Plinio Corrêa de Oliveira
Nova
et Vetera
Legionário, 16 de fevereiro de 1947, N. 758, pag. 5 |
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Nos fenômenos políticos e sociais não podemos admitir a tese de que os acontecimentos são conduzidos por forças cegas. Sem nos referirmos à força irresistível (? - erro tipográfico do original, não estando nítida a palavra impressa) da “massa” que se acha no fundo de um falso misticismo, existe toda uma longa série de atitudes mentais que consciente ou inconscientemente se baseiam em um certo fatalismo no que diz respeito a evolução da sociedade e de suas instituições. * * * Ensina o direito público das nações cristãs que, embora as normas de governo hajam variado com os séculos, contudo por toda a parte em que as sociedades humanas floresceram, foram levadas a obedecer a duas diretrizes fundamentais: uma que tende a reunir os elementos em um único corpo, e outra que tende a conservar os elementos sociais, a vida, a personalidade que lhes são próprias. Estas tendências são ambas legítimas. Com efeito, sem unidade de corpo não há sociedade, e sem personalidades individuais e vivas, somente resta uma sociedade inerte, composta de escravos ou de cadáveres. Toda sociedade compreende, portanto, dois elementos essenciais: o comum e o individual. O governo, o Estado é o elemento comum, que visa o bem público. Os atributos individuais são a atividade e a liberdade pessoais, repartidas em uma justa medida. * * * Ora, conciliar essas duas vidas, a vida do corpo social e a vida dos indivíduos, eis o grande problema das sociedades humanas. Poder-se-ia formular sua solução por esta regra fundamental: “a associação política mais racional e mais perfeita seria aquela em que a vida e a variedade dos membros associados se acharem mais comodamente e mais utilmente elevadas à unidade mais forte, mais larga e mais vital”, para adotar a conclusão de velho estudioso do assunto. * * * Todo Estado, entretanto, se acha sujeito a dois flagelos engendrados pelo exagero dessas duas tendências. Com efeito, se a tendência para a unidade domina de modo excessivo, a ação da personalidade humana entra em torpor e se estiola na razão direta desse exagero. É o caso dos modernos totalitarismos. E, vice-versa, se é a tendência dos membros associados para sua ação individual que é exagerada, a vida comum se desvanece e a unidade social se dissolve. É o flagelo modernamente representado pelo individualismo liberal. Estes dois males, porém, têm uma única origem, que é o naturalismo, gerador do egoísmo. O egoísmo do Estado (e o Estado não é um fantasma, e sim a expressão dos homens que o compõem), acarreta a escravatura das diversas partes da sociedade. O egoísmo dos indivíduos acarreta a miséria e a revolta das multidões sacrificadas. Em ambos os casos a anarquia social é o complemento necessário. * * * Chegamos aqui ao tema que desejamos abordar. Até que ponto esse excessivo individualismo e egoísmo liberal representam um fenômeno de inconsciente suicídio coletivo, por provocar a reação totalitária, destruidora da liberdade, e até que ponto são artificialmente alimentados para justificar esse projetado advento das ditaduras? O liberalismo desencadeado no mundo inteiro pelo mesmo espírito que insuflou a Revolução Francesa, quando bem estudado em suas origens, não passa de um movimento preparador da tirania totalitária. Fazia-se mister em primeiro lugar destruir os quadros tradicionais da sociedade católica através do anarquismo revolucionário. Era necessário retirar gradualmente o poder político das mãos das elites e vulgarizá-lo e democratizá-lo nas mãos dos arrivistas e aventureiros de toda a espécie. Impunha-se malbaratar a vida econômica através do apelo à licença e ao egoísmo dos novos-ricos, os tubarões de todos os tempos. Cabia também ao liberalismo essa etapa intermediária de laicizar o ensino, preparando-o para ser entregue como um valioso presente aos régulos totalitários que estavam no fundo das (? - erro tipográfico do original, não estando nítida a palavra impressa). Criando, assim, artificialmente o pandemônio social, econômico e político, emperrada a máquina administrativa pela obstrução de parlamentos populares onde a mediocridade e a incompetência campeiam livremente, tudo estaria preparado para que o povo em altos brados viesse para a praça pública exigir o “homem providencial” que repusesse a vida das nações em seus eixos, ou que pelo menos saudasse, com esperança, qualquer movimento armado que viesse dar o golpe de misericórdia em um regime de corrupção e de irresponsabilidade feito propositalmente para cair... * * * Vemos, no mundo inteiro, este fenômeno curioso: as medidas tendentes a exigir sacrifícios do povo, os racionamentos, as filas, os impostos e taxações, os dirigismos, toda essa complicada engrenagem burocrática funciona maravilhosamente bem - ninguém escapa de suas malhas. Desaparece determinada utilidade do mercado, sob os auspícios oficiais do governo. Ao mesmo tempo surge no “underground” toda uma série de “profiteurs” (aproveitadores, n.d.c.) e agentes do câmbio negro encarregados de coordenar o assunto. Vem aqui o outro lado do mistério. Todas as medidas tendentes a defender o interesse público fracassam ruidosamente. Tal impotência geral para resolver problemas elementares de produção e de consumo, ao lado dessa formidável eficiência das medidas restritivas contra o povo, nos leva a concluir que estamos diante da mesma obra de mistificação e de preparo dos caminhos para o advento do totalitarismo universal. * * * E nossa época é tão infeliz que as desgraças coletivas, as guerras e os próprios cataclismas naturais são utilizados para acelerar a causa da revolução socialista e totalitária. Recentemente tivemos o depoimento claro do líder fabiano Harold Laski neste sentido. A guerra na Inglaterra foi conduzida de modo a favorecer os planos da implantação do socialismo de Estado, através dos racionamentos, das ocupações de indústrias, das requisições, das nacionalizações, etc. Agora, nas ilhas britânicas, o próprio rigor do inverno é utilizado como instrumento político para a intervenção do Estado na indústria da energia elétrica, sem nos referirmos aos efeitos desastrosos da falta de carvão na atual organização industrial inglesa. Quem sairá lucrando desse pandemônio senão a causa do totalitarismo de Estado? * * * Empreguemos, portanto, nosso poder de discernimento ao analisar a “espontaneidade” com que surgem no tablado certos problemas políticos e sociais. Não há fumaça sem fogo. |