Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
As muletas da nova ordem proletária

 

 

 

 

 

Legionário, 31 de março de 1946, N. 712, pag. 5

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NÃO resta dúvida que a meta visada pelos sectários que se esgueiravam por detrás dos enciclopedistas, e esboçada no “Contrato Social” de Jean Jacques Rousseau, não era a Revolução Francesa, que apenas marcou um grande passo no sentido da artificial implantação da falada “nova ordem proletária”. O verdadeiro alvo dos conjurados da Sinagoga de Satanás era e ainda é o Estado totalitário-socialista, “soberano mestre de todas as coisas, que absorve em si todos os direitos, tanto dos indivíduos quanto das famílias, tanto das associações quanto da Igreja”.

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Vimos, em nosso último número, nas origens do socialismo hodierno, a ação de associações e movimentos semi-secretos do tipo da internacional proletária fundada por Marx e Engels, e da “Aliança democrata-socialista”, de Bakunin.

Não foram estas, porém, as únicas frentes da luta pela implantação do totalitarismo socialista. A “nova ordem proletária” se valeria também de outras muletas para ensaiar seus primeiros passos e para ingressar no seio da sociedade. Temos, portanto, que abrir um pequeno parêntesis para fazer referência a uma outra série de atos insuflados pelos sectários em preparação à ulterior realização completa dos seus planos. Queremos nos referir à ação dos governos liberais e maçonizados que vêm infectando e corroendo o organismo social do século dezoito aos nossos dias. É a obra revolucionária feita à sombra da lei, pelos próprios legisladores e governantes a serviço da seita. É a hipocrisia dos que vociferam contra a opressão e a tirania, e em nome do liberalismo e de alianças liberais, vão lançando as bases do mais odioso despotismo que já existiu sobre a face da terra. De um certo modo será até preferível a ação direta e atamancada dos ferrabrases do comunismo aberto e declarado, a essas medidas que vêm sendo postas em prática pelo oficialismo sectário, disfarçadamente, sem mencionar a palavra “socialismo” e muitas vezes até com largas mesuras para a Igreja. Dizia o Duce (Mussolini, n.d.c.), de triste memória, que a ação precede a teoria. Não tem sido outro o modo de agir da máquina política filiada aos princípios de 1789: não lhe interessam as contradições e antinomias feitas em nome das “liberdades modernas”; o trabalho de ordenar todo esse caos político, social e econômico pertencerá aos herdeiros do Estado liberal, a “clique” da nova ordem proletária.

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Ora, vejamos como os germes do Estado totalitário-socialista se acham no próprio cerne do regime liberal, emanado dos “imortais” Direitos do Homem. Com efeito, segundo a escola liberal, “a vontade do povo e o sufrágio universal têm por si próprios uma autoridade tal, que não necessitam de nenhuma razão para que seus atos sejam válidos” (Proposição taxada de herética pela comissão de teólogos reunida em Roma em 1862). Por aí se vê como a doutrina do “povo soberano” gera a deificação do Estado (....) de todos os direitos e de todos os deveres se acha na multidão ou no poder público constituído segundo os novos princípios”, conforme resume Leão XIII na Encíclica “Humanum Genus”, em que trata das insídias das forças secretas, isto equivale a dizer que “o Estado, origem e fonte de todos os direitos, goza de um direito que não é circunscrito por nenhum limite” (Tese liberal e totalitária condenada por Pio IX na proposição 39 do Syllabus).

E as consequências totalitárias e socialistas, vieram muito antes que Lenine, Hitler, Stalin e Mussolini entrassem no palco.

Assim é que, segundo os princípios liberais, o Estado tem o direito de regulamentar soberanamente tudo o que diz respeito à família, e especialmente de estatuir sobre a união do homem e da mulher. Ele pode julgar útil prescrever o casamento uno e indissolúvel. Mas uma eventual maioria de metade mais um de irresponsáveis num parlamento ou mesmo o simples capricho de um ministro de Estado, pode permitir o divórcio, equiparar os filhos adulterinos aos legítimos, incentivar as uniões irregulares mediante benefícios concedidos às mães solteiras etc. Ainda quanto à família, já encontramos nos Estados liberais tipo século dezenove a tese totalitária segundo a qual “As crianças pertencem ao Estado antes de pertencer aos pais” (Proposição liberal denunciada à Santa Sé e condenada em 1862). Daí, entre outras consequências, o ensino obrigatório em escolas leigas oficiais e a ameaça do monopólio do ensino pelo Estado.

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Vejamos, porém, como no centro de gravidade do totalitarismo socialista, do ponto de vista econômico, que é a questão da propriedade, o liberalismo abriu as portas aos salteadores comunistas. Com efeito, é tese liberal que “as propriedades pertencem ao Estado antes de pertencer aos cidadãos” (proposição liberal e totalitária denunciada à Santa Sé e condenada em 1862). Por conseguinte, é a lei civil que cria os direitos de propriedade e de hereditariedade, que estabelece o direito de testar, de alienar por venda ou doação. “A propriedade não se fundamenta no direito natural e das gentes, mas unicamente no direito civil” (tese liberal totalitária condenada pela Santa Sé em 1862).

Por conseguinte, ainda a lei poderá “legitimamente” suprimir o regime de propriedade privada e substituí-lo pelo de comunidade de bens. Aliás, com relação aos bens da Igreja, Estados liberais como a França de Gambetta, a Itália de Cavour e o México de Carranza agiram de acordo com o perfeito molde bolchevista. E quanto à propriedade privada, basta o exemplo do México com a conhecida experiência de repartir as grandes propriedades entre os peões.

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Um dos flagelos do Estado totalitário da esquerda ou da direita são os atentados contra a liberdade da Igreja. Vemos seus germes no Estado liberal na negação da imunidade da Igreja e dos eclesiásticos na pretensão do poder civil de ditar e definir os direitos da Igreja, na abolição do foro eclesiástico para os processos temporais dos clérigos e nas espoliações e confiscos dos bens da Igreja atrás citados.

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Eis como no início deste século, em pleno apogeu do liberalismo, já um pensador católico se referia a esse trabalho realizado pelos defensores dos imortais princípios de 1789 (Revolução Francesa, n.d.c.), que assim preparavam as veredas para o totalitarismo socialista:

“O cidadão não tem o direito de ser proprietário. Tudo que ele tem, assim como tudo que ele é, se torna bem social. Ademais vê-se o direito de propriedade desaparecer pouco a pouco diante das intromissões do socialismo de Estado. Os impostos crescem e se multiplicam sem cessar. A utilidade pública desapropria com uma consciência dia a dia mais ligeira. As leis ensaiam repartir os ganhos entre patrões e operários. O Estado se arvora em parte interessada das vendas e das doações, e sobretudo das sucessões ou heranças. Fala-se agora em impostos sobre a renda e em impostos progressivos, destinados a nivelar as propriedades, a igualizar as fortunas, ou até a fazer que o Estado se torne o único e exclusivo proprietário. Já no século XVIII ele se assenhoreou de toda a propriedade eclesiástica e hoje procura se apossar daquela que foi reconstituída nos últimos tempos. Amanhã lançará suas garras do mesmo modo sobre o instrumento de trabalho: minas, usinas, campos, tudo será nacionalizado”.