Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Os que balem com os cordeiros e

uivam com os lobos

 

 

 

 

 

 

Legionário, 6 de julho de 1947, N. 778, pag. 5-6

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Muito se tem falado e escrito sobre as relações e afinidades doutrinárias entre o totalitarismo socialista da esquerda e o totalitarismo socialista da direita. É bem verdade que ainda andam soltos por aí certos mistificadores da opinião católica que fazem coro como os agentes soviéticos quando contrapõem o nazifascismo ao comunismo, mostrando uma indisfarçável inclinação por este último. Como, porém, bem acentua James Burnham, “a pretensão dos comunistas, no sentido de serem os líderes mundiais na luta contra o fascismo”, é - do ponto de vista dos que não são nem fascistas nem comunistas - uma das pilherias mais irônicas da história.

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Ora, essa identidade de ideologia, de métodos de ação e sobretudo de finalidade – pois que ambos os totalitarismos visam chegar ao socialismo de Estado – tão grande identidade de propósitos está a indicar uma identidade de orientação e de comando.

Esbarramos, assim, com um enigma, pois é sabido que o comunismo é insuflado e dirigido pela maçonaria. E tanto o fascismo quanto o nazismo exploraram espetacularmente a tecla da “judaico-maçonaria” em aliança com o bolchevismo.

Em certa revista cultural dos idos de 1933 vemos, por exemplo, um comentário no sentido de que os nazis haviam declarado a maçonaria contrária aos interesses da Alemanha, e que iriam se esforçar pela sua extinção no país...

Foi justamente esta uma das iscas lançadas pelo totalitarismo da direita para atrair os católicos menos avisados e surdos às advertências da Igreja.

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Estava o mundo diante de um embuste. E quem foi o instrumento dessa nefasta mistificação?

Verdadeiro Tartufo, sua hipocrisia é sem limites. Bale com os cordeiros, uiva com os lobos. Explora todas as camadas da sociedade humana e vai das mais altas esferas conservadoras, aos extremos do mais descabelado bolchevismo. A cada um desses polos ele fornece uma explicação plausível de suas relações com o outro. Às pessoas bem pensantes, fala sobre religião; às de tendência antissemita, grita: “Morte aos judeus!” Aos que compreendem o perigo do ocultismo, declara que sua missão é de destruir todos os movimentos ocultos e de desmascarar suas práticas satânicas. Em todos os campos, engana os papalvos e recruta aderentes. Em todos os meios políticos em que é recebido, colhe informações que transmite aos seus “senhores visíveis, cujo poder se estende aos mais recuados limites do mal”.

Eis como E. J., em seu estudo sobre os “Missionários do gnosticismo”, retrata o moderno agente das forças secretas.

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Tentemos, assim, resolver o suposto enigma do nacional-socialismo, que promoveu os planos maçônicos, embora apregoasse uma guerra sem tréguas contra a maçonaria...

A R.I.S.S. de 15 de março de 1931 faz referência a uma luta travada na Alemanha, naquela ocasião, entre duas facções da maçonaria. Uma alimentava o sentimento patriótico em um espírito nacionalista intransigente. Essa facção era representada pelas Grandes Lojas prussianas. A outra facção, representada pelas restantes Grandes Lojas, mantinha tendências humanitárias e ecléticas.

O número da R.I.S.S. de 21 de junho de 1931, é mais explícito e diz o seguinte:

“Do mesmo modo que duas grandes correntes se delinearam no mundo político (na Alemanha): o nacionalismo e o socialismo (comunista), do mesmo modo duas correntes idênticas se manifestaram nas lojas. A dizer verdade, parece que os movimentos secretos das lojas precederam os acontecimentos públicos registrados nos últimos meses e que elas são uma das causas mais importantes desses fatos”.

“O grande, acontecimento do ano de 1930 foi o triunfo imprevisto dos partidários de Hitler nas eleições de setembro. Uma agitação nacionalista formidável se revelou subitamente e parecia tudo empolgar. O nacionalismo alemão é especificamente prussiano e luterano. Ora, precisamente, uma orientação neste sentido havia se manifestado em certas lojas com uma tal acuidade, que se seguiu um grande conflito com as autoridades maçônicas internacionais. (?) Em termos claros, isto quer dizer que um dos grupos secretos que manejam o mundo lançou no nacionalismo uma parte da maçonaria alemã, e que um outro grupo, amedrontado, lançou contra o primeiro uma excomunhão maior”.

Mais adiante diz a revista que esse grupo das “Grandes Lojas Prussianas”, havia tomado, em 1929, a decisão de admitir entre seus membros somente pessoas de religião cristã...

O sr. Max Rosenthal (O. de Breslau) não duvidou que essa tendência “germano-cristã” da maçonaria alemã não era outra coisa, senão um anti-semitismo e um nacionalismo inconscientes.

