Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
São Basílio, Santo de nossos dias

 

 

 

 

 

 

Legionário, 12 de maio de 1946, N. 718, pag. 5

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Em sua luta contra a Cidade de Deus, o pai da mentira nem sempre é original, e costuma incidir às vezes nos mesmos artifícios e nos mesmos processos.

Assim, por exemplo, a tática ultramoderna e aerodinâmica de combater a Igreja de preferência por meios indiretos, com ares de quem pede desculpas pelos danos a contragosto causados aos que se postam no caminho da “civilização” e do “progresso”, esta tática é velha de vários séculos.

E como Deus suscita Santos com peculiaridades especiais, conforme a época em que aparecem e a tarefa que deles espera, vejamos sumariamente o modo de agir de um Santo que já no século IV da era cristã, teve pela frente, em sua essência, os mesmos problemas de estrategia apostólica que os católicos defrontam no mundo de hoje, pois enfrentou a mesma espécie de inimigos: os que mordem e sopram ao mesmo tempo.

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São Basílio Magno (329 ou 330-379), Arcebispo de Cesareia e Doutor da Igreja

Efetivamente, São Basílio viveu em uma época idêntica à nossa com a diferença que se achava numa fase da história do Cristianismo que corresponde ao crepúsculo que antecede a aurora, enquanto tudo parece indicar que nós nos achamos num momento que corresponde ao crepúsculo prenunciador das sombras da noite, da espessa sombra totalitária, neo-pagã e socialista que ameaça o mundo moderno.

O grande Doutor da Igreja do Oriente assistiu aos últimos estertores do paganismo, como hoje assistimos ao seu renascer.

E nesse estrebuchar do paganismo não vemos apenas os esforços desesperados de um neo-pagão do porte de Juliano Apóstata e de todos os seus áulicos, mas também o terror das heresias que faziam causa comum contra a Igreja com esses remanescentes do cesarismo, tal como hoje hereges e cismáticos se aliam ao bolchevismo totalitário em sua luta contra a civilização católica.

O arianismo havia profundamente perturbado o mundo cristão. Ao lado de Bispos fiéis à Igreja, piedosos, caritativos, amados do povo, havia os bispos arianos, prelados da corte semi-pagã, que favoreciam a persistência do paganismo, do mesmo modo que um Deão de Cantuária, um Duarte da Costa, ou um “patriarca” de Moscou favorecem o despertar do paganismo no mundo de hoje.

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Imperador Flávio Cláudio Juliano, mais conhecido como Juliano Apóstata (331 ou 332-363)

Entre os imperadores romanos e do Oriente que após a conversão de Constantino tentaram restabelecer o paganismo, Juliano Apóstata é o exemplo mais expressivo.

E em sua tática vemos os mesmos processos hoje usados pelos inimigos da Igreja, sejam eles liberais ou totalitários.

Com efeito, Juliano, precursor do Estado leigo moderno, começa por dar liberdade não somente ao catolicismo, que já emergira das catacumbas com o advento de Constantino, mas a todas as seitas cristãs dissidentes.

Com este gesto visava ele a mesma finalidade dos nossos inimigos de hoje. O pagão Marcelino perfeitamente compreendeu o embuste: “Juliano agiu de tal modo que a liberdade que parecia conceder degenerasse em licença e aumentasse as divisões; obtido esse resultado, não mais tinha a temer, para suas empresas ulteriores, uma resistência unânime dos cristãos”.

A hipocrisia dessa liberdade de cultos não tardou a se revelar com a perseguição que moveu contra Santo Atanásio e na proteção que concedeu aos hereges, como no caso dos donatistas.

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Em Juliano Apóstata vemos os mesmos esforços no sentido da implantação do neo-paganismo de que Hitler foi o exemplo em nossos dias.

E entre outras analogias, podíamos aplicar indiferentemente a um e a outro a tática da corrupção, mediante a negação de empregos públicos aos católicos, conforme nos mostra a história no caso de Juliano Apóstata, e a (narrada na Encíclica de Pio XI) “Mit Brennender Sorge” no caso de Hitler.

