Plinio Corrêa de Oliveira

 

A Santa Sé é alvo de uma torpe campanha de difamação

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário,  8 de dezembro de 1946, N. 748

  Bookmark and Share

 

Jornais anticlericias atacam a pessoa sagrada do Papa

- Onda de publicações imorais

- O Tratado de Latrão não é mais observado

- Filial e vigoroso protesto do LEGIONÁRIO

 

Em memorável Encíclica, que alcançou repercussão universal, o Santo Padre Pio XII incitou a piedade dos fiéis para a doutrina do Corpo Místico de Cristo. Com a situação penosa criada para a Santa Sé pela evolução político-ideológica da República Italiana, parece chegada, para todo o orbe cristão, a ocasião de viver com particular intensidade as verdades sobrenaturais que a "MysticiCorporis" ensina.

Com efeito, uma campanha anticlerical violenta se desencadeou em toda a península, com o objetivo de suscitar o ódio popular contra a Igreja, seu magistério, sua disciplina, sua hierarquia. Tal campanha se utiliza de linguagem fortemente demagógica e, em lugar de articular argumentos claros, suscetíveis de uma refutação lógica, maneja somente a injúria grosseira, a facecia de taverna e a calúnia sem propósito. Ao mesmo tempo a Itália está sendo inundada por uma verdadeira onda de publicações pornográficas e imorais, vendidas a custo baixo, e quiçá, uma ou outra vez com prejuízo financeiro para seus editores.

É impossível não perceber para onde conduz tudo isto. Os promotores desta campanha empregam argumentos e processos capazes de impressionar e mover exclusivamente as camadas incultas, os espíritos fracos e crédulos, os temperamentos revoltados e variáveis. A exacerbação das paixões sensuais atirando o povo ao botequim, ao lupanar, à casa de tavolagem  prepara os desordeiros capazes amanhã de todos excessos. Foi com estratagemas destes, que se preparou Paris para os anos macabros de 1789,1790 e 1791. A tragédia russa de 1917 e a da Espanha em 1936 não teve outro ponto de partida. Sem querer exagerar a gravidade da situação italiana, é necessário reconhecer contudo, que o rumo, a intensidade e a  amplitude desta campanha justifica a fundo a apreensão. É manifesto que um grupo oculto procura despertar os instintos mais baixos e nas camadas mais desabonadas da população um ódio vivaz contra a Igreja e o Papa. Para chegar a isto, certas forças ocultas não estão poupando nem caudais de ouro nem esforços ingentes. A que fim quererão chegar? Qualquer que seja este fim, uma coisa é certa: tudo isto só pode conduzir ao mal.

Da gravidade da situação, assim criada, dá bem uma idéia o procedimento do Vaticano. A atuação do Papa durante o conflito mundial atraiu para ele o reconhecimento de todos italianos honestos e sensatos, de qualquer posição  ideológica. Entre os homens limpos, dignos e cultos que nos momentos de sanidade mental e social dirigem a opinião, a campanha ignóbil da pornografia e do anticlericalismo não poderia ter qualquer efeito. Condescendendo em tomar conhecimento desta campanha, e em lutar contra ela, o Vaticano nada tinha a ganhar junto à elite da nação, pois que conta com uma solidariedade dela. Se, pois a Santa Sé, cujo critério e circunspecção todos louvam, entrou por assim dizer na liça contra adversários em si mesmos indignos de sua atenção, é porque a massa está na iminência de ser envenenada e arrastada por uma ação de efeitos profundos e imediatos.

Uma investida dirigida por mãos ocultas, com meios torpes, para fins ainda indefinidos, mas necessariamente maus; uma campanha altamente perigosa para a salvação das almas simples, e para a segurança da Santa Sé: são estes os elementos que compõem o quadro, se considerarmos  esta campanha somente em si mesma.

* * *

Como se não bastasse tudo isto, o desenvolvimento dos fatos veio dar gravidade maior a situação, que vai degenerando para uma crise entre a República Italiana e o Vaticano, crise esta que ameaça o próprio Tratado de Latrão.

Segundo este pacto, estipulado entre Pio XI e Vítor Emanuel, o Papa era soberano do Estado do Vaticano, com o qual a Itália estabeleceu relações de amizade dentro das normas do Direito Internacional. Por outro lado, o Tratado Lateranense reconhece a Religião Católica como oficial, do que decorre que o Papa faz jus às honras devidas especialmente ao Supremo Hierarca da Igreja.

