Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Ainda nossos amigos, os ursos

 

 

 

 

 

Legionário, 3 de março de 1946, N. 708, pag. 5

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INSISTIMOS, em nosso último rodapé, na tarefa de desmascarar a falsa antinomia existente entre as diferentes modalidades de movimentos fascistas e comunistas e como ambos agem tacitamente de parceria, provocando reações que são canalizadas em beneficio ora de um, ora de outro grupo pseudo-contendor.

Enumeramos, também a título exemplificativo, certas medidas postas em vigor por governos na aparência sem posição definida em face desses extremismos, mas que na realidade favorecem a causa dos totalitarismos socialistas. Tratando, na parte final, do que vem acontecendo no Brasil, mostramos os efeitos nefastos da indevida intervenção do Estado na vida econômica da sociedade, citando o artificialismo dos vários órgãos controladores da iniciativa privada, o racionamento de utilidades pela deliberada “coordenação” da produção, a absorção estatal da Previdência, do cooperativismo e dos sindicatos, etc.

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Ao assinalarmos, em particular, os efeitos desastrosos para a economia popular da lei sobre os lucros extraordinários, não poderíamos supor que poucos dias depois receberíamos uma eloquente corroboração de tudo quanto afirmamos, com a proposta da derrogação dessa lei como uma das principais medidas preconizadas pelo atual sr. Ministro da Fazenda para aliviar a horrível carestia de vida que entre nós vai assumindo o aspecto de um verdadeiro flagelo social.

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Não foram essas, porém, como vimos, as únicas medidas oficiais que, tal como no caso da fábula do amigo urso, acabaram por esmagar a cabeça do povo, em vez de espaventar as moscas que o importunavam. Assim, para citar mais um exemplo, vejamos o que aconteceu com o decreto-lei que se propôs garantir os inquilinos de imóveis contra a ganância dos proprietários.

Esta lei, na aparência muito simpática, na realidade foi injusta e desastrosa, por se tratar de medida parcial que coexistiu com a plena liberdade dada aos lucros extraordinários e as mais variadas formas de câmbio negro e de manobras altistas. Deixou ela, assim, não somente de produzir os benefícios esperados, o que já seria lamentável, mas ainda, agiu negativamente, agravando o problema da habitação popular, como passaremos a demonstrar.

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Efetivamente, congelando o nível dos aluguéis de imóveis, sem indagar das condições em que eram feitos os contratos de locação, nem a natureza do uso do imóvel, se destinado a moradia, a estabelecimento comercial ou fabril, com isto, em primeiro lugar, não se pôs uma restrição às classes abastadas contra a exploração dos menos favorecidos da fortuna, aumentando a capacidade aquisitiva destes, mas apenas se transferiu uma parcela a mais das rendas populares para a voragem dos lucros extraordinários, dos preços extorsivos de outras utilidades. Em resumo, o dinheiro poupado dos alugueis não ficou nas mãos do povo.

Em segundo lugar, pela mesma razão que não se pode vedar a justa remuneração do capital empregado nas indústrias e nos estabelecimentos comerciais e bancários, do mesmo modo não é lícito negar a justa remuneração do capital empregado nos imóveis. Com efeito, assim como não se concebe uma fábrica sem o necessário aparelhamento, do mesmo modo não se concebe um operário sem uma casa onde morar com sua família. A habitação para o trabalhador é tão necessária quanto o tear para a fábrica de tecido. Por que impor restrições ao livre uso da propriedade pelos que inverteram seu capital em imóveis e deixar as mãos livres aos que imobilizaram seus capitais na indústria e no comércio, quando há um entrelaçamento de interesses, para a coletividade, nos problemas da produção, do consumo e da habitação?

Esta injustiça se torna ainda mais clamorosa quando se leva em consideração que a lei de estagnação dos alugueis de casa veio também beneficiar os inquilinos de imóveis destinados a estabelecimentos fabris e comerciais, estes mesmos que foram, os maiores beneficiários dos lucros extraordinários e das manobras altistas. Devemos também lembrar que os proprietários de imóveis em geral não são esses sanguessugas da demagogia marmiteira ou comunista, mas indivíduos da classe média que pela poupança conseguiram fazer crescer seu patrimônio. São membros da coletividade que também sofrem os efeitos da carestia da vida.

A consequência, porém, mais importante dessa intervenção estatal foi o estabelecimento da desconfiança na aplicação do capital na construção de habitações populares. Era notória, antes de surgir esse decreto-lei, a preferência nesse tipo de moradias, por ser mais compensadora a retribuição dos juros. O precedente totalitário dessa medida e a ameaça de outras ainda mais parciais, demagógicas e totalitárias, aliados à alta dos preços de materiais de construção, cuja artificialidade oportunamente procuraremos estudar, resultaram nesse terrível déficit de habitações populares que se faz sentir sobretudo nas cidades de mais intensa densidade demográfica. Eis, portanto, como esse ato de suposta defesa do povo no setor da habitação acabou por deixar a classe média e operária sem ter onde morar...

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Poderíamos acrescentar, a este capítulo do problema da habitação, a política oficial até bem pouco vigente com relação aos planos residenciais dos organismos para-estatais, das chamadas “autarquias” da Previdência Social. Há quem interprete o decreto que introduziu a inalienabilidade dos imóveis, construídos ou negociados através desses Institutos e Caixas para seus associados, como uma tentativa para desencorajar a aquisição da casa própria, em benefício dos planos de conjuntos residenciais exclusivamente para aluguel. Com efeito, tal inalienabilidade torna o imóveis a salvo de todos os riscos, menos justamente aquele que, em regra, é o maior compromisso econômico e financeiro do associado: a dívida contraída para a aquisição do imóvel... E como os Institutos e Caixas não isentam os seus associados dos infortúnios e desequilíbrios econômicos, o resultado é que essa inalienabilidade é mais um entrave que um benefício.

Ainda aqui poderíamos invocar a possível boa intenção do urso da fábula. Mas o resultado prático de tal medida, é que as tais autarquias diante do pouco interesse de seus associados pela casa própria assim onerada com a inalienabilidade, terão o caminho desembaraçado para embarcar em seus planos de casas exclusivamente para aluguel, em mãos do Estado... outra medida de sabor totalitário e socialista. Aqui, também, felizmente tem se registrado um movimento de marcha-ré, e em parte já caiu essa inalienabilidade, através da qual se procurava evitar a especulação com os imóveis adquiridos através dos Institutos de Previdência com a mesma parcialidade e introduzindo o mesmo fator de desconfiança que constituíram o erro fundamental da medida totalitária no que diz respeito às casas de aluguel.

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E assim vão sendo canalizadas para o moinho totalitário e socialista essas torrentes de atos caóticos e desordenados que, quando não colaborassem com os extremismos de modo direto, pelo menos estariam a reforçar a tese da falência das soluções políticas, sociais, econômicas fora dos regimes de opressão...