Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
A “união nacional” e a tática

do terreno comum

 

 

 

 

 

Legionário, 9 de dezembro de 1945, N. 696, pag. 5-6

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Lançou a ala do Partido Comunista liderada pelo sr. Luiz Carlos Prestes uma campanha de “união nacional” em torno de um programa baseado em reivindicações mínimas condensadas em onze pontos que, segundo seus autores, poderiam ser aceitos por todos os homens de “boa vontade”, sem distinção de cor partidária ou de crença religiosa.

Não é nova a tática esposada pelos adeptos da “linha justa”. É a velha tática do “terreno comum”. E para citar exemplos recentes de sua aplicação, recordemos aos nossos leitores que o fascismo e o nazismo também a empregaram. Quem não se lembra da palavra de ordem da “luta contra o bolchevismo” com que os socialistas da direita procuravam aliciar o concurso dos católicos e de outros “homens de boa vontade”?

E assim como hoje os comunistas procuram chamar a si o monopólio da luta contra a quinta-coluna e o nazismo, do mesmo modo os fascistas e nazistas se julgavam a única força capaz de livrar a humanidade da praga do bolchevismo.

Eis uma pequena amostra da linguagem nacional-socialista pela altura de 1936:

“Se os bispos alemães podem hoje ainda se reunir em Fulda, que eles se lembrem, em todas as orações de ação de graças, dos nacionais-socialistas feridos, tombados e assassinados. Sem o seu sacrifício, a bandeira Vermelha de Moscou tremularia hoje sobre a Alemanha” (artigo de Gustave Staebe, no “Frankfurter Volksblatt” de 24 de setembro de 1936, atacando as resoluções antinazistas da reunião episcopal de Fulda).

De modo que, lançando uma cortina de fumaça sobre seus próprios desvios doutrinários e sobre seus pontos de contato com o socialismo soviético, os nacionais-socialistas apelavam para os católicos, incitando-os a fechar os ouvidos à advertência dos (bispos alemães e antinazistas, n.d.c.) Von Galen e dos Faulhaber, a desprezar as pastorais coletivas do Episcopado alemão, a trancar nas gavetas a “Mit Brennender Sorge” (encíclica do Papa Pio XI contra o nazismo, n.d.c.), e a embarcar numa “união nacional” contra o bolchevismo e no plano nazista de reerguimento da Grande Alemanha.

* * *

Quem poderia em sã consciência dizer que o combate ao comunismo não é um dever dos católicos? Quem poderia duvidar da liceidade do concurso dos católicos alemães no plano de reerguimento econômico e social de sua pátria? Não seria lícito pôr de lado as divergências doutrinárias e lutar ombro a ombro nesse “terreno comum”? Onde pegaria o carro, para o católico de boa formação?

É claro que na pureza e na retidão de intenção dos que se propunham trabalhar nessa causa comum, o problema devia ser resolvido segundo a dose de boa-fé que se pudesse atribuir aos pregoeiros dessa “união nacional”. E sobretudo os católicos alemães deviam ter em mente se colaborando com os socialistas da direita não estariam concorrendo para a implantação de um estado de coisas que era aquilo que se propunham combater, movidos pela mágica, dos “slogans” da “luta contra o bolchevismo” e de “uma Alemanha unida, livre e forte”.

* * *

Os católicos alemães que caíram nesse “conto”, não têm justificativa para sua conduta pois se comportaram como verdadeiros hereges. A palavra “heresia” vem do vocábulo grego que significa “escolha”, porquanto incorre em heresia quem escolhe a doutrina que mais lhe apetece, abandonando a verdadeira doutrina da Santa Igreja. E esses infelizes escolheram as idéias com as quais acenavam os (nazistas) Goebbels e Rosenbergs, em vez de ouvir as vozes de Pio XI e da Hierarquia alemã que claramente lhes mostravam os abismos a que o totalitarismo nazista acabaria por arrastar aquele grande povo.

* * *

Como não poderão ser desculpados os católicos que aqui no Brasil acreditarem nessa “união nacional”, sob os auspícios do Partido Comunista, e aceitarem a mão que lhes é assim estendida. Não se pode abstrair da questão de boa-fé, ou de reta intenção neste assunto.

Exemplifiquemos.

Os “gangsters” da América do Norte, inimigos acérrimos da propriedade privada, resolvem formar um partido. Seu líder, Al Capone, sai da cadela com grande prestígio, e a liberal polícia yankee lhes assegura liberdade de ação para pregar suas idéias no que diz respeito a “apropriações indébitas”, contanto que não usem de processos violentos.

A repulsa, porém, encontrada no seio da população, é muito grande. E o solerte político se lembra do “terreno comum”. Esconde então os princípios por que se bate e lança as bases de uma “união nacional” capaz de congregar em torno de seu partido todos os homens de “boa vontade”.

E eis que os jornais leigos da grande república do Norte publicam com grande estardalhaço os onze pontos de reivindicações mínimas do teor seguinte:

1º. Medidas tendentes a promover a prosperidade geral e o desenvolvimento do capitalismo”.

Quem não deseja a prosperidade geral e o desenvolvimento do capitalismo, desde que este último respeite a justiça social? Acontece, porém, que no atual estado de coisas, os “gangsters” proliferam sobretudo nas cidades mais prósperas, tais como Chicago e Nova Iorque, em que se concentram os grandes e opulentos capitalistas.

