Plinio Corrêa de Oliveira
Nova
et Vetera
Legionário, 30 de junho de 1946, N. 725, pag. 5 |
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Quando do aparecimento do Plano Beveridge, não foram poucos os “católicos beveridgeanos” que se manifestaram entre nós. É um fenômeno, cuja existência Leão XIII já assinalava no limiar da Encíclica sobre a Condição dos Operários, essa sêde de novidades que agita a sociedade hodierna e que faz muita gente desprevenida tomar a nuvem por Juno, embarcando irrefletidamente em qualquer reforma social que surja por aí com sabor de novidade, só pelo fato de se tratar de uma novidade. Não ficaria bem a uma pessoa que não quer passar por retrógrada opor-se àquilo que uma bem montada propaganda faz trombetear por todos os quadrantes como a suma das sumas do espirito moderno, como qualquer coisa que irresistivelmente tem que acontecer, que fatalmente surgirá, mesmo que seja amarrada ao rabo do rocinante (o nome do cavalo do “Dom Quixote” de Cervantes, n.d.c.) cavalgado pelo cavaleiro da triste figura, anunciador dos novos tempos. Eis porque, ao lado de muita gente sabida, que não ignora de onde sopram esses ventos das falsas reformas preparadoras do totalitarismo socialista, também aparecem esses ingênuos que inconscientemente fazem coro nesse orfeão de encomenda, anchos (vaidosos) de assim se apresentarem como cidadãos esclarecidos e benfeitores da causa da civilização cristã, pois servem de traço de união entre a Igreja e as conquistas cristalizadas do espírito revolucionário de 1789. * * *
William Beveridge (1879-1963) Com relação ao plano de seguros sociais de “Sir” William Beveridge, desde o início mostramos a esses afoitos seguidores de novidades que um problema tão sério e tão complexo exige muita prudência e ponderação para que sobre ele opinemos. E, de pronto, assinalamos a facilidade com que uma tal reforma, nas instituições de previdência, poderia servir de arma para a implantação do totalitarismo socialista, por vias indiretas, seguindo a tática da seita fabiana, cuja matriz tudo nos leva a crer se achar justamente na Inglaterra. O plano, tal qual fora proposto por “Sir” William Beveridge, caiu por terra devido à oposição que encontrou da parte dos elementos conservadores. Agora, com a subida ao poder do Partido Trabalhista, com o fabiano Sr. Attlee à frente, nova reforma de previdência está em curso naquele país. E é a essa reforma que se referem os comentários do jornal católico “The Tablet”, cuja transcrição iniciamos em nosso último rodapé e hoje abaixo terminamos, para que os nossos “católicos beveridgeanos” vejam como são mais realistas que o próprio rei, neste caso, a opinião católica inglesa. “Eis as condições sob as quais um homem pode haver pago cinquenta anos de contribuições compulsórias e, entretanto, não receber nenhum benefício desses pagamentos, ao passo que uma importância semelhante, posta de lado, como economia, ficaria inteiramente ao seu dispor. Citamos o próprio texto da lei: -“Uma pessoa será desqualificada para receber o benefício por desemprego por um período excedente de seis semanas... se: “a) houver perdido seu emprego através de sua má conduta, ou houver voluntariamente deixado tal emprego sem justa causa; “b) depois de uma vaga em qualquer emprego conveniente ter-lhe sido notificado por uma agência de colocações ou outras entidades reconhecidas, ou por um empregador, como vaga existente ou em via de ocorrer, sem justa causa recusar ou deixar de se candidatar a esse emprego ou recusar aceitar o emprego que lhe for oferecido; “c) houver desprezado uma oportunidade razoável de emprego adequado; “d) houver sem justa causa recusado ou deixado de pôr em prática quaisquer recomendações escritas que lhe forem fornecidas por um funcionário de uma agência de empregos para ajudá-lo a achar emprego adequado em se tratando de recomendações razoáveis relativamente à sua situação e aos meios de obter esse emprego usualmente adotados no distrito em que reside; ou e) houver sem justa causa recusado ou deixado de se valer de uma oportunidade razoável de receber treinamento aprovado pelo Ministro do Trabalho e do Serviço Nacional em seu caso para o fim de se tornar ou se manter adestrado para entrar ou voltar para emprego regular”. Como se vê, estes dispositivos legais são uma porta aberta para o trabalho-escravo, tal qual é praticado na Rússia bolchevista, onde o cidadão não tem a liberdade de escolher o local de trabalho ou a natureza desse trabalho, mas é enviado onde bem entende a burocracia estatal, ficando à mercê dos caprichos ditados pela ideologia esposada por quem se acha às rédeas do governo. Convém notar aqui o seguinte desvio do problema: o desemprego não é um