Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Socialismo trabalhista

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 8 de dezembro de 1946, N. 748, pag. 5

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É comum o defeito de perspectiva que nos impede de observar devidamente os fenômenos político-sociais que nos cercam, ao mesmo tempo que nos é facilitada a visão panorâmica do que se passa em outras partes do globo.

O fato vem ilustrado pela versão, em desenho animado, da viagem de Guliver no país de Liliput, quando Sua Majestade, andando por entre os dedos do gigante, indaga intrigado: “onde está ele?”

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Aludíamos, em nosso último rodapé, aos diferentes pseudônimos usados pelo socialismo para entrar, de contrabando, nos lugares onde lhe é difícil apresentar-se com suas verdadeiras roupagens.

Entre esses pseudônimos, assinalamos um certo trabalhismo que segue a escola do Partido Trabalhista britânico. De início, graças à tática de nunca nem sequer aludir à palavra socialismo, conseguiram os mentores de tal trabalhismo enganar a opinião católica inglesa, ao ponto de não haver proibição da Igreja para o ingresso no Partido. Encobertamente, porém prosseguiam os dirigentes do Partido no seu trabalho de sapa, evitando a palavra socialismo, mas, promovendo a coisa, quer doutrinariamente, quer através da promoção de medidas práticas. A esta altura já ninguém ignora os pendores socialistas do trabalhismo totalitário, através do seu combate à propriedade privada pela nacionalização dos bancos, das minas, das empresas de serviço público, pelos impostos, pelo plano educacional, pela previdência social menosprezada pelo Estado etc. Perdura apenas a farsa de uma incompreensível oposição ao Partido Comunista...

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Há tempos, também fazíamos referência ao cooperativismo, outro disfarce do socialismo. Frisamos todas as vantagens do cooperativismo, quando praticado com bom senso e promovido por entidades privadas. Quando, porém, assume o caráter estatal não passa de uma forma socialista de transferência para as mãos dos governos, da máquina da produção e do consumo. Cairemos no coletivismo agrário e industrial da Rússia bolchevista.

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Ao analisarmos essas marchas e contramarchas do socialismo, não estávamos, porém, formulando hipóteses no vácuo ou procurando ver fantasmas ao meio-dia. Entre outras provas de que estávamos alertando a opinião pública para ameaças concretas, se acha o conteúdo do manifesto-programa do “Partido Trabalhista Nacional” amplamente divulgado no correr desta semana.

Talvez baseados na falta de discernimento da nossa opinião pública ou por observarem que era inútil continuar a inicial dissimulação do trabalhismo britânico, não ocultam os dirigentes deste “trabalhismo nacional” a meta de seus esforços, que é o socialismo preparando seu advento pelo cooperativismo. Apesar de se tratar de um novo partido sem significação eleitoral, convém assinalar o fato, por ser representativo de uma nova mentalidade que se procura criar para “adaptar-se o país às novas condições políticas”. Vejamos, portanto, o que diz o citado manifesto programa:

“Como forma harmônica capaz de conciliar os interesses social-democráticos, não se opondo ao socialismo, adaptando-se necessariamente às democracias e satisfazendo plenamente aos católicos, o Partido Trabalhista Nacional defenderá o sistema cooperativista, porque, impedindo os intermediários e encurtando lentamente a diferença entre ricos e pobres, remodela suavemente a sociedade ao invés de corrigi-la pela força, zelando pela economia do proletário, oferecendo-lhe mutualidade, originando-se a um tempo o espírito associativo e a previdência social.”

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Como se vê, procura esse novo Partido promover escancaradamente o conúbio entre os católicos e o socialismo, usando como instrumento o cooperativismo com todas as suas seduções de bem-estar material. Mas quem não ignora que tantas coisas boas em si, quando manipuladas diretamente pelo Estado, se transformam em instrumento de opressão totalitária? Relembrando a fábula do cachorro e do lobo, será o bem-estar material preferível à liberdade de filhos de Deus? E por quanto tempo podem os governos socialistas manter esse bem-estar na hipótese de consegui-lo? Bem dizia um estudioso do assunto, em publicação recente, ser redundante a expressão “totalitarismo socialista”, pois o socialismo é por natureza totalitário. E mostra a história política e social do mundo como são precárias as formas de governo ditatoriais.

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Mas continuemos a transcrever algumas indiscrições do tal manifesto-programa:

“Igualmente, entre o aspecto do predomínio econômico sobre o político-social, observa-se que o democrático liberal conserva-se instável em consequência da luta de classes e o socialismo mantem-se hipertrofiando o político, enquanto que o cooperativismo mantem-se no seu plano moral-econômico social, proporcionando aos homens ampla facilidade e real felicidade, preparando-se para o advento do Socialismo sem classe, fazendo desaparecer a falsa ideia da ditadura atribuída ao regime socialista”.

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Vê-se que há aqui alusão a duas espécies de socialismo: um com letra minúscula e outro com letra maiúscula, que “não hipertrofia o político” por se basear no cooperativismo, e que será o socialismo sem classe. Que significa, porém, a ausência de classes senão aquele nivelamento final das camadas sociais sonhado pelo socialismo utópico, orientador do comunismo? E como se promoverá esse nivelamento pelo cooperativismo sem uma legislação ditatorial do governo, a par de outras medidas práticas contrárias ao direito natural, tais como os entrepostos forçados, a fixação arbitrária de preços, a outorga de vantagens unilateralmente às cooperativas, o dirigismo da produção etc.?

E de nada valerá o apelo à “lei moral” ao se falar nessa desordem social que é o nivelamento das classes, que equivale à destruição totalitária da hierarquia social.

Com efeito, “Aquele que criou e governa todas as coisas, regulou com a sua sabedoria providencial que as ínfimas coisas ajudadas pelas medianas, e estas pelas superiores consigam o seu fim. Por isso, assim como no céu quis que os coros dos Anjos fossem distintos e subordinados uns aos outros, e na Igreja instituiu graus nas ordens e diversidade de ministérios de tal forma que nem todos fossem apóstolos, nem todos doutores, nem todos pastores; assim estabeleceu que haveria na sociedade civil várias ordens diferentes em dignidade, em direitos e em poder a fim de que a sociedade fosse, como a Igreja, um só corpo, compreendendo um  grande número de membros, uns mais nobres que os outros, mas todos reciprocamente necessários e preocupados com o bem comum” (Leão XIII na Encíclica “Quod apostolici” contra a peste do socialismo).

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Os socialistas não se cansam de proclamar a igualdade de todos os homens segundo a natureza. Entretanto o que Deus dispôs e o que a Igreja ensina não é a igualdade social dos homens mas o fato de todos serem chamados a mesma dignidade de filhos de Deus, tendo todos a mesma origem e o mesmo fim. Entretanto, “a desigualdade de direitos e de poder provem do próprio Autor da natureza” segundo a mesma Encíclica.

Os que lutam pela destruição da hierarquia social, os que são contrários à existência da pirâmide social, em vez de combater os abusos do poder e as injustiças sociais, apenas concorrem para o advento do Estado totalitário, de base socialista, em que de um lado haverá uma única classe, nivelada e medíocre, onde o mérito não pode ser premiado e do outro os senhores absolutos do mando, tal como ao tempo dos césares, em que uma “clique” oligárquica dominava uma multidão de párias. Eis o “paraíso” que a demagogia (.... – erro tipográfico, falta o final da frase) (propugna?)

Voltaremos oportunamente a este tema.


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