

Uma Companhia de Seguros, à guisa de propaganda, procurou recentemente provar a vantagem de seus títulos sobre os bens imóveis como garantia do futuro da família. A apólice de seguro de vida garantiria uma transmissão direta e íntegra, ao contrário do que acontece com a herança de propriedades, que com impostos, despesas forenses etc., chegam a atingir setenta e cinco a oitenta por cento do valor do imóvel! Mesmo no caso de trinta ou quarenta por cento, bem sabemos quantas heranças vão à praça por falta de recursos, para satisfação do fisco.

E isto que se dá com a transmissão “causa mortis”, também acontece com a transmissão “inter vivos”. Com a célebre ciza, outro verdadeiro confisco parcial da propriedade privada e também odioso instrumento de destruição do patrimônio familiar.

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Novo exemplo de medida bolchevizante que podemos assinalar, com o caso  particular do Brasil, são as leis do inquilinato que principalmente a partir do famigerado Estado Novo concorreu para destruir as bases em que se assentava a propriedade privada em um Estado cristão. O dono do imóvel passa a ser apenas um proprietário virtual. O proprietário real é o Estado que tudo regula, de tudo dispõe, que fixa o aluguel, os prazos e condições de locação, ameaçando o detentor do título imobiliário até com prisão celular pelas “infrações” cometidas, de acordo com o arbítrio fiscal.

Lei tanto injusta quanto hipócrita, pois não beneficia o povo de um modo geral, como o prova o atual retraimento nas construções para aluguel do tipo popular.

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Outro aspecto desse comunismo subterrâneo pode ser apreciado entre nós no aumento exorbitante dos impostos das pequenas indústrias caseiras e mesmo proibição do fabrico domiciliar em alguns casos, como se deu com o açúcar e o álcool de cana. Milhares de engenhocas e pequenas usinas foram compulsoriamente fechadas pelo poder público, com flagrante desrespeito da lei natural, pois nem para o próprio consumo o pobre lavrador pode produzir.

Resultado dessas proibições diretas e dessas falências indiretas ditadas pelo aumento dos tributos: faz-se o êxodo para as cidades e para as grandes fábricas, deixa o homem de ser livre e independente, perde até sua própria personalidade, para sumir na multidão proletária, onde o macacão nivela a todos e o antigo portador de um nome passa a ser conhecido por apenas um número: o “chapa” número tal.

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Nada temos contra o “macacão” nem contra a classificação numérica dos operários fabris, apenas não consideramos como um ideal o ser desejada a generalização dessa massa proletária e a extinção das pequenas iniciativas privadas.

Mas não é aí que cessa esse preparar das veredas para o totalitarismo socialista.

Há tempos, e por mais de uma vez, fizemos alusão à ameaça da intervenção estatal no campo da economia privada, mediante o plano de fornecimento de gêneros, vestuário, medicamentos etc., pelos institutos de previdências, as chamadas autarquias do seguro social, unificadas em um verdadeiro plano Beveridge tapuia.

Hoje esta ameaça desapareceu, para surgir como perigo real. Em vários pontos do território nacional as prefeituras estão instalando centros de distribuição de gêneros alimentícios e de outras utilidades, às vezes mediante favores e isenções excepcionais concedidos a intermediários e “afilhados”, outras vezes explorando esse ramo comercial através de instalações em imóveis municipais, com empregados retirados do próprio corpo de funcionários públicos, etc.

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Temos, assim, a seguinte situação injusta: de um lado, os comerciantes livres, que pagam aluguéis, fretes, impostos elevadíssimos, fora os riscos próprios do negócio.

De outro, as prefeituras, que não pagam aluguéis, ou que improvisam tendas rústicas e em desacordo com os próprios códigos de edificação municipais, que não pagam impostos e que obtêm todas as facilidades em matéria de transportes etc.

Enveredando por esse campo perigoso da demagogia, será fácil prever a consequência desses atos do poder municipal: a falência e a destruição da iniciativa privada e comercial, e a passagem desse ramo de negócio para a órbita estatal. Mais um contingente da classe média burguesa a engrossar a fila dos macacões das fábricas urbanas. É mais um degrau na escala social que desaparece em favor do proletariado amorfo e anônimo.

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No campo do ensino, proclamam esses Tartufos nada ter a opor contra a escola livre e privada. Os regulamentos e as taxas se encarregam, porém, de estrangular essa mesma iniciativa particular. E a fictícia gratuidade do ensino oficial também deita sua pá de cal nas escolas livres.

Dizemos fictícia gratuidade, porque o ensino oficial não se faz sem dinheiro, e muito dinheiro, e de onde saem esses recursos senão dos impostos pagos pelo povo?

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Todas essas ingressões totalitárias do Estado no campo das iniciativas privadas são pagas, de modo indireto, pelo próprio povo, com sacrifício da hierarquia orgânica do corpo social, que desaparece para dar lugar à “massa” proletária, dócil instrumento nas mãos dos futuros “comissários do povo”.

Estejamos, portanto, alertas. Não caiamos na ingenuidade de dirigir nossas baterias só contra Prestes e seus caricatos sequazes, deixando este importante flanco aberto às investidas do inimigo.

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Reacionários, dirão os colaboracionistas e amigos da mão estendida. Não vêm que todas essas medidas tiram a razão de ser da propaganda comunista?

“Façamos a revolução antes que o povo a faça”, dizia um solerte político das Alterosas. Também agora há quem deseje fazer o comunismo antes que Prestes e Stalin o façam. Sem um tiro e sem derramamento de sangue.

Entretanto, para o católico fiel à doutrina da Igreja não se trata do processo pelo qual o comunismo é implantado em um determinado lugar, mas do fato de que o comunismo é intrinsecamente perverso, venha de onde for.


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