Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Pio XII e o voto consciente

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 12 de janeiro de 1947, N. 753, pag. 5

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Seja qual for a forma de governo, o poder político para ser eficazmente exercido não deve vagar ao sabor dos caprichos da multidão anônima, tendo por força que residir em uma elite, quer seja em caráter permanente, quer seja em caráter de mandato temporário.

E embora possa variar o processo da escolha dos governantes, uma vez ela feita, o poder passa a ser exercido de modo soberano, tendo em vista o bem comum do corpo social, se a intenção é de se desempenhar um mandato verdadeiramente democrático. Com efeito, diz Pio XII “o Estado democrático, seja ele monárquico ou republicano, deve, como qualquer outra forma de governo, ser investido do poder de comandar com uma autoridade verdadeira e efetiva.” Ora, a arte de governar não se improvisa de um momento para outro, requerendo qualidades morais, competência e mesmo vocação, o que em geral não existe na totalidade dos cidadãos, mas apenas em um número seleto de pessoas.

Eis porque o Soberano Pontífice, gloriosamente reinante, em sua alocução desta semana à nobreza romana, revelou que mesmo “nas jovens democracias uma espécie de aristocracia se formará entre as famílias que se distinguiram por sua fidelidade e seu devotamento ao serviço do Estado.”

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Vimos, em nosso último rodapé como a demagogia revolucionária, ao atentar contra a hierarquia social apenas pretende dissimular sua finalidade, que não é a extinção das elites e a implantação do nivelamento social, mas uma simples substituição de valores. A uma elite baseada no mérito e na virtude, criada à sombra da civilização católica, se pretende contrapor uma pseudo-elite de aventureiros revolucionários e materialistas, inimigos do nome de Deus.

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Onde, porém, não existe uma elite bem formada e forte, a mediocridade ambiente mais facilmente se deixa envolver pelo mito dos homens “providenciais” e “salvadores”. Este, portanto, o grande risco por que passamos neste momento em que a demagogia anda solta pelas ruas a hipnotizar o povo por meio de cartazes cheios de promessas e a ensurdecer nossos ouvidos pela voz estridente dos alto-falantes. Um poder público formado em grande parte por elementos retirados do Pátio dos Milagres da política partidária é a melhor forma de se preparar um país para o anarquismo gerador das ditaduras.

Eis por que desejamos relembrar aos nossos irmãos na Fé o que sobre a escolha dos mandatários do poder nas democracias disse o Santo Padre Pio XII em sua rádio mensagem do Natal de 1944:

“O sentimento profundo dos princípios de uma ordem político-social sã e conforme às normas do direito e da justiça, é de particular importância naqueles que, em qualquer forma de regime democrático, tem como representantes do povo, no todo ou em parte, o poder legislativo. E visto que o centro de gravidade de uma democracia normalmente constituída reside nessa representação popular, da qual as correntes políticas irradiam em todos os campos da vida pública - tanto para o bem quanto para o mal - a questão da elevação moral, da idoneidade prática, da capacidade intelectual dos deputados ao parlamento. É para todos os povos em regime democrático uma questão de vida ou de morte, de prosperidade ou de decadência, de reerguimento ou perpétuo mal-estar.

Para desenvolver uma ação fecunda, para conciliar estima e confiança, todos os corpos legislativos devem - como a experiência indubitavelmente o demonstra - recolher no seu seio uma elite de homens, espiritualmente eminentes e de carácter firme que se considerem como representantes de todo o povo e não como mandatários de uma turba, a cujos interesses particulares são sacrificadas as verdadeiras necessidades e as verdadeiras exigências do bem comum. Uma elite de homens, que não seja restrita a uma única profissão ou condição, mas que seja a imagem da multíplice vida de todo o povo. Uma elite de homens de sólida convicção cristã, de juízo claro e seguro, de senso prático e equânime, coerente consigo próprio em todas as circunstâncias, homens de doutrina clara e sã, de propósitos sólidos e retilíneos; homens sobretudo capazes, em virtude da autoridade que emana de sua consciência pura e se irradia largamente em torno de si, de ser guias e chefes especialmente dos tempos, em que as prementes necessidades sobrexcitam a impressionabilidade do povo, e o tornam mais fácil de ser desviado e de perder-se; homens que nos períodos de transição, geralmente trabalhadores e lacerados pelas paixões, pelas divergências de opiniões e pelas oposições dos programas, se sintam duplamente no dever de fazer circular nas veias do povo e do Estado, atormentados por mil febres, o antídoto espiritual da visão clara, da bondade acolhedora, da justiça, igualmente favorável a todos, e a tendência da vontade no sentido da união e da concórdia nacional em um espírito de sincera fraternidade.”

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Nos lugares em que uma sociedade verdadeiramente católica forma seus órgãos representativos, só “homens bons”, intérpretes das diferentes classes e profissões, deveriam ser apontados pelo consenso unânime da opinião pública. Não era outro o sentido da representação popular existente nos países católicos. Hoje, porém, em que essa indicação de mandatários do poder reside mais na força da propaganda e do dinheiro, do que no mérito real dos candidatos, são pequenas as esperanças de que seja ouvida a voz da sabedoria. Mas por bruxuleante que seja essa esperança, trabalhemos pelo saneamento do próximo pleito, sobretudo não esmoreçamos em nossos esforços pela formação de uma elite capaz de fazer frente à onda demagógica e revolucionária que se aproxima.


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