Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

Clericais, reacionários e cripto-fascistas

 

 

 

 

 

 

Legionário, 14 de julho de 1946, N. 727, pag. 5

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Costumam os espíritos esquemáticos e superficiais dividir o mundo político em três grandes grupos ideológicos: liberais, totalitários da direita, e totalitários da esquerda.

Assim, quem não é nem liberal nem fascista, será necessariamente comunista. Liberal será por força quem se opõe aos totalitarismos. Não escapará da pecha de fascista ou, mais modernamente, de cripto-fascista, quem for anti-liberal e anticomunista. E essa classificação costuma ser feita com tal rigor, que passarão por loucos, niilistas, amigos do contra e homens com idéias políticas definidas, os que ao mesmo tempo se manifestarem hostis à chamada liberal-democracia e aos dois grupos totalitários da esquerda e da direita.

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Já demonstramos, porém, por mais de uma vez, as raízes comuns desses três grupos ideológicos, e sua solidariedade subterrânea através da ação das forças secretas. A guerra que se movem uns contra os outros é apenas aparente e para canalizar para eles a reação que de outro modo se organizaria fora de seus quadros, quando o desejo das citadas forças secretas é justamente que ninguém fique fora desses três grupos pseudo-adversos. Sacrifiquem-se, embora, milhares ou milhões de vidas, morra no cadafalso um Felipe Égalité, desapareça da circulação um Matteoti ou sucumba um Hitler sob os escombros do Reichstag. Mas que prossiga, lentamente e firmemente, atrás de toda essa confusão e de todo esse despistamento, a obra revolucionária que conduzirá a humanidade ao cesarismo totalitário e socialista.

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Hoje em dia, com a derrota do nazismo e do fascismo e o consequente novo alento ganho pelas correntes esquerdistas, estão sobretudo em moda as denominações, injuriosas na intenção, de clericais, reacionários e cripto-fascistas, dadas aos católicos que se recusam a entrar no tal esquema liberal-totalitário.

Ser, portanto, clerical e reagir contra os males da revolução liberal e socialista, aos olhos dos liberais e comunistas, e dos seus adeptos e simpatizantes, que às vezes são aliciados até nas hostes católicas, é o equivalente de praticar o fascismo, encobertamente embora.

Que essa arma desleal e desonesta tem curso universal, fazendo parte de uma verdadeira tática de longo alcance, veremos pelo seguinte editorial do jornal católico inglês "The Tablet" (16 de março de 1946, pag. 3), publicado sob o título de “Doutrina contra doutrina”:

“É a marca do presente conflito de vontades, da luta agora empenhada em tantos setores e através de tão vasta área da Europa, da Ásia e da África, entre os que dirigem a política da ação comunista em Moscou e os governos em Londres e em Washington, que o ataque contra o Ocidente é dirigido ideologicamente de um fundamento doutrinário e em termos intelectuais, ao passo que a defesa do Ocidente no que concerne aos políticos e jornalistas ingleses e americanos, não tem nenhuma base ideológica ou doutrinária. O sr. Eden é um bom exemplo da atitude mental inglesa que persiste, nestes últimos anos, em traduzir o comunismo internacional apenas no seu aspecto de nacionalismo ou de imperialismo russo, porque a maioria dos ingleses compreende muito bem o que seja nacionalismo e imperialismo e se mostra impermeável à compreensão de ideologias universais.

“Eis o ponto em que a aversão inglesa pela doutrina - uma aversão alimentada desde a Reforma por toda a história britânica, que vem sendo uma história de empreendimentos práticos e mercantis bem-sucedidos, de horizontes limitados e inexpressivos do ponto de vista filosófico - eis o ponto em que essa aversão está servindo pessimamente aos interesses nacionais. De duas uma: ou as teses e idéias comunistas devem ser reconhecidas e aceitas como superiores, tanto em sua qualidade intrínseca e em sua força de atração sobre o homem do século vinte, o que representa o modo de pensar de um bom número de materialistas que entre nós falam em facilmente encontrar um “modus vivendi” aceitável com o comunismo; ou a doutrina comunista deve ser rejeitada e refutada como uma coisa baixa, como uma degradação e um recuo do que já sabemos ser o nível elevado a que chegamos nas conquistas da sociedade civil.

“Os socialistas do Continente europeu, que têm se mostrado tão fracos em sua resistência contra a crescente pressão comunista, bem como os confusos círculos progressistas da Inglaterra e da América, ambos acham sua adesão à sociedade aberta e livre - seu desejo de poder pensar e escrever e falar livremente, sua preferência por uma condição da sociedade em que a permissão do Governo não seja necessária a cada passo e em cada setor das atividades culturais ou até mesmo desportivas - perpetuamente em luta intestina com outra coisa igualmente forte, que é seu desejo de conseguir uma bem organizada e bem distribuída prosperidade material. Não se acham dispostos a encarar a verdade sobre sua herança de liberdade, que ela lhes chegou às mãos como parte integrante de uma sociedade aberta, e portanto não-igualitária, que os marxistas procuram destruir e substituir por uma ordem fechada. Não filiam seu apego à liberdade a qualquer visão espiritual do homem e, se se ufanam de ser herdeiros da Magna Carta, perderam de vista o fundo teológico do qual as liberdades da Magna Carta se originaram, pois perderam a definição do Homem que, vinda da teologia católica, fez surgir a herança especificamente europeia que tem sido o próprio ar que os homens ocidentais modernos vem respirando.

“O jornalismo britânico, nestes últimos cinco anos, vem inconscientemente corroborando o que dizia o Cardeal Manning quanto a serem teológicas, no fundo, as grandes pugnas entre os homens. E uma grande porção do que tem sido publicado pela nossa imprensa corrobora também o que se diz no sentido de que o fato mais profundo sobre o inglês não é seu individualismo ou o seu patriotismo, mas seu ódio em relação à Roma.

“Muitos homens, que ficariam genuinamente surpresos com tal diagnose, de fato, se examinarem suas atitudes mentais, verificariam que é essa aversão que determina qual a posição que devem tomar perante uma determinada questão internacional. A imprensa inglesa se acha hoje cheia de comentários sobre a Espanha, que perdem completamente de vista qualquer concepção dos interesses do Cristianismo ou do povo inglês.

“Deveria ficar reservado aos comunistas o uso das palavras clerical e reacionário indiscriminadamente juntas, e a suposição de que a influência da religião deve ser má, por ser anticomunista. Entretanto, são do “The Economist” as palavras seguintes: ‘Em grande parte do mundo existem hoje apenas três grandes correntes de pensamento. Há os comunistas; há os conservadores que, embora respeitáveis na Inglaterra e na América do Norte, em países menos felizes tendem a ser reacionários e frequentemente pelo menos cripto-fascistas; e há os democratas, que em muitos países são sociais democratas. Se a política das potências de língua inglesa é de não ser comunista, então ao mesmo tempo não deve deixar-se identificar com as forças da reação’.

“É surpreendente que um homem qualquer, lançando os olhos sobre a Europa e vendo qual na realidade é o efeito da Fé católica sobre seus semelhantes, como essa Fé os protege contra a infecção do totalitarismo, possa assim hostilmente escrever a palavra “clerical” e deixar o adjetivo obscurecer desse modo a realidade, chegando a sugerir que, seja qual for a linha de conduta da Inglaterra e dos Estados Unidos, ambos devem ter cuidado em não se mostrarem genuína e profundamente interessados pela religião cristã na Europa”.

Continua.