Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Política vazia

 

 

 

 

 

Legionário, n.° 771, 18 de maio de 1947

  Bookmark and Share

Jamais a política nacional esteve tão insípida, tão vazia de homens e de ideais, quanto neste momento. Não que nos faltem, nos quadros da política militante, homens dos mais representativos da inteligência e cultura nacional, mas a pobreza de nossa vida política é tal que esses homens, salvas algumas exceções, ou fazem papel apagado e secundário, e deixam a direção dos acontecimentos às figuras de segundo plano, ou são obrigados a condescender com as fraquezas do ambiente, e a se associar às questiúnculas pessoais e picuinhas partidárias, para conservar alguma ingerência  nos acontecimentos.

Foi o que pudemos sentir claramente por ocasião do fechamento do Partido Comunista. A questão não deixa de ter certa grandeza. Nela se empenham princípios dos mais altos e interessantes. Haveria, pois, matéria prima para debates parlamentares de grande estilo, em que as várias correntes ideológicas do país vissem expressos no Parlamento com eloqüência, cultura e elevação, seus próprios sentimentos. Mas, além de dois ou três discursos bons, nada tivemos. A impressão desoladora que preponderou foi de que a maior parte de nossos políticos tomou posição pró ou contra, exclusivamente segundo os critérios das vantagens da oposição ou da situação, o que equivale a ver o assunto pelo lado errado do binóculo. No fim, a questão se resolveu bem. Mas é preciso reconhecer que com ela não se enriqueceram os anais políticos do país.

Este é um exemplo. Poderíamos apresentar muitos outros. Mas preferimos considerar esta inocuidade da vida cívica do país através de outro aspecto.

*   *   *

Faltam-nos problemas importantes para tratar? Manifestamente não. Por que, então, este vazio em nossa imprensa política?

Para considerar somente as questões econômico-administrativas, lembremos as seguintes:

1- Toda população está atenta à solução do caso da antiga São Paulo Railway. Teme-se que a estrada, confiada à administração federal, se transforme em outra Central do Brasil. Todos desejam a entrega da estrada à iniciativa particular, cuja eficácia excede de muito a de todos serviços federais. Há algum estudo nesse assunto? O que pretende fazer a União? Há negociações entabuladas com alguma entidade oficial do Estado, ou com alguma entidade privada, sobre o caso?

2- a crise de habitações prossegue mais aguda de que nunca. É sabido que uma de suas causas foi o afluxo de elementos do interior para a capital. Quais os motivos deste afluxo? Cessou ele? Em caso negativo, como fazer que ele cesse? Por exemplo, está estudado qualquer plano para impedir a localização, na capital, de industrias que poderiam funcionar igualmente bem, ou até melhor no interior?

3- outra causa da crise de habitações foi a carência de material de construção. A crise só cessará quando essa carência cessar. Há providências para facilitar a importação ou produção de tal material? Que providencias? O desafogo está previsto para quando?

4- Por fim, fora de dúvida que, com a legislação inepta que possuímos em matéria de aluguel, os capitalistas hesitam em aplicar dinheiro neste campo. Amanhã virá alguma lei que lhes congele o patrimônio, e eles nada poderão fazer. Há providências no sentido de acautelar os direitos dos proprietários, e estimular assim a aplicação de dinheiro na propriedade imobiliária e especialmente em construções?

5- a carestia da vida depende, em grande parte, da falta de braços na lavoura. Há providências para canalizar para o Brasil pequenos contigentes de imigrantes aqui e acolá. Contudo precisamos deles às centenas de milhares. Que providências foram tomadas para tal efeito?

Assim os problemas poderiam ser enumerados e discriminados em imensas listas. Deles cuida um ou outro estadista mas sob o olhar indiferente e até mal humorado da massa dos políticos de carreira. Estes, em geral, só pensam nos casos pessoais. E como só estes casos figuram na lista dos acontecimentos por que todos se interessam, a imprensa é levada a lhes dar uma preponderância muito grande em seu noticiário.

E daí a impressão de insipidez, de vazio, de mediocridade, que nossa vida política oferece em quase todos os seus aspectos.

*   *   *

Vejo nisto um círculo vicioso. Se os verdadeiros problemas nacionais tivessem mais entrada em nossa vida cívica, se a capacidade para lhes dar solução fosse um elemento importante para a carreira política, os homens mais capazes sentiriam em si forças e meios para tentarem a escalada, e a ele se atirariam com prazer. Mas como tal não se dá, como a ascensão na política depende  preponderantemente de habilidades táticas de ante-sala, estes homens se mantém ausentes. De outro lado, como estes homens de mérito se mantém ausentes, o ambiente não melhora. E, neste círculo vicioso a vida do país vai rolando indefinidamente.

Não se pense que esta crítica tem um alcance negativo. À força de dizer e repetir coisas tais, quem sabe se algum dia se poderá esperar que os elementos verdadeiramente responsáveis se unam para fazer circular ar fresco e sangue novo em nossa política?

Só há um meio de decidir os homens a grandes sacrifícios para eliminar um mal: é mostrar-lhes que este mal é bastante grave para justificar os sacrifícios que lhes pedem.

Esperemos o dia em que tal se dê. Este dia marcará uma era nova para a História do Brasil.

Nota: Os negritos são deste site.


ROI campagne pubblicitarie