Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Águas para o moinho totalitário

 

 

 

 

 

 

Legionário, 11 de maio de 1947, N. 770, pag. 5

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Felizmente está levantando protestos a tentativa de uma verdadeira onda de infiltração socialista, no ante-projeto da Constituição paulista, através da criação do imposto único sobre terras.

Temos a assinalar a atitude ridícula de alguns partidários da medida, quando procuraram provar que georgismo não é comunismo.

A esta altura dos acontecimentos políticos e sociais daria prova de imbecilidade córnea quem deixasse de perceber o nexo existente entre as várias correntes socialistas e o comunismo. Em que pesem as divergências e brigas que não mais impressionam aos que realmente querem ver todos esses grupos esquerdistas, aduzem água para o mesmo moinho. E não é menos inconsequente bizantinismo afirmar que o georgismo nem mesmo socialismo pretende ser. A lógica interna do erro independe da vontade ou da torcida de quem o perfilha. E mais alto que a eloquência suburbana dos georgistas do Palácio das Indústrias, falou a moção de apoio ao imposto territorial único apresentada em plenário pela bancada comunista. Por onde se vê a quem interessa tal dispositivo.

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Devemos combater a impressão falsa de que o comunismo é apenas feito pelos comunistas. O Estado Novo, por exemplo, fez muito mais pela bolchevização do Brasil que uma dúzia de Prestes e de Crispins. E antes do Estado Novo discricionário, a disfarçada e hipócrita ditadura liberal em todo o mundo já vinha preparando essa subversão de que o totalitarismo socialista é o termo final.

A luta surda e pertinaz em favor do Estado socialista vem de longa data. Relembremos os sucessivos ataques à propriedade privada. A lei de herança tem sofrido grandes golpes, de que resultou a excessiva subdivisão da propriedade e seu esfacelamento, ao ponto de reduzir à miséria os novos herdeiros, fazendo essas parcelas desvalorizadas passar para o domínio dos grandes proprietários.

Outro golpe preparatório da abolição da propriedade privada foi o confisco dos bens da Igreja e dos nobres, realizado principalmente pela Revolução Francesa.

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E assim vamos chegando aos poucos ao estado social sonhado pelas forças do mal: as propriedades e o trabalho pertencerão ao Estado, que em troca dá aos cidadãos a própria subsistência.

Agrava-se esta tendência pelo aumento progressivo dos impostos. Isto faz aos poucos acreditar que tudo pertence ao Estado. A taxação passa a ser um confisco da propriedade particular. Compreendemos, assim, o sorriso de Stalin em sua primeira entrevista com o Embaixador Davies. Disse ao führer soviético o milionário americano:

«Quanto pensa que irá para o Estado, para os filhos e herdeiros da senhora Davies? (Stalin mostrou-se interessado). “Mais de 80% irão para o governo do Estado e para o Governo Federal, e menos de um quinto de sua propriedade irá para os seus filhos; que, no meu próprio caso, mais de 50% para o Estado e menos de 50% para meus filhos”. Perguntei-lhe então: - “Quanto supõe V. Excia (!) que pago ao governo, somente de impostos, num ano, incluindo meus honorários de funcionário? Mais de 60%; apesar disso, a sra. Davies paga mais de 72%.” Isto surpreendeu o sr. Stalin, já que olhou sorrindo para o sr. Molotov, que concordou batendo com a cabeça.»

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No regime feudal, o suserano renovava a investidura todas as vezes que o feudo passava para outras mãos, porque o suserano era o verdadeiro proprietário e o vassalo era como um simples usufrutuário. Convencionava-se que em cada transmissão o novo vassalo devia pagar um sinal ao suserano, para reconhecer que o feudo era dele.

No seio das sociedades modernas o Estado é que investe os herdeiros e os novos proprietários. O Estado é o suserano universal e todos os proprietários são seus vassalos.

De modo que o verdadeiro proprietário não é o particular, mas o Estado.

E assim o imposto de transmissão de propriedade inter-vivos e principalmente causa-mortis contém um germe destruidor da propriedade individual. Com o tempo as consequências estão vindo. A facilidade de desapropriações por questionáveis razões de interesse público, é uma delas. Dia virá em que os socialistas avançados, baseados nesses precedentes e sempre invocando o interesse da coletividade, desapropriarão todas as propriedades.

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Sob o eufemismo de «política progressiva» a Sociedade dos Fabianos prega há vários anos a nacionalização das terras, ou o confisco da propriedade privada.

Em uma conferência proferida perante o Comité Nacional de Estudos em Paris, em 1928, pelo fabiano inglês Noel Buxton, um membro do auditório fez ao orador a objeção de que o programa agrário do Partido Trabalhista Britânico nada mais era que a desapropriação das terras, que passariam por vias «legais» para as mãos do Estado. Esta etapa final do socialismo trabalhista é hoje um segredo de Polichinelo nos círculos bem informados.

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Já em seu tempo La-Tour-du-Pin fazia referência aos golpes desferidos contra a propriedade rural pela elevação crescente dos impostos, sobretudo depois que eles passaram a ser votados, não por quem os paga, mas pelos supostos representantes do povo residentes nos grandes centros urbanos. E quando fazemos alusão ao imposto territorial é claro que não convém esquecer as inúmeras outras exações, de que ele é o ponto de partida. «Ora, diz La-Tour-du-Pin, desde que a taxa do imposto se acha próxima de atingir a renda líquida, há começo de expropriação pela confiscação do valor real do bem de raiz. Nada é, assim, menos sagrado no regime atual que os direitos mais essenciais da propriedade».

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Ora, segundo a doutrina da Igreja, «há de ficar sempre intacto e inviolável o direito natural de possuir privadamente e de transmitir os bens por meio da herança; é direito que a autoridade pública não pode abolir, porque «o homem é anterior ao estado», e também «a sociedade doméstica tem sobre a sociedade civil prioridade lógica real». É por isso também que o sapientíssimo Pontífice Leão XIII declarava que o Estado não tem o direito de esgotar a propriedade privada com um excesso de encargos e impostos» (Pio XI na Encíclica “Quadragesimo Anno”).

Estejamos, portanto, alertas.

Se as forças do bem não levantarem um dique diante dessa tremenda conjuração das forças do mal, recairemos de novo no cesarismo pagão, em que uma «clique» de grandes senhores, comissários do povo e capitães de indústria tangerá um rebanho de escravos do trabalho forçado em fazendas ou em usinas do Estado. E não faltará a plebe para encher os estádios.


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