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Qual a razão de haver o grupo das “Grandes Lojas Prussianas” tomado a decisão de somente admitir entre seus membros pessoas de religião cristã? Simples razão de tática, pois pretendia o nacional-socialismo lançar o movimento do cristianismo positivo, denunciado pelo Episcopado bávaro em fevereiro de 1931 e cujos cinco erros doutrinários fundamentais foram assim resumidos: a) primado da raça sobre a religião; b) rejeição das revelações do Antigo Testamento e do Decálogo mosaico; c) rejeição do primado do Papa; d) estabelecimento de uma “Igreja nacional alemã”; e) criação do sentimento moral da raça germânica em critério de lei moral. Todos esses erros foram também condenados por Pio XI na (encíclica) “Mit Brennender Sorge”.

Em sua fase inicial o nazismo, longe de perseguir os católicos, procurava atraí-los, para depois perdê-los e escravizá-los.

Eis uma pequena amostra da propaganda então desenvolvida para seduzir a opinião católica:

“Façamos sair, meus senhores - foi a peroração vibrante do orador - façamos sair o catolicismo alemão da posição de defensiva que ele, infelizmente, ocupou até aqui e saibamos dar-lhe uma posição de ofensiva na construção do III Reich. A essa tarefa, o catolicismo alemão pode fornecer e fornecerá, se ele compreender verdadeiramente o sinal dos tempos, uma colaboração imensa”.

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Assim falou o prussiano e católico Von Papen no congresso católico de Maria Laach. Von Papen, o homem que fez Hitler e que fez da concordata um grande “bluff”.

Comparem essa linguagem de “conciliação” e de “construção” com a atitude do “Osservatore Romano”, que antes dessa época, antes mesmo de Hitler subir ao poder, já percebia o perigo e a traição que estava sendo arquitetada contra os católicos alemães.

“A filiação ao partido nacional-socialista não é mais conciliável com a consciência católica, que a filiação ao socialismo de todos os tons” (Osservatore Romano de 1930, n. 239). E a propósito do artigo 24 do programa do partido nacional-socialista, redigido nos seguintes termos: “O partido como tal sustenta o ponto de vista de um cristianismo positivo sem se ligar entretanto a uma confissão determinada”, assim se expressou na mesma ocasião o órgão oficioso da Santa Sé:

“A única coisa que espanta é que os sectários do culto de Wotan tenham podido ter a impudente (sem pudor) pretensão de reunir em torno do estandarte da roda solar e da cruz gamada os discípulos da Cruz de Cristo, desse mesmo Cristo, que expulsou os deuses do Olimpo”.

Vemos por esses dois trechos e sem nos referir às inúmeras advertências e condenações do episcopado alemão, que a maior sedução do nazismo, em sua fase inicial foi o seu falso espírito de conciliação e de colaboração com o cristianismo. Não tem justificativa, portanto, a atitude dos católicos que se deixavam iludir. Como não terão justificativa os católicos que a qualquer tempo aceitarem a mão estendida pelos socialistas da esquerda.

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No problema das ligações do nazismo com as forças secretas temos a dificuldade do anti-semitismo. Esta face da questão merece um estudo à parte. Frisemos entretanto, desde já que o anti-semitismo nazista se explica pelo próprio semitismo, isto é, o anti-semitismo de Hitler aproveita sobretudo aos planos dos sábios de Sião. É interessante neste sentido assinalar a ajuda prestada pelos magnatas judeus ao nacional-socialismo, conforme depoimento de Gregor Strasser.

E uma coisa ademais é de evidência imediata: Hitler, segundo suas próprias palavras, é um continuador da obra de Bismark. E Bismark foi um mero instrumento das forças secretas ao lançar o Kultur Kampf contra Igreja Católica.

Em conclusão: o aparente combate movido pelo fascismo e pelo nazismo contra as forças secretas está na mesma linha da farsa do combate ao comunismo. Simples despistamento, pois há pleno acordo no essencial; as divergências se cingem ao secundário. Combatendo, embora, as lojas de “fachada”, o fascismo e o nazismo prepararam à sombra das “arrière loges”, cujo programa realizam à mil maravilhas: a implantação no mundo do Estado totalitário socialista.

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Há, porém, uma outra briga indireta e interessante, também do início do nazismo.

Ludendorf acusou a maçonaria de ser a força super-governamental causadora da guerra. A guerra seria um instrumento para a realização dos planos da seita. O maçom Ohr, primeiro venerável de uma Loja Alemã, atacado por Ludendorf, responde:

“Nós, membros da loja de campanha “A luz que se levanta sobre o Some”, depois de longas cogitações, chegamos à convicção de que é justamente em tempo de guerra que a maçonaria pode espalhar mais suas benemerências, que nossa Arte Real revela seus últimos mistérios quando, com o coração batendo, o homem se acha em face da luta. Não vemos nada de contraditório entre a guerra e a Humanidade...

