Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
O pão nosso de cada dia

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 27 de abril de 1947, N. 768, pag. 5

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Não é nosso intuito fazer referências ao problema do pão em seu aspecto imediato e local, isto é, ao pão racionado das filas e do câmbio negro, das negociatas e das manobras políticas. O que se nota com o pão, em nossos dias, vem a ser apenas uma das consequências de um problema muito mais geral e complexo.

Em vão deblateram ou fingem deblaterar os capitães de indústria, os homens de negócio e os estadistas em busca de uma solução para a crise social contemporânea. Enquanto insistirem em somente encarar a parte material dos males que nos assolam, tal solução, não virá, ou se vier, apenas mudará os dados do problema, inverterá ou subverterá os parâmetros, sem contudo resolver a questão de modo permanente e estável.

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O Padre Nosso encerra a chave do problema de nossos males, que não é somente de ordem material, mas sobretudo de ordem sobrenatural. Não só de pão vive o homem, mas mesmo para a equitativa distribuição do pão quotidiano, sem apelo para a ordem sobrenatural não sairemos do pantanal em que nos debatemos.

É o que em seu tempo já assinalava São Tomás de Aquino em seus comentários à oração dominical que a seguir transcrevemos:

“Acontece frequentemente que pessoas de grande saber e de alta sabedoria sejam timoratas. A força de coração lhes é muito necessária para evitar que esmoreçam completamente. Mas Deus fortifica o homem acabrunhado pela lassidão, aqueles que se acham aniquilados. Ele restitui o vigor e o ânimo (Isaías XL, 21). A força divina vem a nós como um dom do Espírito. “O Espírito entrou em mim, e me levantou” (Ezeq. II, 2). Com que eficácia!

“Desaparece o desfalecimento nesse coração que temeu lhe faltasse o indispensável, mal que alimentou a convicção firme de que Deus proveria a todas as suas necessidades. Fonte de uma tal segurança, o Espirito Santo vai colocar sobre nossos lábios esta oração: O pão nosso de cada dia nos dai hoje.

“Eis verdadeiramente o que se chama Espírito de força.

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“Os rogos precedentes do Padre Nosso dizem respeito aos bens espirituais cuja realidade se inaugura neste mundo, mas cujo coroamento se acha na eternidade. Que pedimos nós? Que o nome de Deus seja santificado, isto é, que sua santidade se irradie; que venha seu reino, isto é, que tenhamos parte na vida eterna; que sua vontade seja feita, isto é, que ela se cumpra em nós, como em todas as coisas que são aqui no mundo apenas esboçadas, mas que atingirão a perfeição na vida eterna. Não seria lícito também pedir essas coisas de que temos necessidade sobre a terra e que aqui já podemos possuir perfeitamente?

“O Espírito Santo nos ensina a fazê-lo. Mas ao mesmo tempo, ele nos ensina que esses bens temporais vêm da Providência Divina. Daí esta fórmula: O pão nosso de cada dia nos dai hoje. É uma lição. que nos deve fazer evitar um defeito quíntuplo, que os desejos terrestres muito frequentemente engendram.

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“A falta de medida, de início: deseja-se parecer acima de sua condição, de seu estado; nunca o homem se acha contente com o que tem.

“Este soldado deseja o uniforme do oficial, este clérigo os paramentos de bispo! Como guardar o sentido das coisas espirituais se se acha deste modo afogado no meio dos desejos temporais? Ademais, vede o que o Senhor nos faz pedir: o pão. É tudo, mas é o necessário. Entendemo-lo de tudo o que exige a condição de cada um. Mas compreendamos a lição: não se trata de coisas delicadas, variadas ou rebuscadas, mas unicamente o de que todos precisam para viver: - o pão, necessidade comum dos homens. “Que haja pão e água, o homem já tem de que viver” diz o Eclesiastes (XXIX, 28); e São Paulo escreve: “Se temos de que comer e nos cobrir, saibamos nos contentar” (Tim I - VI, 8).

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“Eis outros excessos: são as violências e injustiças que engendram bem frequentemente as cobiças temporais. Pecado perigoso, pois é tão difícil a restituição! Ora, sem restituição, diz Santo Agostinho, nada de remissão. O Senhor nos premune contra esta falta: devemos pedir nosso pão, não pão alheio; os que comem o pão alheio são ladrões.

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“Vêm em seguida as preocupações supérfluas. Há quem nunca as tenha na medida de seus desejos. Sempre querem mais. É uma intemperança. Devemos medir nossas necessidades. “Não peço vossas necessidades. Não peço nem as riquezas, nem a pobreza” diz Salomão (Prov. XXX, 9); “conceda-me apenas o que necessito para viver”. Que advertência nos dá Nosso Senhor! “O pão, nosso de cada dia”, diz Ele.

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“A avidez sem freio é um outro defeito. Há pessoas que consumiriam de boa mente em um dia o que bastaria para satisfazer a vários homens. Não é o pão de cada dia que lhes é dado hoje, mas da semana inteira! Será de admirar-se que elas se arruínem? “Os que passam o tempo a beber e a se banquetear”, diz o Provérbio (XXIII, 21) “serão em breve arruinados”. E o Eclesiástico: “O operário que bebe não enriquecerá” (XIX, 1).

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“Enfim a ingratidão. Orgulhar-se de suas riquezas, esquecer que todos os nossos bens vêm de Deus, é um grande pecado. Sejam bens espirituais, sejam temporais, tudo nos vem de Deus. E vede como: para nos livrar deste mal, o Senhor acrescenta estes termos: “dai-nos” e “nosso pão”. Deseja Ele que saibamos que tudo que é nosso nos vem de Deus.

“Mas há uma outra espécie de pão: o duplo alimento de nossa alma que são o pão sacramental e a palavra de Deus. Peçamos este pão sacramental, cada dia consagrado na Igreja, peçamos ao recebê-lo que o seja para nossa salvação. “Eu sou, diz Jesus Cristo, o pão vivo descido do céu” (João VII). Mas acrescenta São Paulo:Aquele que come e bebe indignamente, come e bebe sua própria condenação” (I Cor., XI, 29).

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“A palavra de Deus é também um alimento. “O homem não vive somente de pão, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt. IV. 4). Peçamos a Deus que nos dê esse pão de Sua palavra: o fruto dessa oração é a beatitude daqueles que têm fome da justiça. Porque quanto mais possuímos os bens espirituais, mais os desejaremos, e é desse desejo, que nasce essa fome que Deus fará desaparecer pela saciedade da vida eterna”.


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