Plinio Corrêa de Oliveira
Nova
et Vetera
Legionário, 1 de setembro de 1946, N. 734, pag. 5 |
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Diz São Pedro em sua segunda Epístola que a heresia é pior do que o paganismo, isto é, o estado do pagão convertido ao Cristianismo e que depois cai na heresia, passa a ser pior que a sua primitiva condição de gentio. Melhor lhe fora não haver jamais conhecido o caminho da Justiça, do que, depois de conhecê-lo, lhe voltar as costas. E isto que se diz de um simples fiel extraviado, pode-se também dizer de um povo ou da humanidade em geral. Eis porque Pio XI, na Encíclica “Divini Redemptoris”, declara que a humanidade está hoje ameaçada de cair em um estado pior que o existente no mundo antes do Advento de Nosso Divino Redentor, e isto porque, depois de conhecer a Verdade dos Evangelhos, os homens acabaram por repudiá-la. Volta, portanto, o estado atual a ser pior que o primeiro, isto é, a apostasia das nações modernas representa um estado mais triste e mais lamentável que o existente quando a humanidade ainda se debatia nas trevas do paganismo antigo. São Tomás de Aquino esclarece que os hereges se acham mais afastados da verdadeira Fé que os ímpios e que os próprios demônios, porque não se apoiam na autoridade de Deus, mas no próprio juízo. E esse livre exame, esse liberalismo, essa rebeldia contra a vontade expressa de Deus é que caracteriza a atitude da sociedade hodierna, que volta voluntariamente as costas ao santo mandamento que recebeu de Deus, por intermédio de Sua Igreja, bem como aos meios de Salvação que Esta lhe oferece. * * * Em que pese a opinião dos que sustentam que a humanidade se acha em vias de se libertar dos grilhões de seu cativeiro político, social, cultural e econômico, a verdade, para quem não tem traves nos olhos e para quem não faz ouvidos de mercador à voz da Igreja, é que cada vez mais se acentuam as cores negras desse quadro diante do qual Pio XI indagava se não estaríamos em face dos tempos previstos para vinda do filho da iniquidade sobre a terra. Em contraste com as advertências dos últimos Papas, o que vemos por todos os lados é a superstição dos meios puramente humanos, a “heresia das obras”, com exclusão das armas que em todos os tempos a Providência Divina indicou como imprescindíveis para a salvação da humanidade em momentos de crise e de decadência. Nesse império da prudência da carne, são postos de lado como velharias inconcebíveis na era da energia atômica, os recursos que o Soberano Senhor de todas as coisas colocou à disposição dos homens para aplacar o castigo do Céu diante das ignomínias deste mundo: a oração e a penitência. Eis a mensagem de salvação por Deus confiada à Medianeira de todas as Graças em suas últimas revelações à humanidade. Em Lourdes e em Fátima, a Santíssima Virgem não nos pediu que embarcássemos em grandes empreendimentos de salvação social articulados pelos prodígios da técnica moderna. A Santíssima Virgem, com toda a simplicidade, apenas nos recomendou a oração e a penitência, armas idênticas às empregadas por São Domingos contra os males de sua época. Para que os recursos humanos, que também são dádivas de Deus, frutifiquem em nossas mãos, mister se faz que alicercemos nossas obras materiais por meio dessa vida interior de orações e sacrifícios. E em atenção a esse celeste pedido, o Pontífice da Ação Católica, pela Encíclica “Caritate Christi Compulsi”, de 3 de maio de 1932, depois de mostrar como na defesa da Cristandade devemos usar os legítimos meios humanos que estiverem ao nosso alcance, assim se expressava sobre a necessidade dos meios sobrenaturais:
Papa Pio XI “Mas diante desse ódio satânico contra a religião, que recorda o ‘mistério de iniquidade’ de que nos fala São Paulo, os meros meios humanos e as providências dos homens não bastam, e acreditamos, Veneráveis Irmãos, ficar menos próximos de Nosso ministério Apostólico, se não quisermos indicar à humanidade esses maravilhosos mistérios de luz, que são os únicos a conter em si a força de subjugar os poderes das trevas que agrilhoam a fera. Quando o Senhor, descendo dos esplendores do Tabor, curou o jovem possesso do demônio, que os discípulos não haviam conseguido sarar, à humilde pergunta destes ‘Por qual motivo não pudemos expulsar esse demônio?’, responde com as memoráveis palavras ’Este gênero não se expulsa a não ser pela oração e pelo jejum’. Parece-Nos, Veneráveis Irmãos, que estas divinas palavras devem também ser aplicadas aos males de nossos tempos, que somente por meio das orações e da penitência podem ser conjurados. “Lembrando-Nos, portanto, de nossa condição de seres essencialmente limitados e absolutamente dependentes do Ser supremo, recorramos antes de tudo à oração. Sabemos, pela Fé, qual seja o poder da humilde, confiante, perseverante oração: a nenhuma outra obra pia foram ligadas pelo Senhor Onipotente tão solenes e universais promessas como à oração: ‘Pedi, e dar-se-vos-á; procurai e achareis; batei e abrir-se vos-á. Pois todo o que pede recebe; quem