Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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A democracia materialista

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 3 de novembro de 1946, N. 743, pag. 2

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O equívoco da palavra “democracia” é dos fenômenos mais interessantes de nosso tempo, uma vez que foi em nome da democracia que os povos se ergueram em luta uns contra os outros e, afinal, ninguém sabe ao certo porque sofreu tanto. Entre tantos sentidos da palavra “democracia”, cada qual se pretendendo o único e verdadeiro, podemos, contudo, distinguir dois principais: o moral e o materialista. A respeito desta distinção fundamental, lançam alguma luz as declarações de Tito, na visita que o insigne chefe de bandoleiros fez a Trieste. Para este indivíduo “democracia popular significa pão e trabalho para todos. A democracia ocidental é apenas uma expressão formal e não pode ser considerada como verdadeira nos países em que a grande massa do povo não compartilha dos bens econômicos e onde os operários definham na miséria e no desemprego.”

Aí temos um exemplo típico do que se pode chamar democracia-materialista. Para esta concepção, os problemas da convivência humana se cifram a uma questão de metabolismo. Pão e trabalho para todos, eis a democracia. Um rebanho bem tratado, com boas pastagens e forte no arado realiza o ideal desta democracia. E que mais procura ou deve procurar o homem na vida social? E que outra coisa é a Rússia soviética? Para o comunismo tudo o que não signifique a satisfação das exigências do ventre é concepção meramente “formal” da democracia, um esquema vazio e inútil. A democracia “popular” só conhece duas questões: “Que havemos de comer? Que havemos de vestir? Porque os pagãos se preocuparam com todas estas coisas” (Mt VI, 31-32).

Entretanto, há nas declarações de Tito certas coisas que nos podem induzir em erro. À primeira vista parecia que a concepção moral da democracia é a própria do Ocidente, pertencendo ao Oriente a concepção materialista. Infelizmente isto não se dá. O nosso pobre Ocidente já está muito corroído pelo materialismo. Não é apenas Tito quem acha que a democracia consiste em alimento e trabalho, sacrificando a troco disto, a dignidade e a liberdade humanas.

Porém, o homem possui direitos inalienáveis, que não se podem trocar por pratos de lentilhas. Se é verdade que o bem-estar material deve ser procurado pela sociedade, também é verdade que não é esta a finalidade precípua pela qual os homens vivem em sociedades. Acima do bem-estar material está a participação nos bens da cultura e do espírito, está o aperfeiçoamento moral, está, em suma, a dignidade espiritual do homem. Isto que para Tito e seus semelhantes é uma concepção puramente formal, vazia de conteúdo, é, no entanto, o mais importante. É preciso reconhecer que é só isto que pode salvar a civilização.


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