Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Comunismo não, socialismo sim?

 

 

 

 

 

Legionário, 25 de novembro de 1945, N. 694, pag. 5

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Em página dedicada à propaganda de um dos grandes partidos políticos que vão disputar as próximas eleições, vemos a preocupação de mostrar a diferença que existe entre o comunismo e o socialismo. O comunismo, apesar de possuir alguns caracteres comuns com o socialismo, seria aceitável. Este, porém, não parece ser tão mau assim, tanto que o citado artigo, em tudo que diz a seu respeito, só lhe prodigaliza elogios.

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Devemos, portanto, confessar que o desejo de afastar a confusão reinante entre o conceito de socialismo e de comunismo não foi satisfeito pela referida publicação, visto que ela apenas concorrerá para perturbar os espíritos. Pois se é verdade que existem diferenças entre os dois sistemas doutrinários, não é menos verdade que ambos são condenáveis à luz da doutrina católica e do próprio direito natural.

Já Leão XIII, na Encíclica “Quod Apostolici muneris”, definia indistintamente o comunismo e o socialismo como “peste destruidora que, infeccionando a medula da sociedade humana, a levaria à ruina”.

Dir-se-á que Leão XIII condenava apenas as formas extremadas do comunismo e do socialismo. Entretanto, eis o que declara Pio XI na Encíclica “Quadragesimo Anno”: “Examinando novamente o comunismo e o socialismo, e todas as suas formas, mesmo as mais mitigadas, achamos que estão muito longe dos ensinamentos do Evangelho”.

Por aí se vê que mesmo as formas atenuadas do socialismo se opõem à doutrina católica, por se afastarem dos ensinamentos do Evangelho. E Pio XI diz, em outra feita que essas formas atenuadas do socialismo são sobretudo perigosas porque nelas podem cair pessoas que repeliriam outras formas apenas encobertas.

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Quando se fala em socialismo, para evitar uma confusão idêntica a que ocorreu na torre de Babel, o sensato é que se precisem as idéias. Há várias formas de socialismo, que se resumem, entretanto, em dois grandes grupos: o socialismo utópico e o chamado socialismo “científico”. Em linhas gerais se pode afirmar que tanto o socialismo utópico ou socialismo antigo, quanto o socialismo “científico” ou moderno, desejam a abolição da propriedade privada e propugnam a propriedade social, através da socialização ou coletivização universal.

As diferenças começam na amplitude inicial, a ser dada a essa “socialização” e nos meios pacíficos ou violentos a serem empregados para realizá-la.

E se é verdade que não se pode confundir o bolchevismo com o socialismo utópico de Tomás Campanula, ou com o socialismo “cientifico” de Karl Marx, não há dúvida que o seu programa maximalista é idêntico de certo modo à ideia marxista da “socialização dos meios de produção”. Seja, porém, uma “socialização” pela revolução como a realizou Lenine, seja pela “evolução” como querem os socialistas fabianos do tipo Clement Attle, no fundo teremos sempre a mesma “peste destruidora” a que se referia Leão XIII.

E já que nenhum católico, de boa-fé, poderia deixar-se levar pelos grosseiros erros do comunismo, que são os erros do socialismo em dose cavalar, mostremos, através do magistério da Igreja, que também o erro do socialismo diluído deve receber toda a nossa repulsa de católicos conscientes de que outro remédio não podemos dar à sociedade humana senão a volta à vida e às instituições cristãs.

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Em seus efeitos práticos, socialismo e comunismo frequentemente andam juntos. Pio XI expressamente declara que o socialismo educador teve por pai o liberalismo e por herdeiro o bolchevismo. Eis as palavras com que o Pontífice da Ação Católica condena essas duas formas da lepra que ameaça devorar o organismo social do mundo hodierno:

Os dois partidos do socialismo

“Não menos profunda que a da organização econômica é a transformação por que do tempo de Leão XIII passou o socialismo, com o qual lutou, especialmente nosso Antecessor. Naquele tempo podia dizer-se de fato que era um só e propugnador de princípios doutrinais bem definidos e unidos num sistema: agora, ao contrário, vai dividido em dois partidos principais, que discordam o mais das vezes entre si e são, contudo, inimigos de tal natureza que nenhum dos dois se afasta do próprio fundamento de todo o socialismo e contrário à fé cristã.

