Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Da borduna comunista ao curare socialista

 

 

 

 

Legionário, 8 de setembro de 1946, N. 735, pag. 5

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(Borduna: arma de guerra dos índios, tacape; curare: veneno de ação paralisante, de tom marrom-escuro ao negro, resinoso e aromático, extraído de plantas, n.d.c.)

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Dizem-nos os Sagrados Evangelhos que é pelos frutos que conhecemos as árvores. Ora, ao analisarmos a ação ou o programa de certos partidos e movimentos políticos declaradamente contrários e às vezes mesmo hostis ao comunismo, frequentemente neles descobrimos acentuadas tendências socialistas, embora nem sempre abertamente confessadas e reconhecidas. Se o fruto desses movimentos e desses partidos é, pois, o socialismo, podemos afirmar com segurança que a árvore de onde elas procedem não presta, por mais sedutora e frondosa que se nos apresente sua ramaria.

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O partido trabalhista inglês é um exemplo típico desse movimento, na aparência infenso ao comunismo, ao ponto de não aceitar aliança com os bolchevistas, mas que na realidade prepara o advento do totalitarismo socialista, apesar de trilhar caminho diferente, conforme não há muito tempo demonstramos, quando nos ocupamos das atividades da Sociedade dos Fabianos nas ilhas britânicas. É o socialismo implantado por ação indireta, sobretudo através de leis e decretos e do dirigismo estatal.

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De nada adianta deblaterar contra os horrores e as injustiças do comunismo, se embora repudiando a tática da ação direta, sub-repticiamente, por meio de hábeis manobras de despistamento, for promovida a socialização dos meios de produção, bem como outros atentados típicos do socialismo contra o direito natural, seja no terreno econômico, educacional ou cultural.

Por imperfeita que seja a comparação, não se trata de decidir entre um gangster, que ataca sua vítima de metralhadora em punho e o batedor de carteiras que apenas utiliza sua habilidade manual. O fim visado é o mesmo, isto é, uma apropriação indébita embora no primeiro caso haja a agravante do homicídio.

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Trata-se apenas de uma escolha de meios. O comunismo, do tipo bolchevista, procura acelerar o advento da socialização dos bens de consumo e dos meios de produção por meio da agitação das massas e dos pronunciamentos revolucionários, indo logo às do cabo e mudando da noite para o dia os regimes políticos e as instituições sociais, como foi feito na Rússia e está sendo realizado nos países do Báltico e demais territórios colocados sob a influência soviética. Segundo os teóricos do socialismo não é este, porém, o processo mais prático e eficaz para a implantação da nova “ordem” proletária, e tanto isto é verdade que lhe dão o nome de socialismo utópico.

A suma das sumas do socialismo, o socialismo de “bom tom”, ainda que nem sempre receba o nome de socialismo, passando a ser simplesmente esquerdismo, o socialismo mais vizinho das suas fontes “ortodoxas” que os iniciados vão encontrar em Marx ou mais modernamente em Harold Laski, apesar de visar, como todo socialismo, a coletivização da vida social e a abolição da propriedade privada, não se vale de ordinário desses processos atamancados que caracterizam os botocudos do Partido Comunista.

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O bolchevismo não deve, portanto, ser confundido com o socialismo “científico” de Marx embora seu programa maximalista seja idêntico de certo modo à socialização dos meios de produção pregados por Marx. Karl Marx, porém, não desejava que se chegasse à sonhada coletivização por um ato de vontade, pelos golpes de mão das células revolucionárias, mas queria que tal resultado fosse alcançado como fruto maduro que se destacasse sem esforço da árvore do capitalismo. Pela evolução fatal dos fatos econômicos, a própria burguesia deveria gerar seus germes destruidores, não ficando essa destruição a cargo de Lenine com sua guarda pretoriana e sua polícia-política. A evolução da sociedade pela luta de classes, pelo dinamismo interno dos fenômenos sociais vistos através do materialismo histórico, tais como o desenvolvimento natural da mais-valia e a concentração dos capitais, acarretaria fatalmente a socialização dos meios de produção e o consequente advento irresistível do paraíso socialista.

