Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Os tartufos do nivelamento social

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 15 de dezembro de 1946, N. 749, pag. 5

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O paralelo é de Leão XIII, na Encíclica “Quod Apostolici” contra o socialismo: a sociedade civil, por natureza, tem de se basear na desigualdade de direitos e de poderes, imitando nisto a desigualdade existente na própria Igreja.

Com efeito, “Aquele que criou e governa todas as coisas, regulou com sua sabedoria providencial que as ínfimas coisas ajudadas pelas medianas, e estas pelas superiores consigam o seu fim. Por isso, assim como no céu quis que os coros dos Anjos fossem distintos e subordinados uns aos outros, e na Igreja instituiu graus nas ordens e diversidade de ministérios, de tal forma que nem todos fossem apóstolos, nem todos doutores, nem todos pastores; assim estabeleceu que haveria na sociedade civil várias ordens diferentes em dignidade, em direitos e em poder a fim de que a sociedade fosse, como a Igreja, um só corpo, compreendendo um grande número de membros, uns mais nobres que os outros, mas todos reciprocamente necessários e preocupados com o bem comum”.

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Já dizia velho canonista que, por instituição divina, a sociedade religiosa é desigual, porque “das pessoas, de que a Igreja se compõe, umas são superiores, ou imperantes, e outras inferiores, ou súbditos. Eis aqui em que consiste a desigualdade eclesiástica, ainda que seja certo que tanto umas, como outras pessoas, são obrigadas à crença dos mesmos dogmas, e à prática dos mesmos mandamentos; estão ligadas pelos mesmos vínculos de caridade fraternal, e participam dos mesmos sacramentos, por meio dos quais todas, sem diferença, aspiram à felicidade eterna”.

E essa desigualdade da Igreja dá-se não só entre os inferiores e superiores, mas também entre estes mesmos, porque deles uns têm, por disposição divina, maior ou menor porção do poder sagrado. Desta desigualdade nasce a Hierarquia eclesiástica, que se define: a série de vários graus do poder sagrado.

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Compreende, portanto, a Igreja três ordens de pessoas: o Papa, a Hierarquia e a multidão dos fiéis. Pode-se dizer que a essas três ordens correspondem a monarquia, a aristocracia e a democracia, na sociedade civil; embora a simetria não seja perfeita.

Os governos totalitários sobrepõem os interesses do Estado aos interesses do povo. Na monarquia e aristocracia da Igreja, porém, o fim visado é o bem comum dos fiéis, e o bem comum por excelência, que é a salvação eterna. Eis porque o Soberano Pontífice tem o título de “Servo dos servos de Deus”. A Igreja não é um fim em si, mas se destina à salvação eterna de seus filhos, proporcionando-lhes o ensejo de receber os dons espirituais e dedicando um carinho todo especial aos humildes de coração aos quais pertence o reino dos céus. Eis, portanto, na Igreja o elemento democrático que se manifesta também no acesso, pelo mérito e pela virtude, aos diferentes graus de sua hierarquia. Mas essa hierarquia existe, e a Igreja a confessa sem rebuços.

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A hipocrisia dos corifeus do socialismo hodierno os faz insistir na tecla do igualitarismo ou da necessidade de serem extintas as desigualdades sociais. Hipocrisia, porque a obra revolucionária tem se valido desta palavra de ordem não para promover esse nivelamento utópico e impossível diante da natureza humana corrompida pelo pecado original, mas para destruir o atual estado de coisas, para arrasar uma sociedade alicerçada no Cristianismo, e sobre suas ruínas levantar outra sociedade de fundo pagão e materialista.

Bem sabem os revolucionários e os mentores ocultos do totalitarismo socialista que uma sociedade não pode subsistir sem uma elite e sem um chefe. No mundo cristão de Carlos Magno a Luís XIV, todos os grandes chefes de Estado criaram foros de benemerência junto aos povos, não unicamente por causa de suas qualidades pessoais, mas pela elite que souberam reunir em torno de si, para o trabalho comum.

O mesmo compreendem e praticam os modernos revolucionários, que usam como seus instrumentos um Napoleão, um Stalin ou um Hitler, para subverter a Cristandade; também eles se cercam de uma elite, mas de uma elite de celerados e de ferrabrases. Uma elite às avessas, mas uma elite de qualquer maneira.

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Caminhamos, portanto, não para o paraíso da “igualdade de direitos”, não para uma “sociedade sem classes” e sem privilégios, mas para a mais nefasta das desigualdades, que é a desigualdade existente em um Estado conduzido por uma “aristocracia” de bandoleiros amorais e inimigos da Lei de Deus tendo à frente um César de fancaria, manipulado pelos espíritos malignos que andam pelo ar, de que nos fala São Paulo.

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E enquanto uma das mais importantes características das instituições dos Estados cristãos é a variedade, fruto da liberdade, e concretizada, na pirâmide social, em que as classes e as pessoas se escalonam segundo o mérito e o papel que lhes cabe no corpo social, num entrosamento orgânico baseado na caridade fraterna, a mais contundente característica das novas instituições (aberta ou dissimuladamente promovidas pelo totalitarismo socialista) é a uniformidade, a padronização dos valores, fruto do constrangimento legislativo ou dos golpes de força do caudilhismo político.

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E assim, a lei que regula todas as transformações sociais e políticas vem sendo o princípio da igualdade e da uniformidade. Que todos os cidadãos sejam iguais e todas as instituições sejam uniformes.

Nada de entidades ou de ordens estáveis asseguradas por uma influência regular e permanente: todos os cidadãos são iguais perante a lei, todos com os mesmos direitos e com os mesmos deveres. Fazem-se desaparecer às corporações, as associações livres, que no corpo social constituíam o arcabouço do edifício social. Tudo não é senão uma colossal massa informe, invertebrada e sem vida. Não mais existem as influências sociais em torno das quais gravitavam. A sociedade se transformou em um imenso montão de poeira em que todos os graus se equivalem.

As instituições destruídas estão sendo substituídas por outras, em que as novas influências políticas, quer sejam de âmbito oficial ou não, se infiltraram e detém as rédeas de sua direção. Subjugados por esses novos organismos, que por ficção jurídica procuram aparecer como entidades autárquicas e privadas, os povos são reduzidos ao estado de átomos desagregados, iguais em impotência, simples unidades matemáticas, todos do mesmo valor, ou com a mesma falta de valor.

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Os heróis do dia serão esses hipócritas que hoje lançam o brado da igualdade para fins demagógicos e que amanhã apascentarão, à frente dessas novas instituições totalitárias, o pobre, o miserável povo de Deus, que só então perceberá o tremendo logro de que foi vítima.

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Não levando a sério o princípio da igualdade revolucionária, apenas fazemos justiça à inteligência dos mentores da subversão social, da “ordem nova proletária” em gestação. São bem lúcidos os agentes do poder oculto para acreditar num nivelamento da humanidade, com suas naturais deficiências físicas, intelectuais e morais. O que se trama é uma simples substituição de elites: a uma elite educada à sombra da cultura ocidental, da civilização católica, tentar-se-á opor uma pseudo-elite forjada nos laboratórios existentes nos porões da Sinagoga de Satanás.

Eis tudo.


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