Também no laicismo escolar temos em Juliano Apóstata um precursor da moderna perseguição à Igreja. E assim como a legislação escolar, que lentamente promove o monopólio do ensino pelo Estado, é a mais terrível arma usada pelos inimigos da Igreja liberais e totalitários, do mesmo modo esta foi a grande arma desse imperador neo-pagão.

Em suas leis que estabeleciam o monopólio educativo do Estado, dizia Juliano: “Todos aqueles que fizerem profissão de lecionar devem ter a alma imbuída das únicas doutrinas que são conformes ao espirito público”.

Bem podemos avaliar o que Juliano entendia por esse “espírito público”, como bem sabemos o que quer dizer hoje em dia a “neutralidade” escolar.

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Pois foi num mundo assim minado pelos mais satânicos métodos de perseguição ao catolicismo, por isso mesmo que hipócritas e velados, foi nessa época em que humanamente falando a causa da ortodoxia estava perdida, foi nessa época que viveu São Basílio.

Ninguém melhor indicado do que ele para promover uma larga política da mão estendida com os neo-pagãos e os hereges.

Com efeito, em Atenas, juntamente com São Gregório Nazianzeno, sentara lado a lado com Juliano nos mesmos bancos escolares. E era de natural pacífico e retraído.

Entretanto, resolutamente, reiteradamente recusou-se a aceitar o convite para ir à corte de Juliano, como mais tarde enfrentaria o imperador Valencio quando este começou a persegui-lo devido à sua oposição ao arianismo e à sua recusa em aceitar em sua Igreja esses mesmos hereges.

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Mais do que o Santo da ação social, mais que um precursor do serviço social em seu aspecto moderno, devemos ver no grande Bispo de Cesareia o campeão da Fé, o defensor da ortodoxia, o homem da Igreja.

E essa pureza de doutrina, essa santa intransigência em matéria de Fé e de costumes é que são a chave de sua obra no setor social. Conforme diz o Evangelho de sua festa: “se o sal perder sua força, com que se há de condimentar?” Se a meta do serviço social é facilitar à sociedade os meios necessários para que os seus membros possam desenvolver plenamente sua personalidade, se o sumo bem que podemos aspirar para o próximo é a realização de sua missão sobre a terra para que consiga atingir a bem-aventurança eterna, é claro que sem essa chama da vida interior seria vã toda a obra de assistência social desenvolvida pelo grande Santo.

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São Basílio enfrentou o totalitarismo do Estado do mesmo modo que os católicos do mundo de hoje terão de fazer perante os novos imperadores neo-pagãos e não coroados, sem vacilações nem conivências, sem concessões ao erro, sem mutilações da doutrina da Igreja, sob pretexto de proselitismo no campo contrário.

Só assim podemos imitar o grande e Santo Doutor em sua desassombrada intervenção a favor dos humildes, dos fracos, de todas as vítimas da arbitrariedade, da tirania, das injustiças sociais.

Só assim poderemos edificar, nas cidades de hoje, aquela verdadeira cidade de assistência social por ele construída às portas de Cesareia. Só com esse verdadeiro conceito de Caridade, é que poderemos trazer à Igreja as multidões desgarradas, que hoje se debatem ao meio da mais completa miséria, principalmente espiritual.

Só assim teremos ao nosso lado aquele mesmo povo que sai tumultuariamente pelas ruas, ao saber que São Basílio se achava perante o tribunal do prefeito imperial de Cesareia que o ameaçava com as acusações mais infames, esse mesmo povo, a cuja frente, segundo a narração de São Gregório Nazianzeno, se achavam os operários das fábricas imperiais, brandindo os instrumentos de seu ofício e exigindo a libertação do seu benfeitor.

Só imitando as verdadeiras virtudes de São Basílio é que estaremos certos de haver combatido o bom combate no campo social.