flagelo econômico e social que se remova por meio de seguro, mas através de medidas de longo alcance que eliminem as causas desse mesmo desemprego. A subvenção estatal aos desempregados somente serve para alimentar a malandragem, de que a Inglaterra e a América do Norte nos deram exemplo depois da grande guerra n° 1 quando essa subvenção foi largamente desviada para fins políticos, para a ceva de eleitores. E a única alternativa contra esse mal do “dole” é a adoção de medidas que correspondem à instituição do trabalho escravo como atrás frisamos. Eis os dois males extremos a que conduz a indevida intervenção do Estado na questão do desemprego, em vez de se cingir a medidas gerais, como seja uma sábia política econômica e financeira, para impedir esse flagelo. Mas voltemos a “The Tablet”: “Será um homem excepcional, tanto psicológica quanto economicamente, aquele que conseguir economizar bastante depois de haver sofrido os descontos semanais do coletor de impostos e do seguro nacional; e, no entanto, é eminentemente de desejar-se, para o bem-estar individual e para o fortalecimento básico e salutar da vida nacional, que os homens e as mulheres possuam alguma economia pessoal, algum dinheiro completamente sob seu controle, livre de quaisquer peias; dinheiro que possam sacar e gastar para si próprios e para suas famílias sem necessitar da permissão de ninguém ou sem precisar de preencher quaisquer condições impostas por regulamentos governamentais. Estamos nos lançando em uma aventura que vai gerar e manter cidadãos dependentes, proletários que continuamente terão os olhos fixos no Governo, para verificar o que este lhes decretou. “Uma sociedade sadia seria bem diferente da que o Sr. Attlee e seus companheiros procuram criar. Seria uma sociedade em que o nível dos salários fosse elevado, mas apresentando grande variedade, de modo que houvesse ocupação para todos os graus de energia e de habilidade, desde as vocações bem organizadas, nas profissões liberais ou no artesanato, às ocupações marginais ou ocasionais. Seria uma sociedade em que o Estado poria todo o peso de sua proteção, por isenções de impostos, a um campo muito mais vasto do que o atualmente compreendido pela corrente definição de caridade, e por concessões positivas a um número muito maior de entidades de segunda plana – às escolas particulares, às associações mútuas, ou aos hospitais - de modo que com essa ajuda do Estado esses organismos pudessem, por sua vez, oferecer educação barata, seguro barato, serviços médicos baratos e assim por diante. “Mas a responsabilidade final para fazer uso dessas coisas, tão vantajosamente abertas à sua escolha, devia recair no homem, considerado como pessoa privada. É este o modelo social que, em termos nacionais, faz uma nação forte. Forte porque composta por indivíduos fortes, conscientes de andar com suas próprias pernas. Entretanto, estamos nos movendo numa direção oposta, para construir um Estado forte, em que um grupo de homens à frente de um partido controla uma imensa máquina, dispõe de imensa proteção, e muda à vontade as condições em que a massa da população deve continuar a realizar o trabalho que é a grande atividade dela exigida. As cláusulas desse contrato para a vida inteira são no sentido de que os cidadãos serão educados, treinados, bem cuidados e protegidos contra os azares da vida, sob a condição - e esta condição terá força de lei – que durante todo o tempo eles farão o que lhes for mandado. Mas se acha no âmago de nossa tradição acreditar que uma comunidade se torna mais forte, e não mais fraca, quando possui um juízo e uma resolução independentes, aparte, e talvez em oposição ao Governo do dia. Acreditamos ser isto uma porção da força de uma sociedade livre, e que quando esta convicção chega à maturidade, é ela genuína e pessoal do indivíduo, dando lugar ao verdadeiro espírito de cooperação. “A principal censura que se faz a esta geração de políticos é que eles perderam contato com estas verdades, que seu ponto de vista é materialista e totalmente voltado para o sistema capaz de apenas produzir os maiores benefícios materiais, quando é dever dos estadistas estudar mais profundamente o que estão fazendo. E o que eles estão fazendo é, na expressão mais simples, a volta à velha noção do Estado paternal do qual os nossos antepassados, lentamente, com grande visão e coragem e bom senso, se libertaram, nunca imaginando que aquilo que tão cuidadosamente conquistaram e conservaram, fosse tão inescrupulosamente malbaratado em uma Inglaterra muito mais rica, porém tão sem imaginação ao ponto de não poder pensar em nada melhor do que uma volta ao Estado fechado e rigidamente regulamentado, um Governo que tudo invade”. |