Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

O fetichismo da "instrução" e do "social"

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 13 de julho de 1947, N. 779, pag. 5

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Houve tempo em que andou na moda dizer-se, com Vitor Hugo, que “cada escola que se abria era uma prisão que se fechava”.

Hoje o chavão liberal deixou de ser repetido, por cheirar a bico de gás e a velharia do século dezenove. Entretanto, o conceito ficou e o vemos usado com a naturalidade com que é posta em circulação a moeda de curso forçado.

A alfabetização e a instrução profana continuam a ser tudo para certa espécie de gente. A maior desgraça que pode desabar sobre um cidadão é não saber ler nem escrever. O combate à onda de crimes que agora envolve a humanidade não seria um problema eminentemente moral, e de formação religiosa, mas dependeria sobretudo da difusão de cartilhas de bê-a-bá e da ingestão de noções científicas, bem como da promoção de maior sociabilidade entre os homens. A superstição mundana acrescentou um novo fetiche à série de valores secundários de sua idolatria: além do fetiche da “instrução” temos também o fetiche do “social”. Tudo é social. Conforme título aposto a uma fotografia de um grupo de rapazolas completamente nus, em uma reportagem de jornal diário desta semana sobre os parques infantis da Prefeitura Municipal de São Paulo, “tudo é feito em conjunto. Até o banho é coletivo”.

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Passamos, assim, do individualismo liberal para o socialismo liberal. Tanto é verdade que os extremos se tocam. E tanto é verdade que essas agitações em que é lançada a humanidade de um extremo a outro, longe de resultarem da confusão de idéias em que aparentemente vivemos, são pelo contrário, provocadas por um caos dirigido, e adredemente preparado para levar a sociedade a um alvo determinado.

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Ora, não há dúvida quanto à conveniência de se ministrar às classes menos favorecidas a formação cultural que especialmente habilite o homem a se beneficiar dos frutos da vida civilizada. Antes de tudo, porém, cumpre formá-lo para o amor de Deus e a honestidade dos costumes, dando-lhe um conhecimento adequado da verdadeira finalidade de sua vida terrena. Alfabetizar e instruir pelo prazer de fazê-lo, sem tornar esse conhecimento uma arma para o aperfeiçoamento moral, ensinar a ler a um pobre analfabeto e deixar-lhe nas mãos, em seguida, um exemplar do “Gibi”, da “Tribuna Popular” ou do “Hoje”, eis uma desgraça que torna o estado desse indivíduo de meia-ciência pior que o anterior.

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Decididamente, não é o analfabetismo o principal responsável pela onda de crimes e de irresponsabilidade que nos avassala. A Alemanha era um dos países mais alfabetizados do mundo e caiu na arapuca do nazismo. Não nos consta que os “gangsters”, os falsários, os tubarões do alto comércio, os comissários do povo e diretores de campos de concentração, não nos consta que os mais conspícuos representantes do crime organizado deste século vinte sejam indivíduos destituídos de qualquer cultura ou instrução.

Dar, portanto, as luzes das primeiras letras e dos conhecimentos técnicos e científicos, sem que nessa formação intelectual prepondere a formação religiosa e moral, é aumentar potencialmente o número desses criminosos e de seus inconscientes sequazes.

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E quando nas escolas leigas reinam a promiscuidade, a coeducação, o interconfessionalismo, ao lado de um ensino puramente profano e exclusivamente dirigido por preocupações materiais, temos então o quadro completo de uma geração perfeitamente preparada para o advento do Estado totalitário socialista, para o qual tais escolas fornecerão enormes contingentes de súditos dóceis dedicados.

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E ao sustentar este ponto de vista, nada mais fazemos que repetir a lição da Igreja. Pio X, na Encíclica “Acerbo nimis”, sobre o ensino do Catecismo, mostra que a corrupção do mundo é devida principalmente à ignorância religiosa das pessoas chamadas cultas e eruditas.

Diz o Soberano Pontífice: “Não há conhecimento de Deus na terra. A maldição e a mentira e o homicídio, e o roubo e o adultério a inundaram por completo; o sangue se adiciona ao sangue, por cuja causa se cobrirá de luto a terra e desfalecerão todos seus habitantes” (Oséas IV, 1 e 3).

“Quão fundados são infelizmente estes lamentos, hoje que existe tão grande número de pessoas entre o povo cristão, que ignoram totalmente as coisas que devem ser conhecidas para se alcançar a salvação eterna! Ao dizer povo cristão não nos referimos somente à plebe ou às classes inferiores, às quais escusa com frequência o fato de se acharem submetidas a homens tão duros que mal lhes deixam tempo para ocupar-se de si mesmos ou das coisas que lhe atingem a alma. Falamos também e principalmente daqueles aos quais não falta entendimento nem cultura e que até se acham adornados de erudição profana, apesar do que nas coisas de religião vivem da maneira mais temerária e imprudente que se possa imaginar. Difícil seria ponderar o espesso das trevas que os envolvem e, o que é o mais triste, a tranquilidade com que nelas permanecem! De Deus soberano autor e moderador de todas as coisas e da soberania da Fé cristã nada se lhes dá, de maneira que verdadeiramente nada sabem da Encarnação do Verbo de Deus, nem da perfeita restauração do gênero humano por Ele consumada; nada sabem da graça, principal auxílio para alcançar os bens eternos; nada do sacrifício augusto, nem dos sacramentos, mediante os quais conseguimos e conservamos a graça. Quanto ao pecado, não conhecem sua malicia nem o opróbrio que traz consigo, de modo que não empregam o menor cuidado em evitá-lo ou em apagar sua mancha, e chegam ao dia extremo em disposição tal que para não deixá-los sem nenhuma esperança de salvação, o sacerdote se vê no caso de aproveitar aqueles últimos instantes de vida para ensinar-lhes sumariamente a religião, em vez de empregá-los principalmente, segundo conviria, para movê-los a afetos de caridade; isto se não ocorre que o moribundo padeça de tão culpável ignorância, que tenha por inútil o auxílio do sacerdote e se resolva tranquilamente a atravessar os umbrais da eternidade sem haver satisfeito a Deus por seus pecados. Pelo que nosso Predecessor Bento XIV escreveu justamente: Afirmamos que a maior parte dos condenados às penas eternas padece sua perpétua desgraça por ignorar os mistérios da Fé, que necessariamente se devem conhecer e crer para que sejamos contados entre os eleitos.

“Sendo assim, que há de surpreendente que a corrupção dos costumes e sua depravação sejam tão grandes e cresçam diariamente, não digo entre as nações bárbaras, mas até entre os próprios povos que se dizem cristãos?”

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O problema não consiste, portanto, na volta ao ABC, mas na volta a Deus. E no uso dos bens terrenos, inclusive os que nos proporcionam a cultura e a civilização, para atingir nosso fim sobrenatural e eterno.


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