procura acha; e a quem bate abrir-se-lhe-á’. ‘Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, ser-vos-á concedida’. “Mas à oração é necessário acrescentar também a penitência, o espírito de penitência e a prática da penitência cristã. Assim o ensina o Divino Mestre, em cuja primeira pregação foi recomendada a penitência: ‘Começou Jesus a pregar e a dizer: Fazei penitência’ (Mat. IV, 17). Assim o ensina toda a tradição cristã, toda a história da Igreja: nas grandes calamidades, nas grandes atribulações da Cristandade, quando era mais urgente a necessidade da ajuda de Deus, os fiéis, seja espontaneamente, seja pelo exemplo e pelas exortações dos sagrados Pastores, sempre lançaram mão das duas valiosíssimas armas da vida espiritual: a oração e a penitência. Por aquele instinto sagrado pelo qual quase inconscientemente se deixa guiar o povo cristão, quando não é extraviado pelo semeador de cizânias, e que nada mais é que aquele ‘senso de Cristo’ de que fala o Apóstolo, os fiéis tem sempre sentido nestes casos a necessidade de purificar sua alma do pecado com a contrição do coração, com o sacramento da reconciliação, e de aplacar a Divina Justiça também com obras externas de penitência. “Bem sabemos e convosco deploramos, Veneráveis Irmãos, que em nossos dias a ideia e o nome de expiação e penitência, tenham em grande parte perdido o valor e a virtude de suscitar aquela disposição de coração, aquele heroísmo de sacrifício que em outros tempos sabiam infundir, apresentando-se aos olhos dos homens de Fé como selados por um caráter divino à Imitação de Jesus Cristo e de Seus santos: hoje não faltam os que desejariam pôr de lado as mortificações externas como coisa de tempos passados; sem falar do moderno “homem autônomo” que despreza a penitência como expressão de índole servil. E é óbvio, com efeito, que quanto mais se desvanece a Fé em Deus, tanto mais se confunde e desvanece a ideia de um pecado original e de uma primitiva rebelião do homem contra Deus, com o que ainda mais se perde o conceito da necessidade da penitência e da expiação. “Mas Nós, entretanto, Veneráveis Irmãos, devíamos por obrigação de ofício pastoral manter bem alto estes nomes e estes conceitos e conservá-los em seu verdadeiro significado, em sua genuína nobreza, e mais ainda em sua prática e necessária aplicação à vida cristã. “A isto Nos conduz a própria defesa de Deus e da Religião, que estamos propugnando, pois que a penitência é por natureza um reconhecimento e restabelecimento da ordem moral no mundo, que se funda na lei eterna, isto é, em Deus vivo. Quem dá satisfação a Deus pelos pecados cometidos, reconhece com isto a santidade dos supremos princípios da moralidade, sua força interna de obrigação, e a necessidade de uma sanção contra sua violação. E é certamente um dos mais perigosos erros de nossos tempos o haver pretendido separar a moralidade da religião, retirando assim toda base sólida e qualquer legislação. Erro intelectual esse que poderia passar desapercebido e parecer menos perigoso quando se limitava a poucos e a Fé em Deus era ainda um patrimônio comum da humanidade, que tacitamente se presumia ainda mesmo naqueles que dela não faziam profissão aberta. Hoje, porém, quando o ateísmo se difunde pela massa popular, as consequências práticas daquele erro se tornam terrivelmente tangíveis e entram para o rol das tristíssimas realidades. Em vez das leis morais que desaparecem com a perda da Fé em Deus, se impõe a força violenta que conculca todo o direito. A antiga fidelidade e correção no agir e no mútuo comércio, tão decantada pelos retóricos e poetas do paganismo, agora cedem lugar à especulação sem consciência tanto nos negócios próprios como nos alheios. E, realmente, como poderá ser sustentado um contrato qualquer e que valor pode ter um tratado, aos quais falta a garantia da consciência, na ausência da Fé em Deus, do temor de Deus? Retirada essa base, todas as leis morais caem com ela e não há nenhum remédio que possa impedir a gradual e inevitável ruína dos povos, das famílias, do Estado, da própria civilização humana. “A penitência, portanto, é como uma arma salutar posta nas mãos dos valentes soldados de Cristo, que desejam combater pela defesa e pelo restabelecimento da ordem moral do universo. É uma arma que se leva à raiz de todos os males, à concupiscência das riquezas materiais e dos prazeres dissolutos da vida. Por meio de sacrifícios voluntários, por meio de renúncias práticas, ainda que dolorosas, por meio das várias obras de penitência o cristão generoso subjuga as baixas paixões que tendem a arrastá-lo à violação da ordem moral. Mas se o zelo da lei divina e a caridade fraterna são nele tão grandes quanto devem, então não somente se entrega ao exercício da penitência por si e por seus pecados, mas também se oferece em expiação pelos pecados alheios, à imitação dos Santos que heroicamente se fazem vítimas de reparação pelos pecados de toda uma geração, como o Redentor divino que se fez ‘Cordeiro de Deus para tirar os pecados do mundo’.” |