“Mas para nós, Maçons, a palavra Humanidade não significa exclusivamente a compaixão tipo Schopenhauer, que se limita a aplicar cataplasmas. Não, para nós a Humanidade é a vontade de construir um conjunto segundo um plano para a realização de um fim”.

Liguemos isto com o que Lenine dizia sobre a necessidade de uma guerra mundial para acabar com os últimos remanescentes do espírito burguês. Liguemos com as declarações do fabiano Stafford Cripps de que o fato mais notável da última guerra, não foi o esmagamento do nazismo, mas a marcha do mundo para a esquerda. Liguemos com as palavras de Goebbels, no fim da guerra, ao afirmar que, embora esmagado, o nazismo venceria pela implantação do socialismo na Europa... Liguemos tudo isso com as filas, os racionamentos, as nacionalizações, o dirigismo e outros fenômenos provocados pela guerra, e veremos o tremendo proveito que as forças secretas tiram dessas hecatombes mundiais para fazer progredir seu plano de implantação do totalitarismo socialista universal.

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Isto com relação ao nazismo. Vejamos, agora, o que se deu com o fascismo.

Logo que os camisas pretas galgaram o poder, correu mundo a notícia de que Mussolini havia fechado a maçonaria na Itália. Os círculos chegados ao catolicismo se assanharam. A própria Revista Internacional das Sociedades Secretas, de orientação católica, de início embarcou nessa pista errada.

Eis, porém, que a 29 de junho de 1931 Pio XI na Encíclica “Non abiamo bisogno”, ao denunciar a luta desencadeada pelos camisas pretas contra a Igreja, declara que nunca a ação das sociedades secretas e do socialismo se fizera sentir mais fortemente na Itália do que durante o regime fascista, que hipocritamente se propunha combater esses dois flagelos da humanidade.

E em seu número de 20 de setembro de 1931 esclarecia a RISS em artigo de W. Lodge: “A 10 e 11 de agosto de 1931 apareceram em “La Croix” dois importantíssimos artigos assinados por A. Guissan e dos quais se deduz que não somente Mussolini não rompeu francamente com toda a maçonaria, mas ainda era favorável ao Supremo Conselho, conservando entre seus colaboradores imediatos, membros eminentes dessa obediência, notadamente Raul Palermi, Italo Balbo, Bottai, Elmondo Rossoni, Farinacci, Dudan. Se é exato que o Grande Oriente foi suprimido, conclui Guissan, não é menos verdade que o Duce não rompeu com os maçons da piazza del Gesù (Supremo Conselho).

Podem dizer que um autor católico é suspeito. Há porem um livro escrito por Maria Rygier e prefaciado por Lucien Le Foyer, antigo Grão Mestre da Grande Loja de França. Tem ele por título “A franco-maçonaria italiana perante a guerra e perante o fascismo”. Diz ela:

“Mas passemos sobre a guerra e vejamos como, uma vez no poder, o sr. Mussolini, as coisas se voltam contra a Maçonaria, apesar do Grande Oriente haver colocado três milhões nos bolsos do ditador (para a marcha sobre Roma, esclarece um artigo aparecido na Libre Belgique), e que os maçons ocupem importantes postos de comando no fascio”.

E continua Maria Rygier:

“Foi o Soberano Comandante e Grão Mestre da Grande Loja, Raul de Palermi, que dissipou as hesitações compreensíveis (sic) do Duce e foi o principal instigador da perseguição da franco maçonaria, na esperança decepcionante de conter a proscrição a seu grado e de dirigir seus rigores contra apenas o Grande Oriente”.

Depois de citar estes trechos, acrescenta W. Lodge:

“Desta vez temos um texto! E começamos a compreender porque Mussolini agiu de acordo com a mais perfeita lógica ao dissolver a Maçonaria do Palácio Justiniano (ou Grande Oriente) e ao exilar seu Grão Mestre Domizio Torrigiani, ao mesmo tempo que conspirava, sob a capa do Tratado com o Vaticano, completar a obra política de Mazzini e de Cavour, depois de arrebatar à Igreja toda influência religiosa sobre a juventude, para a instruir, ao seu talante, no ambiente pagão dos balilas”.

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Isto já observava e denunciava um católico esclarecido em 1931.

Se de lá para cá ainda cresceu o número dos ingênuos que acreditaram nos mistificadores agentes das forças do mal, isto é sintoma das épocas dominadas pela apostasia, em que a voz da verdade é abafada pelo alarido do erro, em que os homens deixam de crer no verdadeiro Deus e em Sua Igreja, para correr atrás de fábulas.


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