Plinio Corrêa de Oliveira
Nova
et Vetera
Legionário, 23 de fevereiro de 1947, N. 759, pag. 5 |
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Os jornais desta semana publicaram, com destaque, as declarações de um membro da Organização das Nações Unidas, no sentido de que não escaparemos de um governo mundial, imposto pela catástrofe de uma nova e terrível guerra, ou então “espontaneamente” aceito pelas potências, como meio para afastar aquele perigo, embora com sacrifício das respectivas soberanias. * * * De um modo ou de outro, por conseguinte, tal supergoverno mundial é impingido à humanidade pelo argumento da força. E o curioso é que em favor de tal solução para o impasse internacional se invoca a necessidade de salvar a democracia... Eis o que se chama ladear uma dificuldade, sem contudo removê-la. Procurando eliminar os conflitos internacionais entre as nações por meio dessa utopia de um único Estado cosmopolita, que garantia teremos de que não surgirão outros conflitos internos no arcabouço desse mesmo superestado? E se é verdade que quanto maior a nau, maior a tormenta, que meios miraculosos os atuais condutores do modesto barco da ONU nos oferecem para conduzir a bom porto tão fantástica embarcação? * * * Em seus documentos sobre as bases em que se deve assentar a verdadeira paz entre as nações, o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, mais de uma vez se referiu à necessidade do respeito aos tratados como condição da existência de uma ordem internacional. Quando os tratados perdem sua eficácia, por não serem observados, muitas vezes porque apenas representam uma dissimulação de intenções, o recurso às armas se impõe. O remédio, portanto, estaria no restabelecimento da confiança na disciplina jurídica das relações internacionais, por meio de um conjunto de normas destinadas a impedir os conflitos, ou de permitir sua solução pacífica. Trata-se, em resumo, de instaurar novamente o direito internacional entre os povos, salvaguardando a soberania e a liberdade das nações. * * * Dir-se-á, porém, que a energia atômica veio modificar profundamente a base do problema. Essa poderosa arma e os modernos ultrarrápidos meios de comunicação teriam alterado de modo completo os dados da questão, impondo, quer queiram ou não às nações, a solução única de um governo mundial, pois nenhuma delas poderá continuar na antiga política isolacionista. O intercambio virá de qualquer maneira. Estamos, assim, diante, não de uma questão de direito, mas de fato contundente da bomba atômica e das superfortalezas voadoras, aliado à verdade de que a América do Norte é uma potência tremendamente poderosa e a Rússia Soviética um colosso imperialista incontentável, que dispõe de recursos não menos terríficos e ameaçadores. Não fala, portanto, a voz da justiça, mas o constrangimento de quem não se sente seguro. Não se trata portanto, de desarmar os espíritos, mas de aumentar o poder de um Estado gangster, como é a Rússia Soviética que, segundo balões de ensaios anteriores, será quem mais terá a lucrar com esse supergoverno mundial. De outro modo, se não fosse de seu maior interesse aceitar esse Estado cosmopolita para maior difusão de sua ideologia totalitária, como explicar que os Molotov e os Gromyko não tenham até agora se oposto à ideia pautando como pautam seu cavalar procedimento “diplomático” pelo mais descabelado utilitarismo e “realismo” de vistas? A razão de tudo isto nos dá Nenrod, o famoso descendente de Caim, segundo a lição de Balmes, em seus “Estudos históricos fundados sobre a religião”: “Quereis remontar à origem dos grandes impérios e conhecer, a partir do princípio a marcha seguida pelas paixões humanas relativamente ao governo das sociedades? A Escritura Santa nos mostra tudo isso em poucas palavras. O homem revolta-se contra Deus, torna-se escravo do homem, sacode o jugo suave e leve da lei divina e desde então fica sujeito à força. ‘Chus gera Nenrod, e este começou a ser poderoso na terra’. “Sabeis quais eram os títulos deste poder? ‘Era um robusto caçador ante o Senhor’. – ‘Seu reino começou por Babilônia, e Aroc, e Acad, e Calne, na terra de Sinar’ (Genes. 10, 8-10). “Ao lado desta sublime simplicidade, ao lado desta sublime narração, em que cada traço resume a história dos grandes impérios, dos grandes conquistadores, das guerras e das vicissitudes que afligem a triste humanidade, como Rousseau parece pequeno com seu contrato social e suas vãs utopias, tão afastadas da verdade histórica como opostas ao curso natural das coisas. O homem deve necessariamente viver em sociedade, e a existência da sociedade é incompatível com uma desordem incessante, e não se pode conceber a ordem sem um poder reconhecido que a estabeleça e conserve. Eis o que dizem a razão e o senso comum; mas ao mesmo tempo a perversidade do coração, a ambição desenfreada, as paixões corrompidas abusam de tudo sobre a terra; e por isso mesmo, na origem das sociedades a força foi um elemento preponderante e a autoridade pública não podia deixar de ser muitas vezes usurpada e exercida com violência. É por isso que Nenrod, tornado poderoso porque era robusto caçador, é realmente o tipo da maior parte dos usurpadores que fundaram seus direitos sobre o poder de seus braços”. * * * E essa regressão à força equivale à regressão ao paganismo a que fazia referência Pio XI quando afirmava que o mundo se acha ameaçado de cair de novo em uma barbárie pior que a existente ao nascer do Redentor. Enfrentemos, porém, esses conspiradores e inimigos da humanidade, certos de que “Aquele que habita no céu zombará deles” (Salmos 2, 4). |