Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Enfrentemos os mandarins

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 23 de março de 1947, N. 763, pag. 5

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Mostrávamos em nosso último número, o equívoco em que incorrem aqueles que, confundindo a propagação da doutrina católica com a imposição forçada e constrangedora da ordem sobrenatural, se limitam a adotar princípios gerais baseados na razão natural, na moral natural, no direito natural, para a reforma da sociedade.

Este modo de agir, além de concorrer para dar aos não católicos a impressão de que a ordem sobrenatural não possui caráter obrigatório, confirma-os em seu erro, impedindo-os de se compenetrar de que o homem, deixada a sua natureza tal como é presentemente, não pode, sem o socorro da graça, observar todos os preceitos da lei natural por causa das grandes dificuldades que costuma apresentar a observação da lei moral.

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É que, pela queda de nossos primeiros pais, nossa natureza perdeu com a graça não somente o princípio da justiça sobrenatural, mas também sua própria integridade natural. Como ensina a Igreja, a graça, submetendo perfeitamente a inteligência e a vontade a Deus, submetia com a mesma perfeição as faculdades inferiores às superiores. A revolta da vontade contra Deus acarretou a revolta da carne contra o espírito. Desde então não somente a natureza deixou de ser ordenada a Deus pela justiça sobrenatural, mas, perdendo sua integridade natural, ficou ferida em suas próprias faculdades - a inteligência se achou envolta em trevas, e a vontade voltada para o mal.

O exemplo dos filósofos da antiguidade é uma prova eloquente neste sentido: mesmo os mais notáveis dentre eles não souberam se defender contra grosseiros erros e contra os mais baixos aviltamentos, porque, diz São Paulo, conheceram a Deus no espelho de Suas obras, mas “em lugar de O glorificar, se entregaram a pensamentos fúteis, e obscureceu-se o seu coração insensato”, pelo que “Deus os abandonou aos erros grosseiros da idolatria e à imundície” (Rom. 1, 24). Eis porque Santo Agostinho mostrava como são superiores o valor e a dignidade de um cristão qualquer, quando comparado ao mais sábio dos pagãos.

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Fomos resgatados pelo precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. E do mesmo modo que no primeiro estado do gênero humano, antes da queda, a graça, protegendo a natureza, era em si mesma uma fonte de retidão e uma causa de integridade, assim também no estado atual são os recursos de ordem sobrenatural que curam os estragos da natureza. É o que leva São Paulo a dizer: “Vejo em meus membros uma outra lei que se opõe à lei de meu espírito, e que me faz escravo da lei do pecado que está em meus membros. Infeliz de mim: quem me livrará deste corpo mortífero? A graça de Deus por Jesus Cristo Nosso Senhor” (Rom. VII 23, 25).

É unicamente na graça de Deus que São Paulo vai buscar forças para observar a lei moral. O homem, sem dúvida, não é absolutamente incapaz de cumprir seus deveres naturais sem o socorro da graça, pois o pecado não impede sua natureza de continuar inteligente e livre, mas sucumbirá facilmente diante das provações e das dificuldades. De modo que embora seja um erro e um exagero dizer que todas as obras e virtudes dos infiéis e pagãos são pecados e vícios, é igualmente um erro e uma temeridade dizer que, sem a graça, o homem possa cumprir toda a lei natural.

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Não se pode também dizer que os pagãos e infiéis atingem a Deus por meio de suas forças naturais. Ensina São Tomás que o modo de ser da essência divina ultrapassa infinitamente o modo de ser da inteligência criada. De modo que Deus não pode ser visto em si mesmo pelas forças naturais da razão.

E tanto é verdade que existe um conjunto de meios sobrenaturais estabelecidos por Deus e de caráter obrigatório, como falso que a razão humana possa alcançar este fim sobrenatural por suas próprias forças.

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É ainda São Tomás que ensina que o orgulho de Lúcifer e de seus anjos consistiu justamente em colocar seu fim último em uma perfeição puramente natural, ou em desejar alcançar sua finalidade sobrenatural somente por suas forças naturais.

No caso dos infiéis, Deus lhes dá a graça suficiente para os tornar capazes de crer e de se salvarem. Deus deseja a salvação de todos e Jesus Cristo morreu na cruz por todo o gênero humano. A sabedoria infinita nada exige que seja impossível de cumprir. Ora Deus exige dos infiéis que aceitem os ensinamentos da Igreja, que não pequem, que O amem e que façam penitência por suas faltas, coisas essas impossíveis sem a graça. É forçoso, portanto, admitir que esta graça lhes é concedida. Eis porque podemos afirmar que os pagãos, os judeus, os hereges e outros transviados se acham sob a influência de Jesus Cristo.

Longe, portanto, de querermos conquistar estes elementos pelo olvido da ordem sobrenatural, nosso dever é de trabalhar para que os não católicos cooperem com a graça suficiente, pois, como afirma a Igreja pelo Concílio de Trento, “é necessário reconhecer e confessar que todos os homens, perdendo a inocência pela prevaricação de Adão, e tornando-se impuros e, como diz o Apóstolo, filhos da cólera por natureza, estavam a tal ponto escravos do pecado e sob o poder do demônio e da morte que não somente os gentios não podiam se libertar e se levantar pelas forças da natureza, mas que os próprios judeus não o podiam pela letra da lei de Moisés, posto que o livre arbítrio não houvesse sido extinto no homem, mas enfraquecido e inclinado”.

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Eis aí a necessidade da justificação por Jesus Cristo. Seja, assim, nossa atitude perante os não católicos a quem desejamos fazer o bem idêntico a de um São Francisco Xavier ao manifestar seu desejo de “declarar guerra aos demônios e a todos os seus partidários”, quando se decidiu a realizar uma arriscada viagem de evangelização pela China, lugar onde os estrangeiros estavam proibidos de entrar, sob pena de morte, sobretudo se tentassem desviar os pagãos chineses de seu culto idolátrico oficial. Nenhum lugar mais apropriado para uma cautelosa tática indireta por meio do apelo às verdades naturais. Qual foi, porém, o programa traçado pelo Apóstolo das Índias, para empreender essa luta? “Declararemos para isso ao Imperador (da China) e em seguida a todos os seus súditos, da parte do Rei do céu, quão errados estão em render à mentira, o culto que somente é devido ao verdadeiro Deus, criador dos homens, e a Jesus Cristo, seu juiz e seu senhor.

A empresa pode parecer difícil de se lançar entre povos bárbaros e de ousar aparecer perante um poderoso monarca para lhe revelar a verdade e para censurar seus vícios. Mas o que nos dá coragem, é que o próprio Deus nos inspirou este pensamento, que Ele nos encheu de confiança em Sua misericórdia, e que não duvidamos de Seu poder, que ultrapassa infinitamente as forças do imperador da China” (Carta de São Francisco Xavier ao rei Dom João II de Portugal).

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Se São Francisco Xavier não temia dizer a verdade ao Imperador da China, por que havemos de recear os mandarins e os bonzos da incredulidade e da heresia que encontraremos pelo caminho?


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