Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Comentando...
 
O direito de herança

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 7 de julho de 1946, N. 726, pag. 2

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Entre as emendas propostas ao projeto de Constituição que ora se discute, figura uma, apresentada conjuntamente pelos deputados Jurandir Pires e Paulo Nogueira Filho, tendente a restringir pronunciadamente o direito de herança. Textualmente, é a seguinte a emenda:

“A União criará um imposto progressivo e em espécie sobre a herança de bens de produção”.

A justificação da emenda acima é de alto interesse, pois esclarece os seus intuitos. Nela se vê que os deputados referidos se filiam à escola Saint-Simonista, e pretendem dar realização a todo um programa de socialização avançada, de que a emenda proposta seria apenas uma concretização parcial. Neste sentido, são muito esclarecedoras as constantes referências à Rússia soviética. Por todo o teor desta justificação, percebe-se que aqueles deputados querem efetivar no Brasil um regime social bastante semelhante ao da Rússia. A grande diferença consistiria apenas no método de empregar: o governo soviético teria utilizado métodos violentos e inadequados, eles querem empregar processos racionais e progressivos. Como se vê, trata-se de um nítido fabianismo: “By the lots, not by bullets” (aos poucos, não por balas, tradução livre, n.d.c.).

Para que bem se compreenda o alcance da emenda em questão é preciso ter bem em vista o significado dos termos em que foi vazada. Fala-se aí em imposto progressivo e em espécie. O imposto não é nenhuma novidade. A novidade está toda no imposto em espécie. Hoje em dia, quando alguém herda uma fazenda, tem de pagar um imposto proporcional ao valor desta fazenda. Mas tal pagamento é feito em dinheiro. A vigorar a emenda, o pagamento do imposto deverá ser feito em espécie, isto é, em terras: uma porção da fazenda seria desmembrada e entregue ao Estado. Este imposto, porém, não recairia sobre os bens empregados imediatamente na utilidade do possuidor, mas sobre os bens de produção, isto é, os bens de onde, pelos mais variados meios, se extraem rendimentos. Demos há pouco um exemplo de uma fazenda, uma empresa de transportes, um banco, enfim, toda estrutura econômica através da qual se obtém da natureza ambiente as utilidades necessárias à vida e à civilização. O referido imposto em espécie iria desmembrando estas estruturas e transferindo-as ao Estado. Mas, como estas estruturas são orgânicas, isto é, formam todos completos, em que as partes estão em mútua dependência, como, além disso, o conjunto dessas estruturas forma um sistema solidário, que constitui a grande estrutura econômica de um país, o desmembramento causado pelo imposto em espécie, iria subverter toda a economia nacional. Criar-se-ia logo uma situação tal que o Estado teria de se apoderar de todos os bens de produção. Considere-se ainda, que as estruturas econômicas não são fatos exclusivamente econômicos, mas também fenômenos sociais, intimamente relacionados com os demais fenômenos sociais de natureza não econômica e veremos a profunda perturbação que tal imposto viria acarretar.

Tudo isto evidentemente está no mais formal desacordo com a doutrina social católica. Já Leão XIII, na célebre “Rerum novarum”, defendeu a necessidade da propriedade privada dos bens de produção, como consequência da natureza espiritual do homem, de sua liberdade e responsabilidade moral, como ser que não vive em estado de natureza “stricto sensu”, mas em estado de cultura, que não se deve absorver nas tarefas necessárias à sua subsistência como os animais, mas antes de tudo, deve olhar para seus altos destinos espirituais. Também Pio XII, gloriosamente reinante, tem insistido sobre a necessidade da existência de elites sociais permanentes e espontâneas, que não podem surgir a não ser em regimes de propriedade privada dos bens de produção, e que não poderiam subsistir com o alvitrado imposto em espécie.

Num ponto, porém, estamos de acordo com aqueles deputados. Na justificação da emenda eles declaram que “nenhuma diferença sensível de infra-estrutura existe ........lista” [erro tipográfico do original, n.d.c.]. De fato, o regime capitalista é de si mesmo socializante. O que os vários socialismos querem fazer nada mais é do que tirar as últimas aparências humanistas do capitalismo e revelar-lhe a verdadeira fisionomia. É por esta razão que Pio XII tanto tem falado contra o regime capitalista. E não por outra razão que o sr. Luiz Carlos Prestes tanto louvou o protecionismo industrial do último governo.


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