Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Dirigismo publicitário

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 20 de outubro de 1946, N. 741, pag. 5

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A multiplicidade e o aperfeiçoamento dos meios de comunicação entre os povos, os extraordinários progressos da moderna técnica publicitária que através de organizações gigantescas faz chegar a todos os recantos do mundo pelo cinema, pela imprensa e pelo rádio o relato vivo de todos os acontecimentos religiosos, políticos, sociais e econômicos, tudo isto faria supor um maior esclarecimento da opinião pública e consequentes entraves cada vez maiores à obra de mistificação e de deturpação da veracidade dos fatos e das idéias.

A realidade, entretanto, é bem outra, e por uma razão bem simples e evidente. Esses modernos recursos técnicos, por maravilhosos que sejam não conseguem mudar a natureza humana. Um indivíduo sem escrúpulos e trapaceiro continuará trapaceiro e sem escrúpulos quer viajando em uma liteira, quer cruzando os ares em um (avião) super-clipper. E do ponto de vista publicitário, a melhoria dos meios de comunicação vem justamente concorrer para aumentar o raio de ação da maldade dos celerados.

* * *

Foi o que aconteceu com a máquina publicitária nazista. Quanta gente até hoje ainda duvida da veracidade dos fatos com relação à perseguição aos católicos no 3º. Reich? Quantos ainda acreditam na patranha da “luta contra o bolchevismo” que era um dos slogans de Goebbels? Que dizer dos recursos publicitários empregados pela Rússia soviética para encobrir o que realmente se passa nos bastidores do Kremlin? E da propaganda que transforma um bandido como Tito em herói nacional?

Estamos não somente na época da economia dirigida, mas sobretudo, da propaganda dirigida. Quando nada, o desencontrado das notícias produz um público pessimista e indiferente, nunca um público esclarecido sobre a verdade dos fatos. E não foi sem razão que o ultramontano Joseph de Maistre, já em seu tempo, dizia ser a história dos últimos dois séculos uma contínua conspiração contra a verdade.

Para exemplificar, vejamos como em plena luz do dia se consegue obscurecer um acontecimento histórico por esse processo de mistificação e do dirigismo publicitário. Relembremos o caso da Bastilha que se acha na origem de toda essa demagogia que está levando o mundo aos extremos do mais negro totalitarismo. Vejamos o que diz Funk Brentano em seus “Segredos da Bastilha” (Légendes et archives de la Bastille) sobre esse símbolo da tirania e da opressão do velho regime:

Numerosos testemunhos confirmam que a Bastilha era desde há muito a prisão de França ‘mais doce e mais humana’, como escreveu, em 1783, o autor das Observações Sobre a História da Bastilha. Aqui temos um chamado Boctey, preso em Vincennes, que pede para ser transferido para a Bastilha: ‘espero, requer ele ao intendente da polícia, que o vosso espírito de humanidade não deixará de atender o meu pedido’. O historiador Delort cita uma mulher encarcerada no Châtelet acusada de assassinato: ‘por causa da sua combalida saúde foi transferida para a Bastilha’. Como o cardeal de Rohan, durante as confrontações a que deu origem o processo do Colar da Rainha, objetasse ao romancista Bette d’Etienvllle: ‘de que forma conseguiu a senhora de Courville saber tão rapidamente que eu estava na Bastilha? – A Bastilha, respondeu d’Etienville, é a prisão das pessoas de nascimento ilustre, e por isso ela ficou crente, desde que vos prenderam, que sereis nela internado’.

“Lê-se no Jornal de um Padre parisiense (1789-1792), do abade Rudemare, que morreu durante a Restauração, cura da paróquia de Blancs-Manteaux de Paris: ‘A 14 de Julho tomaram a Bastilha. No dia 15 fui lá por curiosidade. Um maltrapilho disse-me então: ‘Não direis, senhor cavaleiro, que foi para nós que trabalhamos destruindo a Bastilha, mas sim para vós, pois os miseráveis não tinham lá entrada. Para nós a Bicêtre... Não há por aí uns cobres para beber à vossa saúde?’

Estes testemunhos podiam multiplicar-se infinitamente.

“Em 1713, o secretário de Estado Voysin, escrevia a d’Argenson: ‘Beaumanielle não merece muitos esforços para o transferir do Châtelet onde está, para a Bastilha’. La Harpe caracterizou bem o movimento de transformação que a grande prisão de Estado sofreu depois dessa época, dizendo que, desde o princípio do século, nenhum dos prisioneiros nela encerrados ‘merecera essa honra’. Observação confirmada por Linguet: ‘A Bastilha não tem sido reservada para os prisioneiros do Estado, especialmente nestes últimos tempos; tornou-se antes, quase, a antecâmara da Conciergerie’.

“Se, envelhecendo, a Bastilha perdera o seu brilho, em compensação a tortura, de fato só aplicada aos presos comuns, desapareceu completamente. Desde o começo do século XVIII, as masmorras e as grilhetas apenas eram um castigo temporário aplicado aos presos insubordinados; após a subida ao trono de Luís XVI, desapareceram completamente. Breteuil proibiu a reclusão nas masmorras (chamavam-se assim as divisões do andar inferior de cada torre, espécie de caves sombrias e húmidas), fosse pelo que fosse. No dia 11 de setembro de 1775, Malesherbes escreve: ‘Não se pode recusar a nenhum preso a escrita e a leitura. O pretenso abuso a que podem dar lugar não pode ser perigoso, encerrados rigorosamente como estão. Não se pode também contrariar o desejo que alguns tenham em se entreterem noutras ocupações, desde que para o uso destas não exijam a posse de instrumentos que possam servir para uma evasão. Se houver algum que queira escrever à sua família e aos seus amigos, deve ser-lhe permitido receber a resposta, fazendo-lha chegar às mãos depois de lida; acima de todas estas instruções colocareis a vossa prudência e a vossa humanidade’. A leitura dos jornais, outrora severamente interdita, é-lhes permitida.

