Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Criadores de ambiente

 

 

 

 

 

 

Legionário, 19 de maio de 1946, N. 719, pag. 5

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Como está na lembrança de nossos leitores, o LEGIONÁRIO por várias vezes denunciou as segundas intenções de um movimento iniciado em certos meios previdenciários e técnicos, no sentido de uma larga preferência por um plano governamental de conjuntos residenciais, para aluguel, com desprezo, ou mesmo repúdio, da casa própria, de iniciativa privada ou a cargo das chamadas autarquias.

Não têm faltado os mais incríveis e pernibambos argumentos para provar que deve ser exclusivamente aquele o destino dos dinheiros públicos e das disponibilidades dos Institutos de Previdência, quando empregados para resolver o premente problema da falta de habitações.

Um arquiteto, em conferência largamente anunciada, chegou mesmo a provar a impossibilidade da solução pela casa própria, mostrando-se, na exposição um digno discípulo do ilustre matemático Dr. Pereira Lobo. E em seguida à denúncia veiculada pelo LEGIONÁRIO, na qual procurávamos demonstrar a finalidade coletivista desses inimigos encapotados da propriedade privada, vinha a São Paulo um “gros bonet” (importante personagem, n.d.c.) dos meios previdenciários, especialmente para dizer aos paulistanos, em longa conferência pública, que os planos de conjuntos residenciais, promíscuos e exclusivamente para aluguel, nada tinham que ver com ideologias esquerdistas.

Acreditamos piamente na candura com que foram prestadas estas explicações, mas lamentamos que tanta gente, possivelmente bem-intencionada, não perceba que esta política imobiliária é inspirada por quem apenas deseja aduzir água para o moinho do totalitarismo socialista.

* * *

Corroborando nossa maneira de ver, o sr. Milton de Carvalho vem concedendo à imprensa diária interessantes entrevistas nas quais surgem curiosas revelações sobre este capítulo de nossa história social.

Trata-se de um técnico em assuntos desta natureza que, estribado em honesta e criteriosa análise do problema não somente mostra a viabilidade da casa própria para o nosso trabalhador e para a nossa classe média em geral, mas também denuncia as finalidades ocultas dessa campanha exclusivista em favor das moradias de aluguel pertencentes ao Estado.

Eis como se expressa o sr. Milton de Carvalho em uma de suas últimas entrevistas:

“É inconcebível ficarem os trabalhadores indiferentes a uma questão que envolve profundamente os seus interesses e o destino de suas famílias. O que pretendem os partidários da tese da locação é simplesmente isto: excluir para sempre qualquer direito dos trabalhadores a possuírem o seu lar próprio. E a tal monstruosidade humana procuram dar uma aparência de conclusão inevitável, como se fosse imposta por uma experiência técnica que já não é mais possível ultrapassar-se.

“- Acentuei claramente em uma entrevista anterior: a tese de que para os trabalhadores deve ser preferível a locação, em vez da aquisição da moradia, só pode obedecer a finalidades estranhas ao assunto em debate, isto é, a finalidades políticas, e estas só podem ser as dos partidários da eliminação da propriedade privada. A coisa, aliás, não é nova. Há muito tempo vinha sendo preparada; recordo-me de um congresso de técnicos, reunido, há cerca de dois anos, com o objetivo evidente de fazer “ambiente” e aprontar o terreno. Estranhável é que ainda hoje, haja quem ingenuamente não perceba tais manobras. Assim, puderam os partidários da eliminação da propriedade vir trabalhando habilmente, conseguindo envolver e arregimentar, em apoio de sua campanha, pessoas de boa fé, engenheiros competentes e autoridades bem intencionadas a ponto de chegarem a obter, como há pouco obtiveram, este resultado espantoso: o governo assinou, quase ao mesmo tempo, dois decretos, - um, nacional, o da “Fundação”, consagrando a tese da venda; outro, local, do “Departamento da Habitação”, da Prefeitura, consagrando a tese da locação. Note-se, ainda, que durante todo o prazo em que esteve em discussão o projeto da “Fundação”, os inimigos da propriedade, ou as pessoas de boa fé por eles envolvidas, tudo fizeram para que o decreto-lei do Ministério do Trabalho repudiasse a tese da venda ou, pelo menos, que instituísse um sistema misto, em que ambas as modalidades, venda ou locação, fossem admitidas.

Planos de coletivização

“- Não há dúvida de que essa tese da locação é de iniciativa dos comunistas, ou “socialistas avançados” como ainda hoje se proclamam os mais tímidos ou os mais espertos. Utilizam os partidários do totalitarismo todos os processos para o combate ao direito de propriedade e procuram por todos os meios levar os trabalhadores a um estado de insatisfação e de revolta favorável aos seus desígnios de subversão social. Entretanto, para iludir e seduzir o próprio povo, apresentam a pílula dourada: os seus planos de coletivização são elaborados com grande aparato e sob promessas de enormes realizações urbanísticas.

São prometidos, por eles, imensos conjuntos residenciais coletivos, dotados de serviços centrais de assistência social, de educação, de recreação, de parques e outras coisas mais. Penetremos, porém, com a nossa imaginação, em um desses colossais arranha-céus planejados. Veremos que não passam de monstruosas casas de cômodos. Tudo ali é coletivo. Em pouco tempo, ali estará instalada a pior promiscuidade, com todos os vícios e males morais resultantes de uma vida desse tipo. Nas peças que são de uso comum, ninguém terá mais do que outro a responsabilidade de conservar o asseio. A higiene será sacrificada e, com ela, a saúde. Realmente, a assistência social em tal meio teria que tomar grande parte. Isto sempre acontece quando falta a previdência social. E a educação? Pode-se acaso falar desse problema abstratamente? Não é preciso perguntar logo: que educação? O homem se educa tendo em vista melhorar a perspectiva do futuro. Que educação iríamos dar aos irremediavelmente condenados à triste contingência de habitarem sem salvação em tal meio?

“- Devemos romper com energia contra todas essas falsas soluções que nos querem impingir, contrárias à índole do nosso povo e às nossas tradições. É claro que há sobejos motivos para iniciar-se uma ação inadiável no campo das habitações populares. Mas atenhamo-nos à realidade, sem ceder um passo na coerência dos nossos princípios e na sinceridade dos nossos propósitos”.