Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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O grande ausente

 

 

 

 

 

 

Legionário, 4 de agosto de 1946, N. 730, pag. 2

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Forja-se a paz que há de organizar o mundo pós-guerra. E é preciso reconhecer que a obra está resultando laboriosíssima. Foi uma verdadeira lança em África (dificuldade enorme, n.d.c.) a reunião da Conferência de Paris, que não tem pequenos obstáculos a resolver, antes pelo contrário. Não obstante tantos esforços, e apesar do muito que se tem falado e escrito a respeito dos meios de conseguir uma paz duradoura (já não se ousa pensar numa “paz perpétua”) é notável e geral ceticismo com que estas tentativas são recebidas. Quase ninguém acredita nos “planos” nem tem confiança na estabilidade da situação atual. A atmosfera do mundo, nos dias que correm, tem qualquer coisa de apocalíptico. A verdade é que todos sentimos um ambiente de precariedade, como se tudo estivesse prestes a desabar.

Na realidade, nem a ONU nem a Conferência de Paris podem resolver a aguda crise atual. Falta-lhes o essencial, que é a visão exata dos males e a capacidade moral para resolvê-los. E esta deficiência capital se exprime concretamente pela ausência, nestas assembleias, da única realmente pacificadora que há no mundo: o Papado. Não são os equilíbrios de interesses nem as transações diplomáticas que podem produzir a paz, mas somente a volta da Humanidade para Deus. E só na Religião podem encontrar os homens de todos os países da Terra o terreno comum onde se entenderem.

De fato, todo entendimento recíproco entre os homens é determinado pela procura de um bem comum; nisto se baseia a vida social. Quanto mais geral for o bem comum procurado, mais largo será o círculo social. De acordo, também, com os vários tipos de bem comum, haverá vários tipos de sociedade. Na ordem temporal, o Estado é que procura o bem comum mais geral e elevado, qual seja, a suficiente perfeição da vida humana “neste mundo”. Embora este bem comum temporal não seja exclusivamente material, antes compreenda muitos bens espirituais, contudo está intimamente condicionado a múltiplas contingências materiais. Mesmo aqueles bens espirituais que se referem imediatamente à vida humana “neste mundo”, como por exemplo as virtudes cívicas. Disto é que provém a diversificação dos Estados, de modo que há vários Estados nacionais e não um só Estado Universal: é que as contingências materiais afetam o bem comum do Estado, fazendo com que não haja um bem comum transnacional absolutamente o mesmo para toda a Humanidade.

Para encontrarmos um bem comum universal temos que ir mais longe, e apelar para um bem comum absolutamente espiritual, não temporal. Mas semelhante ao bem comum como transcende a esfera do Estado, é o bem comum da Igreja. A salvação eterna é o único bem comum que pode interessar igualmente a todos os homens e a todos os povos, e todos aqueles que a procuram se associam na sociedade sobrenatural do Corpo Místico.

É por isso que os Estados que dominam vastos territórios e incluem muitas populações adotam a forma descentralizada e federativa, baseando a sua unidade principalmente na identidade de cultura dos súditos que é um fator espiritual ainda (mais) do que temporal. Assim aconteceu com o Império Romano, assim acontece com os Estados Unidos. E o Estado soviético se mantém pela mística proletária: todo Estado imperial é beneficiário ao mesmo tempo que é o órgão de uma “weltanschaung” (visão de conjunto do mundo, n.d.c.) e só se mantém na medida em que acentua, senão exagera, os lados espirituais do bem comum temporal.

Nem se diga que a própria paz seria o bem comum universal de toda a humanidade que basearia suficientemente uma organização supranacional. A paz, antes que mais nada, é um fruto espiritual, uma consequência das consciências retas, e está em íntima relação com o bem comum sobrenatural. Os Estados podem garantir até certo ponto a ordem pública, mas a paz é (fruto da) graça de Deus.