Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera

A pseudo-reforma e algumas “coincidências”

 

 

 

 

Legionário, 27 de janeiro de 1946, N. 703, pag. 5

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Em nossos últimos rodapés procuramos indicar, de modo sumário, o nexo existente, através da história, na doutrina e no modo de agir dos componentes do corpo místico de Satanás. Mostramos como principais características do espírito herético a negação ou deformação do Dogma fundamental da Encarnação do Verbo e a consequente queda no panteísmo, erro teológico, e no socialismo ou no comunismo, erro social. Esse traço comum de união e solidariedade dos membros da Cidade do demônio, através dos séculos, se patenteia também pelo caráter secreto das iniciações dos sectários, pela solidariedade subterrânea em cujos ritos os germes do erro se transmitem de geração em geração.

É claro que não nos referimos às massas informes de prosélitos que em geral desconhecem essas maquinações, mas a uma elite que constitui a hierarquia de onde promanaram as “insinuações” que orientam o movimento.

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Para que não sejamos acusados de estar forçando generalizações apressadas, e como o ponto é de suma importância, ocupemo-nos um pouco mais devagar das ligações da pseudo-reforma protestante com as forças secretas. Já dizia o nunca assaz citado Dom Paul Benoît, no fim do segundo volume de seu minucioso trabalho “La Cité Antichrétienne au XIX siècle”:

“Depois de haver percorrido as doutrinas que a Cidade anticristã opõe ao dogma católico, vamos considerar a hierarquia, ou antes as hierarquias de que ela opõe ao sacerdócio católico; depois de haver estudado os erros modernos veremos sua origem. Este novo estudo é mais necessário ainda que o precedente para penetrar no segredo dessa vasta luta que se desenrola nestes últimos séculos contra a Cidade de Deus”. E passava a dedicar os dois últimos volumes de sua obra ao estudo da organização e meios de ação das forças secretas.

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Ora, muito se tem falado e escrito sobre o encadeamento doutrinário do humanismo renascentista com a pseudo-reforma de Lutero, e desta com o deísmo, com o racionalismo, com o filosofismo, com o liberalismo, com o socialismo. Segundo o modo usual por que é abordada essa filiação de idéias errôneas, tem-se a impressão de que se trata de mero fruto da paixão ou do extravio intelectual perpetrado talvez por gente no fundo bem-intencionada, que vai retomando o fio da meada e desenrolando-o logicamente, de modo ingênuo e acidental, sem perceber as repercussões de suas idéias.

Nada mais falso que esse proceder. Basta para demonstrar essa falsidade que apresentemos aos nossos leitores certos fatos, deixando-lhes o trabalho de meditar sobre eles.

E um fato incontestável é que a pseudo-reforma de Lutero não nasceu de repente, sem preparação prévia, como se fosse puro resultado da revolta de um sacerdote apóstata. O protestantismo é filho dileto do humanismo renascentista cultivado pelas forças secretas. Como bem acentua o iniciado Taine: “a Reforma não foi senão um movimento numa revolução que começara antes dela. O século XIV abre a marcha; e depois, cada século se ocupa em preparar, na ordem das ideias, novas concepções e, na ordem prática, novas instituições. Depois disso, a sociedade não mais reencontrou seu guia na Igreja, nem a Igreja sua imagem na sociedade”.

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O Renascimento foi o ponto de partida do estado atual da sociedade. Já no século XV, durante o pontificado de Paulo II, aparece, como orientadora secreta desse ressurgimento do humanismo pagão, uma sociedade acadêmica a que o historiador Gregovorius não hesita em classificar como uma “loja de franco-maçons clássicos”. Dando a seu chefe Pomponius Letus o nome de Pontífice Máximo e a alguns de seus sequazes o título de sacerdotes, essa sociedade, cujos membros costumavam se reunir secretamente nas catacumbas de Roma, demonstrava não ser simplesmente literária, mas ser uma espécie de anti-Igreja, uma religião enfim, essa mesma religião humanitária ou da natureza, que mais tarde apareceria à luz do dia com as roupagens da Revolução Francesa.

Da Itália esse movimento e suas iniciações secretas teriam se alastrado por toda a Europa. Citemos, por exemplo, Erasmo de Roterdam, que foi um dos teóricos da pseudo-reforma. Lutero não fez nada mais que proclamar bem alto e executar com incrível brutalidade o que Erasmo e outros humanistas já haviam insinuado.

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Segundo Mons. Delassus em sua obra “La Conjuration antichrétienne”, é ao século XVI, ao ano de 1535, que remonta o mais antigo documento autêntico das lojas maçônicas. É conhecido como a “Carta de Colônia”. Ele nos revela a existência, já antiga, remontando há uns dois séculos, de uma ou de várias sociedades secretas que existiam clandestinamente em diversos países da Europa, em antagonismo direto com os princípios religiosos e políticos que formavam a base da sociedade católica.

Este documento é notável pelos fatos que revela e pelos nomes de seus signatários. E também por algumas “coincidências” bem curiosas. Por ele ficamos sabendo da existência das atividades de uma sociedade secreta, anterior mesmo à dos humanistas, denunciada por Gregovorius, que se espalhava por todo o universo, cercada do mais profundo segredo, tendo iniciações misteriosas e obedecendo a um chefe supremo, conhecido somente por alguns mestres.

Agora, as “coincidências”.

Entre os signatários desse documento se acham Filipe Melanchthon, teólogo humanista muito ligado a Lutero; Herman de Viec, arcebispo de Colônia, mais tarde acusado de conivência com os protestantes; Jacob d’Anvers, prefeito dos Agostinianos da mesma cidade (Ordem a que pertencia Lutero), Nicola Van Noot, ambos incursos na mesma falta, e também Coligny, famigerado chefe dos calvinistas franceses.

Há ainda a notar que as cidadelas nas quais, de acordo com a “Carta de Colônia”, haviam sido estabelecidas lojas maçônicas, foram as em que o protestantismo encontrou seus primeiros adeptos.

Perguntamos agora: orientado e insuflado pelas sociedades secretas foi o movimento de revolta preparador da pseudo-reforma contra o magistério da Igreja a cuja frente ostensivamente se achavam os humanistas. Filiados às lojas se achavam os colaboradores imediatos de Lutero. O protestantismo inicialmente se alastra nas cidades onde existiam lojas maçônicas. Mesmo à falta de outras coordenadas, e elas existem, pode-se negar que as forças secretas tenham sido a alma danada da grande apostasia protestante?

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Veremos, no próximo rodapé, a confirmação e continuação dessa aliança dos tempos de Lutero até os nossos dias.