“É necessário dizer também que o número de presos encerrados na Bastilha não era tamanho como se poderia julgar. A velha fortaleza podia conter quarenta e dois presos alojados separadamente. No reinado de Luís XIV desde 1660 até 1713, a prisão do rei recebeu a 2.228 acusados, uma média de quarenta por ano; sob Luís XV, de 1715 a 1774, esse número elevou-se a 2.567, ou seja uma média de quarenta e três por ano; enfim, no reinado de Luís XVI, apenas 289, o que representa uma média anual de dezenove.

“Esta queda brusca de quarenta e três para dezenove é característica. Marca bem transformações operadas no exercício do governo real. Na ocasião em que foi tomada, 14 de julho de 1789, a Bastilha tinha apenas sete presos.

“Acabamos de ver que, durante o reinado de Luís XVI, a Bastilha recebeu em média dezenove prisioneiros por ano. Alguns deles apenas estiveram detidos uns dias. De 1783 a 1789, a Bastilha ficou quase deserta, e se não tivessem resolvido alojar nela os presos que não cabiam noutras prisões, teria ficado completamente vazia. Já em fevereiro de 1784, por falta de prisioneiros, se tinha encerrado a torre de Vincennes, espécie de sucursal da Bastilha. O regime das ordens secretas de prisão perdia-se já no passado. Além disso, a Bastilha ficava muito cara ao rei. Só o governador recebia anualmente sessenta mil francos, acrescendo ainda o soldo e alimentação dos oficiais da guarnição, dos carcereiros, médicos, cirurgião, farmacêutico, capelães; a alimentação - e só esta verba, em 1774, foi de mais de sessenta e sete mil francos – o vestuário dos presos, a conservação do edifício; o total parecerá exorbitante, porque essas cifras devem ser multiplicadas por 12 ou 15 para representarem o seu valor atual. Assim Necker, vendo que a Bastilha para nada servia, pensou ‘por economia’ em a suprimir, e não foi ele o único que superiormente propôs essa supressão.

“O museu Carnavalet possui uma planta levantada em 1784 por Corbet, arquiteto inspetor da cidade de Paris, trabalho que tem caráter oficial, é um projeto da “praça Luís XVI” a construir no lugar da velha fortaleza. Millin informa-nos que outros artistas também se ‘tinham ocupado do projeto dum monumento a elevar sobre o local da Bastilha’. Um desses projetos merece especial menção. Das suas oito torres, sete tinham sido destruídas, a oitava ficou de pé, mas quase toda arruinada; no local das torres arrasadas levantar-se-ia um monumento à glória de Luís XVI. Este monumento compor-se-ia dum pedestal formado por um montão das cadeias e ferrolhos provenientes da prisão do Estado em cima do qual ficaria a estátua do rei, estendendo a mão, num gesto libertador, para a torre em ruínas. É lamentável, se não pela beleza ao menos pelo pitoresco de Paris que esse projeto não tenha tido execução. Davy de Chavigné, conselheiro do rei, auditor do Tribunal de Contas, apresentou à Academia Real de Arquitetura na sessão de 8 de Junho de 1789, ’um projeto do monumento no local da Bastilha, decretado pelos Estados Gerais em honra de Luís XVI, como restaurador das liberdades públicas’.

“Algumas gravuras, anteriores a 1789 - uma delas no frontispício da edição das Memórias de Linguet, publicadas em 1783 - representam Luís XVI estendendo a mão para as altas torres que alguns operários derrubam.

“Nos arquivos da Bastilha estão guardados dois relatórios redigidos em 1788 por Puget, delegado do rei, e pessoa mais importante do castelo depois do governador. Propõe neles a supressão da prisão do Estado, a demolição do velho castelo e a venda dos terrenos em benefício da coroa. Pode-se dizer destes projetos acima como do plano do arquiteto Corbet, que eles não teriam sido feitos se superiormente não tivessem sido aprovados.

“Em 1784 um virulento apaixonado da antiga situação exclamava: ‘Oh! se o nosso jovem monarca cometesse tamanho erro, se ele contrariasse a tal ponto os antigos usos do governo, se fosse possível ter a tentação de vos destruir – o autor dirige-se à Bastilha - para erguer sobre as vossas ruínas um monumento ao rei libertador...’ A demolição da Bastilha era assunto resolvido; teria sido feita administrativamente se a Revolução não tivesse rebentado.

“Desde 1° de janeiro a 14 de julho de 1789, apenas entrou na Bastilha um único prisioneiro - e que espécie de prisioneiro! – Reveillon, fabricante de papéis pintados do arrabalde Santo Antônio, detido a seu próprio pedido, para fugir às consequencias da quebra. No mesmo ano o intendente de polícia Crosne fez uma inspeção à Bastilha acompanhado por um conselheiro do Parlamento, para verificar oficialmente a ruína da prisão do Estado.

“Assim, na véspera da Revolução, a Bastilha já não existia, apesar de ter ainda de pé as suas oito torres.

Os vencedores de 14 de julho libertaram sete presos: quatro falsários, presos do Châtelet, cujo processo corria os seus trâmites e que deveriam estar numa prisão ordinária; dois loucos cujo lugar deveria ser em Charenton e o conde de Solages, gentil-homem acusado dum crime monstruoso, sobre o qual em respeito pela sua família, se desejava lançar um véu e cuja pensão era paga por seu pai”.


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