Comunismo

“Com efeito, um partido do socialismo foi sujeito à transformação mesma que acima explicamos, a respeito da economia capitalista, e se precipitou no comunismo: o qual ensina e persegue dois pontos, não já por vias ocultas ou por rodeios mas abertamente, e com todos os meios, mesmo os mais violentos: uma luta de classe a mais encarniçada e a abolição absoluta da propriedade particular. E perseguindo os dois intentos, não há coisa que ele não tente e nada que lhe mereça respeito: e, onde chegou a se apoderar do governo, mostra-se tão cruel e selvagem, que parece coisa inacreditável e monstruosa. Disto dão prova as carnificinas espantosas e as ruínas que tem acumulado sobre vastíssimos países da Europa oriental e da Ásia. Quanto na verdade seja inimigo declarado da Santa Igreja e do mesmo Deus, é coisa por demais demonstrada pela experiência e por todos sabida. Por isto não julgamos necessário premunir os filhos bons e fiéis da Igreja contra a natureza injusta e ímpia do comunismo; todavia não podemos, sem mágoa profunda, ver a incúria e o indiferentismo daqueles que mostram não dar importância aos perigos iminentes, e com tal passiva fraqueza deixam que se propaguem por toda a parte aqueles erros, pelos quais será levada a morte à toda sociedade, com as carnificinas e a violência. Mas, sobretudo, merecem ser condenados os que descuidam de suprimir ou transformar aquelas condições de coisas, que exasperam os ânimos dos povos e preparam com isto o caminho à revolução e à ruina da sociedade.

O socialismo moderno

“Mais moderado é o outro partido que conservou o nome de socialismo; posto que não só professa repelir toda e qualquer violência, mas, embora não repudie a luta de classe e a abolição da propriedade particular, abranda-a ao menos com atenuações e medidas. Dir-se-ia portanto, que, assustado diante de seus próprios princípios e as consequências deduzidas pelo comunismo, o socialismo se dobre de algum modo e se aproxime daquelas verdades que a tradição cristã sempre e solenemente ensinou; visto que não se pode negar que as suas reivindicações se aproximem, por vezes e muito de perto, das que, com muita razão, propõem os reformadores cristãos da sociedade.

“Com efeito, a luta de classes, quando se abstém dos atos de inimizade e ódio mútuo, transforma-se paulatinamente em honesta discussão baseada na pesquisa da justiça: discussão que, decerto, não é aquela feliz paz social que todos nós almejamos, mas que pode e deve ser o ponto de partida para chegar à mútua cooperação das classes. Destarte também a guerra declarada à propriedade particular vai cada vez mais se apaziguando e restringindo a ponto de, afinal, não ficar mais combatida a propriedade dos meios de produção, mas uma certa hegemonia social, que a propriedade, contra todo o direito, a si atribuiu e usurpou. E de fato tal supremacia não deve pertencer aos simples patrões, mas ao poder público. Com isto se pode chegar insensivelmente ao ponto de as máximas do socialismo não mais discordarem das aspirações e das reivindicações daqueles que, baseados sobre princípios cristãos, envidam esforços para reformar a sociedade humana. E, na verdade, com toda razão, pode-se sustentar haver duas categorias de bens, que devem ser reservadas exclusivamente para os públicos poderes quando trazem consigo tal preponderância econômica, a qual não pode ser entregue às mãos de cidadãos particulares sem perigo do bem comum.

“Tão justas reinvindicações e desejos nada mais tem que repugne à verdade católica e muito menos são reivindicações próprias do socialismo. Os que só isto tem por alvo não tem razões para se inscrever no socialismo.

“Nem por isso se deverá crer que aqueles partidos ou grupos de socialistas, que não são comunistas hajam todos mudado de opinião ou realmente, ou no seu programa, a tal respeito. Não porque o mais das vezes não rejeitam nem a luta de classe nem a abolição da propriedade particular, mas querem só que esta seja de algum modo mitigada. Além disso, tendo seus falsos princípios chegado a esta brandura e de algum modo desaparecido, surge daí, ou melhor, vem levantada por alguém a dúvida: por acaso não poderão também os princípios da verdade cristã ser mitigados ou suavizados de algum modo para destarte ir ao encontro do socialismo e se chegar a um acordo quase por uma via média? E há ainda alguns que acalentam a vã esperança de atrair para nós, desta maneira, os socialistas.

