Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
O começo de todas coisas é a

Santa Igreja Católica

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 9 de março de 1947, N. 761, pag. 5

  Bookmark and Share

 

O que falta a muitos católicos hoje em dia é esse verdadeiro espírito sobrenatural que nos deve levar a confiar nas promessas feitas por Nosso Divino Salvador ao fundar a Santa Igreja.

Não queremos nos referir apenas aos que clara ou veladamente sustentam a opinião de que a partir da Idade Média a Igreja teria começado a se desviar da doutrina e dos exemplos dos cristãos primitivos, o que equivale dizer que a partir de uma determinada época começou a lhe faltar a assistência do Espírito Santo que lhe havia sido prometida. Não são também os únicos a merecer censura os que se arrogam o direito de criticar os Papas, os Concílios, os Doutores da Igreja, lançando-lhes a culpa pelos extravios da humanidade que cada vez mais se acentuam, como se os Papas e os Concílios da Idade Média e de épocas posteriores não houvessem cumprido de modo cabal sua missão de defesa e salvaguarda da humanidade, fazendo triunfar sobre a terra a lei da caridade e da justiça, segundo o plano de Redenção selado pelo sacrifício do Calvário.

* * *

Queremos hoje fazer alusão sobretudo à falta de verdadeiro espírito de Fé e à diminuição da amplitude das verdades reveladas por parte daqueles que, embora confessando seu apego e fidelidade à Igreja católica, agem, na prática, de modo tal que de certo modo dão a impressão, aos não católicos, de que afinal a Igreja não seria uma instituição divina assim tão necessária, pois mesmo fora de seu redil pode-se acomodar um mínimo de princípios baseados no direito natural, com os quais os homens seriam capazes de desempenhar satisfatoriamente seus deveres sociais.

* * *

A propósito deste latitudinarismo, desse relativismo que tem como consequência lógica, embora talvez não conscientemente desejada, o reconhecimento implícito da desnecessidade da Redenção e da fundação da Igreja católica por Nosso Senhor Jesus Cristo, queremos transcrever alguns trechos do prefácio que figura na primeira edição da “Histoire de l’Église catholique” de Rohrbacher, no qual o autor expõe o plano de sua obra, resumido nas seguintes palavras de Santo Epifânio: “O começo de todas as coisas é a Santa Igreja Católica”. E veremos, assim, como os males da primeira metade do século dezenove, de que a apostasia de Lamennais é um ponto característico, se acham profundamente relacionados com o pessimismo e indiferença que atualmente causam não pequenas devastações nos meios católicos:

René François Rohrbacher (1789-1856) eclesiástico, historiador francês

Há quinze séculos um santo doutor chamou a si a tarefa de refutar em poucas palavras todos os erros humanos que haviam aparecido desde a origem do mundo até seu tempo. Para conseguir este intento, colocou, como um fato incontestável, que a Fé atual da santa e católica Igreja de Deus era a mesma que existiu desde a origem e que, depois, foi manifestada de novo por Cristo Nosso Senhor. Porque, diz ele, para quem quer que se disponha a refletir sobre isto com amor pela verdade, a santa Igreja católica é o começo de todas as coisas. E ele o prova pelo exemplo do primeiro homem, que não foi nem judeu pela circuncisão, nem idólatra pelo culto dos ídolos, mas que, sendo profeta, conhecia o Padre, o Filho e o Espírito Santo, e por isso era cristão. Ele o prova ainda pelo exemplo dos patriarcas, inclusive Abraão. De onde conclui que todas as heresias, entre as quais conta o paganismo, são de fato e de direito posteriores à verdade católica.

“O que no século quarto da era cristã santo Epifânio fez de um modo sucinto e polemico, nós tentamos empreender de um modo histórico e mais extenso até a época atual.

“A consideração do mundo atual nos levou à mesma conclusão. Dissemos a nós mesmos: existe um gênero humano. Mas de onde vem? Para onde vai? Quem o poderá dizer? - Humanamente, somente ele nos pode dizer. Devemos portanto interrogá-lo. Como fazê-lo, porém? - Do seguinte modo: quando interrogamos um indivíduo, dirigimo-nos à cabeça, à parte inteligente. Portanto para interrogarmos esse indivíduo coletivo, que se chama gênero humano, torna-se necessário que nos dirijamos à sua parte inteligente, à sua cabeça. – Mas, onde a encontrar? Um golpe de vista sobre a geografia intelectual nos basta para descobri-la.

“Das partes do mundo para a inteligência, sobretudo inteligência religiosa e moral, a Oceania se acha abaixo de zero, a África é nula, a Ásia é morta: ...como já houve quem dissesse, do Oriente não mais recebemos outra luz além da luz do sol. Somente existe vida intelectual propriamente dita na Europa e na América, isto é, na sociedade cristã, sociedade que compreende toda a terra, sociedade constituída visivelmente na unidade da Igreja católica, apostólica e romana, que fala e se explica pelo órgão de seu chefe, como o indivíduo por sua boca. É, portanto, a ela que nos devemos endereçar.

“Ora, a Igreja católica, em seu estado atual, remonta a dezenove séculos atrás e, de lá, em um estado diferente até a origem da humanidade. Ela compreende assim todos os séculos. Fora disso, nada há semelhante, fora disso apenas existem alguns fragmentos que, por si próprios, apenas apresentam uma confusão de escombros, mas que dentro do cristianismo acham seu lugar, como pedras separadas do mesmo edifício. A Igreja católica é assim o gênero humano, constituído divinamente e divinamente conservado na unidade, capaz de nos responder de onde viemos, para onde vamos, quais são os principais acontecimentos de sua longa existência, quais são os desígnios de Deus a nosso respeito.

“A palavras de Deus são espírito e vida. E Ele assegurou ao filho de Jonas: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Afirmou a São Pedro e aos seus outros discípulos: Eis  que estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos. Estas palavras são do mesmo Deus que disse: que se faça a luz! e a luz se fez. Acha-se Ele, portanto com sua Igreja até a consumação dos tempos, e se acha com ela todos os dias. Acha-se com ela na idade média, acha-se com ela nos dias de hoje. O que ela fez e ensinou na idade média não é contrário ao que fez e ensinou nos primeiros séculos nem ao que faz e ensina em nossos dias. Não experimenta jamais nenhum obscurecimento, porque Aquele que é a própria luz se acha com ela todos os dias. Dizer ou supor o contrário é caluniar a palavra de Cristo.”


Bookmark and Share