Assim, o Estado Italiano assumiu a obrigação de proteger e garantir a segurança, honra e decoro da Santa Sé em toda a Itália.

É fácil perceber que a observância desta cláusula é fundamental para a manutenção do regime de cooperação inaugurado em Latrão. Se no território italiano é possível conspirar abertamente contra a segurança da Santa Sé, e se as autoridades civis cruzam os braços a isto, o Supremo Governo da Igreja de Deus fica exposto a tudo.

Compreender-se-á melhor esta afirmação, imaginando que fosse possível mover-se, em um Estado nosso vizinho uma campanha de injúrias soezes contra o Brasil e seu governo, e incitar a vasa da população a atacar nossas fronteiras. Seria possível afirmar que tal Estado é sinceramente amigo e aliado honesto do Brasil?

Pois foi o que sucedeu. Mons. Borgongani DucaNúncio Apostólico junto à Nova República, protestou em nome da Santa Sé contra os ataques de um pasquim anticlerical, "Dom Basílio", e pediu que fosse fechado. O Sr. Pietro Nennichanceler italiano, redargüiu que a Itália é uma democracia em que todas as opiniões são livres, pelo que não poderia fechar este jornal. Simplesmente, poderia mandar apreender nas bancas os exemplares mais danosos.

Ora, isto agradaria os redatores do "Dom Basílio", que vivem do escândalo. Por exemplo, tendo o jornal sido excomungado pela Santa Sé, os jornaleiros o apregoam "eis o excomungado 'Dom Basílio'". Seu "prestígio" se realçaria muito, nas tavernas e sarjetas, com uma proibição policial. O jornal seria livremente redigido, impresso, posto no Correio. Por este meio, poderia alcançar uma saída particular imensa. Apreendidos nas bancas os seus números, ele seria vendido numa espécie de "câmbio negro", por preço 4 ou 5 vezes maior. Que êxito! Que propaganda!

Assim, a resposta do Sr. Pietro Nenni eqüivale a um escárnio, e é o próprio Tratado de Latrão que ele fere na letra e no espírito! Mais que o Tratado de Latrão, as normas comuns do Direito Internacional. Se se movesse na Itália uma campanha contra a Rússia, injuriando seus chefes e favorecendo um ataque contra ela, o comunista Pietro Nenni, por certo não responderia a um protesto russo como respondeu a Monsenhor Borgongini Duca.

Enquanto isto, a situação se agrava, e outro periódico surgiu na Itália, êmulo do "Dom Basilio": e correndo todo o país, "O Pollo". Os frutos de tudo vão aparecendo: em Bologna, um capuchinho foi agredido por jovens que se declararam leitores do "Dom Basilio".

* * *

Bem sabemos, repitamo-lo, que não é a verdadeira Itália que promove ou aplaude movimentos como este. Quando o povo hebraico se manifestou contra Cristo e Lhe preferiu Barrabás, contam os Evangelhos que circulara ouro do sinédrio nas mãos dos agitadores, os quais se incumbiram de desvairar a multidão. Ainda agora é o ouro [...] que explica estas coisas. É impossível não perceber que não nasce do seio da Itália mas de Moscou a palavra de ordem, os meios materiais, e a proteção política que tornam possíveis coisas como estas.

A verdadeira Itália não é representada pela turba multa de agitadores, de petroleiros, de homens sem fé nem lei, que se associam a campanhas como estas. A verdadeira Itália é a que ainda tem profundamente gravada no espírito a recordação dos dias amargos da ocupação e da guerra, e, no coração o reconhecimento por tudo quanto o Vigário de Cristo fez em prol dela naquelas ocasiões críticas. A verdadeira Itália é aquela multidão inumerável que encheu a Praça de São Pedro no dia feliz em que a guerra cessou e que, instintivamente, sem ser convidada por ninguém, acudiu aos pés do Papa para festejar com ele a cessação das dores que Ele tanto fizera para minorar. Esta sim, é a verdadeira Itália porque Itália verdadeiramente cristã.

Há de doer ao coração paternal do Sumo Pontífice, ver a verdadeira Itália assim amordaçada, e notar que os únicos brados que tem ressonância na praça pública são os da impiedade! Ver que esses brados encontram da parte das autoridades uma impunidade que vale concretamente por uma garantia e um incitamento. Assistir com o coração dilacerado as devastações morais que esta liberdade dada a criminosos pode ocasionar, e certamente estará ocasionando entre as ovelhas daquele rebanho tão grato a todos os Papas, que é a ínclita nação italiana.