Esperança vã

Esperança vã, afirmamos! Com efeito, os que querem se tornar apóstolos entre os socialistas, devem professar abertamente e com sinceridade, plena e integralmente, a verdade cristã, e de modo algum ter convivência com os erros. E se deveras querem ser pregoeiros do Evangelho, devem cuidar, antes de tudo, de mostrar aos socialistas, que suas reinvindicações, se forem justas, podem com muito mais eficiência ser defendidas com os princípios da fé cristã e muito mais eficazmente promovidas com as forças da caridade cristã.

“Quer dizer, porém, no caso em que concerne à luta de classes ou à propriedade particular, o socialismo se haja realmente moderado e emendado, a ponto de não haver mais nada que se lhe possa exprobar sobre estes pontos? Porventura renunciou com isto a seus princípios, à sua natureza contrária à religião cristã? Aí está a questão que mantem suspensas muitas almas. E não poucos são os católicos que, bem conhecendo como os princípios cristãos não podem ser nem abandonados nem apagados, parecem dirigir os olhares para esta Sé Apostólica e pedir ansiosamente que decidamos se este socialismo haja emendado seus erros a tal ponto, que sem prejuízo de algum princípio cristão possa ser admitido e de alguma maneira aprovado. Ora, para satisfazer, de conformidade com a Nossa solicitude paternal, estes desejos, proclamemos que o socialismo, mesmo depois de ter cedido lugar à verdade e à justiça sobre estes pontos de que falamos, não pode conciliar-se com os ensinamentos da Igreja Católica, visto como seu conceito sobre a sociedade é de todo contrário à verdade cristã.

“Com efeito, segundo a doutrina cristã, o fim para o qual o homem, dotado duma natureza sociável, se acha sobre esta terra, é que, vivendo na sociedade e sob uma autoridade social ordenada por Deus, cultive e desenvolva plenamente todas as suas faculdades para louvor e glória do Criador e cumprindo fielmente os deveres de sua profissão ou vocação, qualquer que seja, chegue à posse da felicidade temporal e também eterna. O socialismo, ao contrário, ignorando ou descuidando-se completamente deste seu fim tão sublime, quer do homem, como da sociedade, supõe que a sociedade humana não tenha sido instituída senão para o exclusivo bem estar.

“De fato, porque uma divisão conveniente do trabalho, mais eficazmente do que o esforço dividido dos indivíduos, garante a produção, os socialistas deduzem que a atividade econômica, em que se consideram somente o fim material, deve por necessidade ser conduzida socialmente. E de tal necessidade, no entender deles, provém que os homens são obrigados, pelo que diz respeito à produção, a se submeter inteiramente à sociedade; antes o possuir uma maior abundancia de riquezas que possa servir às comodidades da vida é tido em tanta consideração que se lhe devem postergar os bens mais elevados do homem, especialmente a liberdade sacrificando-os todos às exigências duma produção mais eficaz. Este prejuízo da organização “socializada” da produção, sofrido pela dignidade humana, julgam eles ficar largamente recompensado pela abundância dos bens que os indivíduos auferirão a fim de poder aplicá-los às comodidades e às conveniências da vida, de conformidade com seus gostos. A sociedade, pois, como é imaginada pelo socialismo, não pode existir nem conceber-se desunida de um constrangimento verdadeiramente excessivo, e por outro lado fica entregue a uma não menos falsa licença por lhe faltar uma verdadeira autoridade social, visto que esta não pode fundar-se sobre as vantagens materiais e temporais, mas pode vir de Deus, Criador e fim de todas as coisas.

Termos contraditórios

“Porém, embora o socialismo admita, como todos os erros, algo de verdade (o que de resto os Sumos Pontífices nunca negaram) todavia funda-se numa doutrina sobre a sociedade humana toda especial, que discorda do cristianismo. Socialismo religioso e socialismo cristão são, pois, termos contraditórios; ninguém pode ser católico e ao mesmo tempo verdadeiro socialista” (Encíclica “Quadragesimo Anno”).