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O rótulo não pertence à essência das coisas. E sendo a luta pela implantação do totalitarismo socialista uma luta de várias frentes, que alicia combatentes em todos os quadrantes ideológicos, das hostes esquerdistas à Babel liberal e à pseudo-reação totalitária-direitista, para não nos referirmos à massa anônima e inconsciente, que vive em disponibilidade e à mercê dos aventureiros e demagogos, bem podemos compreender o fim unitário visado por toda essa campanha de mistificação socialista, aberta ou disfarçada, quer venha envolvida em roupagens anticlericais, quer acenando com simpatia para os católicos e por vezes até usando, à guisa de pele de ovelha, a “Rerum Novarum” e a “Quadragesimo Anno”.

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Para o católico, porém, tal manobra do estrategismo totalitário não devia constituir um problema, tal a clareza com que a Igreja tem se manifestado não apenas em relação ao comunismo, mas também às variadas formas de socialismo, mesmo as mitigadas. Catolicismo e socialismo são termos contraditórios. Se os católicos, portanto, bem conhecessem as diretrizes da Igreja sobre a questão social, os confusionistas estariam hoje pregando no deserto.

Mais do que a audácia dos sectários, essa ignorância dos católicos e, pior ainda, uma crescente indocilidade em relação aos ensinamentos da Igreja e à voz de seu Soberano Pontífice é que são responsáveis pelos estragos causados pela peste socialista no organismo social.

Perdida a fé nos verdadeiros recursos de salvação social, que são em primeiro lugar os recursos de fundo moral e religioso, perdido de vista o verdadeiro Salvador, o mundo terá forçosamente que recorrer a outros “salvadores”. E ao enfraquecimento do verdadeiro espírito de Fé vemos seguir-se uma completa falta de perspicácia e de tino político no povo ao ponto de nem sequer saber a humanidade tirar proveito de suas amargas experiências destas últimas décadas.

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O caso do fascismo e do nazismo, por exemplo, é de uma eloquência contundente e está a clamar contra a ingenuidade com que o povo embarca nesses movimentos de pseudo-reação totalitária-direitista. A humanidade deixou de lado o esforço necessário à faculdade de raciocinar, para apenas irrefletidamente passar a acreditar nos “slogans” habilmente forjados pelos mentores dessa campanha em favor da implantação do totalitarismo socialista.

Assim, por exemplo, o fascismo se enraizou na Itália sobretudo graças ao seu “slogan” de luta contra o bolchevismo que tentava dominar a península.

Entretanto, poucos anos depois da marcha sobre Roma, a 29 de junho de 1931, o que dizia Pio XI para alertar a consciência católica contra essa mistificação?

Não podemos Nós, Igreja, Religião, fiéis católicos (e não apenas Nós) ser gratos a quem depois de haver repelido o socialismo e a maçonaria, Nossos inimigos declarados (e não apenas Nossos), os readmitiu largamente, como todos vêm e deploram, e tão mais fortes e perigosos e nocivos quanto mais dissimulados e ainda por cima favorecidos pela nova divisa”.

Como vemos por este trecho da Encíclica “Non abbiamo bisogno”, Pio XI considera a ação das forças secretas e o programa socialista na Itália fascista mais perigosos e nocivos que o próprio socialismo revolucionário que nas vésperas do início da era mussoliniana lançava engenheiros e contra-mestres nos fornos da fábrica Fiat em Turim. E isto em razão da dissimulação usada.

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Na luta contra o comunismo, não prescindamos, portanto, dessa argúcia de que nos dá exemplo, o Pontífice da Ação Católica, repelindo toda ação social e política, que embora faça praça de suas boas e pacíficas intenções, na realidade, por seu programa e pelos rumos ideológicos de seus chefes, nos conduza ao mesmo totalitarismo socialista, embora por outras veredas.

Evitemos a arapuca tanto da “revolução” quanto da “evolução” socialista. Usemos a limalha do bom senso católico para descobrir a origem comum dessa atração magnética que leva a humanidade ao império do omniarca totalitário sonhado pelo espírito das trevas.