* * *

Podemos imaginar de que sentimento de amargura estará saturado com tudo isto o coração do Papa. E, neste momento, nós, que somos seus filhos, devemos viver a nossa união com ele, segundo a doutrina do Corpo Místico.

_______________________________________________________

Onde está Pedro, está a Igreja, onde está a Igreja está Cristo. Atacar o Papa é atacar o próprio Cristo. Sejam nossas preces pelo Papa, os públicos testemunhos de nossa indefectível e amorosa obediência, um lenitivo para as amarguras de que transborda o coração do Chefe da Cristandade

_______________________________________________________

 

Esta metáfora, através da qual São Paulo nos descreve a vida sobrenatural e interior da Igreja de Deus, é admiravelmente adequada a afervorar todos os fiéis na devoção ao Papa, Cabeça visível do Corpo Místico. Se toda a Igreja forma em Cristo Jesus, um só Corpo, a cabeça visível deste Corpo é sem dúvida o Santo Padre, representante indefectível e infalivelmente autêntico da Cabeça invisível, que é o Divino Redentor. A vida de todos os membros do corpo humano resulta do fato de estarem ligados à cabeça. Assim, a vida espiritual de todos os fiéis, resulta de sua união com Roma. Ubi PetrusUbi Ecclesiaubi Eclesiaubi Christus. Só se encontra Nosso Senhor Jesus Cristo na Igreja Católica, e a Igreja Católica só existe autenticamente onde se vive em união com o Pontífice Romano. De onde se segue que Cristo não está onde não está Pedro, onde não está o Papa.

Sendo o Papa a cabeça visível da Igreja, todo o Corpo Místico deve ter, em relação a ele, a união, a sensibilidade que o corpo humano tem quanto à cabeça. Na defesa da cabeça, todos os membros se esforçam e se agitam. É esta a parte de nosso corpo que, mesmo instintivamente, defendemos com mais energia contra qualquer ataque ou risco. E, atingida a cabeça, sofre cada parte do corpo como se tivesse sido atingida em si mesma. Não pode ser outra a atitude dos verdadeiros membros do Corpo Místico em relação ao Papa. Nada no mundo devem eles defender com mais energia, amar com mais desvelo, respeitar com mais fina sensibilidade, do que a pessoa sagrada, as atribuições e o decoro do Sumo Pontífice. Mede-se o valor do católico pela intensidade de sua devoção ao Papa. Atacado o Papa, cada membro da Igreja deve sentir-se ferido no mais profundo de si mesmo. No que concerne ao Papa, tudo é importante, tudo é augusto, tudo é grave, e não é possível praticar qualquer lesão, ainda mesmo a mais leve em seus sagrados direitos, sem que estremeça dolorosamente todo o orbe cristão.

São incontáveis no momento presente os fatos que enchem de amargura o coração paternal do Vigário de Cristo. Com este senso divinatório  que o amor filial dá, sentimos daqui que o Pontífice sofre de um isolamento mortal, parecido com o de Nosso Senhor no Jardim das Oliveiras. Dormem os bons, enquanto os maus se mancomunam para um grande crimeComo seria intensa nossa satisfação, se pudéssemos acercar-nos do oratório do Santo Padre em um desses momentos de solidão e de dor, e genuflexos de alma e de coração, mais ainda do que de corpo, dizer-lhe que, mesmo muito longe, neste Brasil, possui ele filhos que o amam de todo o coração, que fazem da fidelidade a suas diretrizes, a sua autoridade, a sua pessoa, o seu mais alto ideal, que a esse ideal dedicam todos os instantes de sua vida e que querem gastar esta vida, minuto por minuto, gota de sangue por gota de sangue, conscientementedeliberadamenteirrestritamente, no serviço da Santa Sé.

Temos a certeza de que, por mais desvalidos que sejam estes filhos, sob todos os pontos de vista, o Santo Padre receberia de bom grado a expressão destes seus sentimentos, e nisto encontraria algum lenitivo.

Não se contentaria, porém, só com tal, nosso zelo. Seria preciso, é preciso que toda a nação brasileira se movimente, que todas as entidades do laicato católico porfiem em manifestar ao Sumo Pontífice o ato reparador de sua solidariedade e de sua veneração neste momento tão doloroso.

Não nos esqueçamos de que só temos o direito de nos dizer um país católico, na medida em que formos filhos fiéis do Papa. E o filho verdadeiramente fiel timbra em estar ao lado de seu pai no momento da perseguição e da dor.

 


Bookmark and Share