Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Moeda falsa de curso forçado

 

 

 

 

 

 

Legionário, 28 de julho de 1946, N. 729, pag. 5

  Bookmark and Share

 

“Há no mundo político uma espécie de moeda reconhecidamente falsa, mas que tacitamente se convencionou receber. Os iniciados é que não se enganam sobre seu verdadeiro peso e valor real”. Nestas palavras com que Balmes, no “Critério” encerrou suas observações sobre os jornais como meios de se chegar à verdade, pelo menos a respeito das pessoas e das coisas, temos a explicação do exato alcance do adjetivo “reacionário”, hoje tão corrente para classificar e ferretear os que se opõem aos progressos da revolução, que sob o disfarce de uma nova ordem proletária, procura instaurar no mundo o totalitarismo socialista.

Esse adjetivo representa um tão grande insulto que até o nosso tolerante Parlamento resolveu proscrevê-lo de seus anais ao lado de outros baldões (insultos, n.d.c.) que não se casam bem com o decoro a ser mantido em torno dos pais da pátria.

O mesmo pode se dizer com relação às classificações de “clerical” e “ultramontano”. A moeda falsa corrente nos meios hostis à Igreja foi lançada com tamanha propaganda e habilidade que às vezes até os próprios católicos se consideram ofendidos quando se lhes aplicam aqueles epítetos.

* * *

Entretanto, atrás da própria palavra “reacionário” se acha a razão dessa campanha contra os católicos. Efetivamente, o próprio Conselheiro Acácio (personagem literário que dizia tão somente o que era óbvio, n.d.c.) não teria dificuldade em dizer que reacionário é aquele que reage contra alguma coisa. E o desejo dos modernos artífices de erros políticos e sociais é justamente que não exista essa reação, mas que (problema tipográfico impede a leitura de algumas palavras, n.d.c.) pelo menos permaneçam inativos e indiferentes, se não quiserem pôr o ombro à roda. Pela mesma razão detestam a ação do clero católico, que também lhes é contrária. Daí o anticlericalismo. E já dizia o sectário (Léon) Gambetta (1838-1882, político francês que ocupou o cargo de primeiro-ministro da França) em seu tempo: “o clericalismo, eis o inimigo” (discurso de 4 de maio de 1877, n.d.c.). Indo mais longe em seu desespero ao verificar os entraves que a Igreja lhes oferece, dirigem também suas baterias contra os ultramontanos, isto é, contra os que procuram ser fiéis e leais servidores do Papa de Roma. Que maior título de glória pode ter um católico do que este de ser ultramontano, isto é, de estar com o Santo Padre em todos os terrenos?

Compreende-se, portanto, muito bem essa campanha contra os católicos. São mais do que claros os desígnios dos que a estes emprestam as denominações de reacionários, de clericais e de ultramontanos, identificando-os com a pseudo-reação que as próprias forças do mal organizam para torpedear o nosso movimento de resistência contra os males modernos.

E o artigo do “The Tablet” (16 de março de 1946, pag. 3), cuja transcrição iniciamos em nosso último número, vem justamente focalizar essa torpe campanha, que infelizmente conta com o apoio de muita gente que se julga cristã, como veremos na parte final, que a seguir publicamos:

“É surpreendente que um homem qualquer, lançando os olhos sobre a Europa e vendo qual na realidade é o efeito da Fé católica sobre seus semelhantes, como essa Fé os protege contra a infecção do totalitarismo, possa hostilmente escrever a palavra “clerical” e deixar o adjetivo obscurecer desse modo a verdade dos fatos, chegando a sugerir que seja qual for a linha de conduta da Inglaterra e dos Estados Unidos, ambos devem ter cuidado em não se mostrarem genuína e profundamente interessados pela religião cristã na Europa.

“A verdade é justamente o oposto disso, pois se esses dois grandes países desejam um terreno sólido em que possam basear a defesa de sua civilização, precisam começar por se preocuparem muito mais pelos fundamentos dessa civilização, em vez de procurar defender o fruto sem se interessar pelo que acontece à raiz. Tanto na Alemanha como na Checoslováquia os comunistas estão agora dizendo abertamente que se os partidos cristãos vencerem as eleições, a resposta será uma revolução. E é essa exatamente a linguagem da esquerda espanhola quando os católicos ganharam as eleições em 1934. Era uma ordem constitucional: nenhum partido católico clerical seria “cripto-facista”, pois não lhes interessaria ver o constitucionalismo, que é o bastião de sua independência, submergido no domínio do partido único.

“Quando os católicos venceram nas eleições austríacas, o “Spectator” não escondeu sua mortificação, e teria preferido que os socialistas fossem os heróis do dia. E aqueles que desejam analisar corretamente e explicar o capítulo extraordinário e desedificante, agora chegando ao fim, no qual tantos ingleses cultos, que se dão o nome de cristãos, se mostraram tão dispostos a abandonar os elementos cultos e cristãos através da Europa Central, se tal abandono lhes pudesse comprar a amizade de um movimento ateu e agressivo, acharão a explicação de uma tendência que, se levada avante, seria fatal à Inglaterra por duas razões. Há o fato de que grande parte do cristianismo de hoje se transformou em mero evangelho social, e que é esta a última fase de muito desse protestantismo que até uma geração atrás era ainda ortodoxo, doutrinário e bíblico; e, em segundo lugar há uma instintiva boa acolhida em relação ao ateísmo organizado pelo fato de ser uma força hostil à Igreja. Repetidamente qualquer pessoa que haja lido a literatura vitoriana simpática ao “Risorgimento” italiano, pode encontrar nos escritos de hoje os mesmos erros. O que agradava e excitava os liberais ingleses era muito menos o advento do nacionalismo italiano do que o pensamento de que esse movimento era dirigido contra o Papa de Roma. Do mesmo modo os comunistas de hoje, que são aberta e declaradamente inimigos jurados daquilo que constantemente procuramos defender como o modo de vida britânico, são aclamados como aliados e denominados como “forças novas e vitais”. E, de fato, pensa-se que essa amizade será facilitada se tais comunistas forem violentos anticristãos, sem exceção.

Testemunhamos o renascimento do materialismo - o modo como os homens, que abandonaram a velha interpretação espiritual e aceitaram o padrão material, se acham agora paralisados e impotentes para defender os valores que não mais fazem emanar de uma verdade professada, mas que consideram como uma espécie de trilho fosforescente, como uma emanação inexplicável sem nenhum valor demonstrável - e que, talvez, seja a verdade e a explicação dessa falência sem se precisar uma questão. Se a questão real contra o marxismo for posta em foco, ter-se-á uma questão teológica, que não prescinde da Revelação, e que, portanto, envolve o reconhecimento de deveres que os homens modernos e progressistas não estão dispostos a reconhecer. Em vez de ouvir esse chamado eloquente preferem ouvir a voz e a instituição que continuamente lhes traz à lembrança o silêncio e a supressão desse mesmo chamado, enquanto prosseguem em seu caminho na companhia de gente cuja rudeza e barbárie reconhecerão entre si, ao planejarem um existência humana, livre de qualquer senso de mandamento externo imperativo, inescapável e divino”.