“2º. Restabelecimento da ‘lei seca’.”

Eis um ponto que teria o franco apoio de muita gente honesta que sinceramente detesta os efeitos nefastos do álcool e acredita na utopia da extinção do vício da intemperança por meio de atos do poder legislativo. É sabido, por outro lado, que foi à sombra da “lei seca” que os “gangsters” “bootleggers“ fizeram seus maiores lucros por meio do comércio clandestino de bebidas.

3º. Redução ou mesmo abolição do imposto sobre a renda”.

O contribuinte norte-americano bem sabe, por experiência própria, quanto pesa esse imposto. Não faltariam milhões de norte-americanos honestos, para aplaudir freneticamente esta medida. Por outro lado, quem desconhece a relutância que deve ter um “gangster” em fazer sua declaração de imposto sobre a renda? Não foi outra a razão pela qual Al Capone acabou indo para a cadeia.

4º. Manutenção do atual regime da escola neutra, isto é, sem aulas de religião”.

Os ateus, protestantes e “católicos-liberais” aplaudiriam a medida. E que interesse pode ter um “gangster” em aulas de religião?

“5º. Campanha nacional contra a obrigatoriedade da identificação e da folha corrida, em nome da liberdade individual”,

É sabida a repugnância do norte americano pela exibição de documentos de identidade, salvos condutos, etc. Foi grande a resistência neste sentido, por ocasião do recente estado de guerra. As razões das pessoas honestas são, porém, muito diferentes dos “racketeers” neste particular...

6º. Abolição da pena de morte”.

Entre as pessoas honestas são inúmeras as contrárias à pena capital. O criminoso, porém, é contra a medida apenas porque sua vida está em causa. Quanto à vida do próximo, sabemos a importância que lhe dá...

7º. Suavização do regime penitenciário, melhoria do tratamento dispensado aos presidiários”.

Eis um belo tema para demagogia. Os filmes de Hollywood se encarregariam de mostrar os horrores do atual regime penitenciário ianque. Os juristas e enormes legiões de “homens de boa vontade” sairiam a campo para defender os direitos a um tratamento mais humano que têm os pobres presidiários. Ótimo terreno comum para os “gangsters” e os cidadãos honestos.

“8º. Entre as medidas práticas para desenvolver as transações e os negócios, o partido propõe a simplificação da burocracia bancária.”

O homem da rua aplaudiria esta medida, pois sabe quanto custa esperar o pagamento de um cheque. E os falsários e estelionatários a aplaudiriam também.

“9º. Neste mesmo setor, propõe o partido a extinção do sigilo em torno das operações bancárias”.

Eis outro “terreno comum” que as pessoas honestas tomam num sentido, e os assaltantes noutro...

“10º. Entre as medidas de caráter municipal, propõe o partido um plano tendente a resolver o problema do trânsito urbano sabido como é que o congestionamento e a morosidade do tráfego entravam o desenvolvimento das cidades.”

Eis aí um terreno comum para o pai de família pacato que deseja chegar rapidamente ao local de trabalho ou à sua residência, e o delinquente que deseja se afastar celeremente do local do crime...

“11º. Finalmente, campanha nacional em favor da educação sanitária do povo, entre as quais se acha o hábito salutar de dormir com janelas abertas”.

Médicos, higienistas, educadores, sociedades filantrópicas, todo o mundo embarcaria nesta campanha... e os ventanistas também.

* * *

Vemos, portanto, como é fácil uma colaboração entre os cidadãos honestos e os falsários, kidnappers e batedores de carteira, se se abstrair da malícia, da má fé com que estes se oferecem para semelhante trabalho em comum. E que diferença há entre quem assalta seu semelhante com metralhadora e quem confisca propriedades por meio de leis totalitárias?

Eis porque o católico não pode abstrair da perversidade de desígnios do Partido Comunista, ao propor a “união nacional” em torno de pontos que não entram em conflito com o seu programa, mas que pelo contrário o favorecem.

Pio XI não trepidou em denunciar abertamente essa hipocrisia com as seguintes palavras da Encíclica “Divini Redemptoris”:

“Assim, em alguns lugares, mantendo-se firmes em seus perversos princípios, convidam os católicos a colaborar com eles, no chamado campo humanitário e caritativo, propondo, por vezes, coisas em tudo até conformes ao espírito cristão e à doutrina da Igreja. Em outras partes, sua hipocrisia vai ao ponto de fazer acreditar que o comunismo, em países de maior fé ou de maior cultura, tomará feição mais branda, não impedirá o culto religioso e respeitará a liberdade de consciência”.

E depois de denunciar a má fé com que é feita essa política da mão estendida, ou do terreno comum entre católicos e comunistas, adverte o Pontífice da Ação Católica:

“Velai, Veneráveis Irmãos, por que não se deixem iludir os fiéis. Intrinsecamente mau é o comunismo e não se pode admitir, em campo algum, a colaboração recíproca por parte de quem quer que pretenda salvar a civilização cristã”.

E se Roma assim falou, a causa está julgada. Não pode o católico deixar-se envolver por semelhantes ciladas. Tem que escolher entre a doutrina da Igreja e o totalitarismo bolchevista.