Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
O nomadismo contemporâneo

 

 

 

 

 

 

Legionário, 3 de agosto de 1947, N. 782, pag. 5

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O sectarismo revolucionário adotou a palavra “reação” para classificar aqueles que não se conformam com a gradativa destruição das bases em que se assenta a sociedade católica, levada a cabo pelos partidários dos “imortais” princípios de 1789.

As palavras, infelizmente, aceitam com docilidade o sentido que se lhes queira dar. A reação contra uma coisa má é um ato meritório. Hoje, entretanto, o reacionário, por definição, no vocabulário desses sectários, apenas reage contra as belas conquistas do mundo moderno.

O contrário se dá com a palavra “resistência”. Os revolucionários monopolizaram a expressão. Quem resiste, resiste sempre contra a “reação”.

Ora, falando sem esse partidarismo, veríamos que reagir é muito mais dinâmico do que resistir. A resistência implica sempre em uma certa passividade, ao passo que a reação significa a ação de quem não se limita a resistir, mas leva a luta ao campo do adversário e agressor.

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Conservadores, fomos sempre classificados como reacionários, tanto pelos liberais da velha guarda, quanto pelos fascistas e comunistas, bem como pelos simpatizantes desses três extremismos. Inimigos das falsas conquistas revolucionárias, não temos nenhuma esperança de ser compreendidos por aqueles que voluntariamente se tornam cegos, pelo espírito do mundo, a melhor arma explorada pelos mentores ocultos desse movimento universal que lentamente, mas com segurança, vai edificando a anti-igreja maçônica sobre os escombros da civilização católica.

Dirigimo-nos sobretudo aos católicos de boa fé e abertos às verdades básicas em que se assenta o edifício social de um Estado verdadeiramente cristão.

Estamos em uma fase de reestruturação das nossas normas jurídicas, econômicas e sociais. Com pesar, porém, notamos que pouco podemos esperar dessas constituições que tumultuariamente vão sendo elaboradas por todo o território nacional. Os princípios básicos vão sendo esquecidos, a herança de 1789 vai sendo ciosamente mantida e mesmo acrescida de erros ainda mais nefastos, preparatórios do advento do Estado totalitário, que é o termo final das atividades sectárias.

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Um desses pontos básicos vem a ser a questão da sociedade familiar. Coerentes com a orientação desde o início imprimida a este rodapé, vamos hoje transcrever alguns conceitos, ainda atualíssimos, emitidos sobre este assunto pelo Padre Ventura de Raulica, o grande companheiro de lutas do maior dos reacionários e ultramontanos que foi Louis Veuillot.

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Falando dos diferentes estados em que a sociedade política pode encontrar-se, provamos que nenhuma sociedade desse gênero pode constituir-se sem se achar previamente estabelecida, e que ela não se estabelece a não ser saindo do estado nômade.

O mesmo se aplica rigorosamente à sociedade doméstica.

A sociedade política não se constitui a não ser pelo culto e por uma legislação uniformes, permanentes, públicos, decorrentes da constituição fundamental, e por autoridades religiosas e civis encarregadas de lhes dar execução. Do mesmo modo a sociedade doméstica não é constituída a não ser quando seu chefe lhe fixou a lei fundamental e tudo o que dela decorre por meio de seu testamento. Porque o testamento do pai de família é a constituição da família, como a constituição do Estado não passa do testamento dos fundadores do Estado.

Enfim, a sociedade política não sai de seu estado nômade e não se estabelece a não ser quando se fixa de um modo permanente sobre um território qualquer, que se torna sua pátria. Semelhante, a sociedade doméstica, não se estabelece a não ser pela ocupação permanente do solo, ou pela imobilização da propriedade de seu fundador ou de seu chefe.

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Mais ainda, mesmo no estado nômade, no qual ela muda frequentemente de lugar e se transporta de um ponto a outro, no interesse de sua conservação e de seu bem estar, a sociedade das famílias é sempre uma sociedade pública, ao passo que a sociedade dos indivíduos, privados de toda propriedade estável, não é uma sociedade doméstica. Ela pode ser uma família no sentido natural, mas não no sentido legal e social. Pode-se dizer que o estado nômade ou o estado incerto, precário, porque não ligado à estabilidade da propriedade, é para a família um estado de destruição e de morte.

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Eis o que acontece nos países em que o espírito revolucionário chega a fazer aprovar pelas leis a interdição da herança íntegra, ou a estabelecer como princípio a partilha forçada da propriedade doméstica. À morte do pai, seus filhos recebem os bens em partes iguais. Vendem a casa e a terra paterna cada um embolsa o preço que lhe toca. Debandam e se dispersam como seres que não mais tem um centro comum, capaz de os manter unidos. Vão formar novas uniões, tão precárias quanto as de que procederam, mas sua família comum não mais existe. De modo que há nesses países homens e mulheres que se unem para gerar filhos quase que como os animais. Mas famílias, propriamente ditas, que conservam tradições e o nome de seu chefe, não mais existem ali. Que estranhar que isto aconteça? A existência da família é essencialmente ligada à estabilidade da mesma casa, da mesma propriedade ou da mesma indústria. Onde não há propriedade estável não há família.

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Passando a tratar do direito de primogenitura, mostrando-lhe as antiquíssimas origens no Velho Testamento, acrescenta o grande pensador católico:

“Os adversários do direito de primogenitura não se mostram menos ignorantes nem menos razoáveis quando o taxam de injusto.

O direito de primogenitura, como o observou com tanto senso de Bonald, não é o direito do primogênito, mas o direito da família. Não foi estabelecido para a vantagem de um de seus membros, mas para a vantagem de toda a família, visto que nenhuma família se pode conservar sem a estabilidade da propriedade. E nenhuma propriedade pode se perpetuar se for condenada a se dividir e subdividir entre vários indivíduos e não se fixar na pessoa de um único.

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Portanto, assim como a lei de hereditariedade do Poder Público, de varão a varão, por ordem de primogenitura, é feita para a estabilidade dos Estados, do mesmo modo a lei de hereditariedade do Poder doméstico, de varão a varão, por ordem de primogenitura, é feita para a estabilidade das famílias. Digamos, portanto, prossegue o mesmo autor, o que se chama o direito de primogenitura não passa de uma locução abreviada para exprimir o primeiro e único meio de perpetuidade das famílias”.

Do mesmo modo que a família é a reunião dos indivíduos sob um mesmo poder doméstico o Estado não passa da reunião das famílias sob um mesmo poder público. Segue-se daí que o Estado ou seu chefe deve, antes de tudo, se ocupar do interesse das famílias. É este o primeiro de seus deveres, bem como o primeiro título de sua existência. A revolução, fechando os olhos a este grande princípio do direito social, propôs como objeto mediato dos cuidados do Poder do Estado, o contentamento das exigências dos indivíduos. Ela lhes sacrificou todo direito coletivo, fazendo tabula rasa dos direitos da família, da comuna e do próprio Estado. Eis injustiça, e bem gritante, das maiores que possam existir. Eis uma das maiores faltas e dos maiores crimes da revolução.

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Mas, que na distribuição de sua fortuna entre seus filhos, o pai de família imobilize uma porção do benefício de seus descendentes, isto é, para a conservação e perpetuidade de sua família, nada mais justo nem mais conforme à razão e ao instinto do homem e aos princípios da natureza e da sociedade”.

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E, acrescentamos nós, quem tem a lucrar com a instabilidade atual da família e do número cada vez maior de ........ (palavras ilegíveis no jornal, devido a problema de gráfico)  senão a causa .................. totalitária, em que .............. dominará onipotente sobre a poeira social?


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