Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Mentalidade mecânica

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 11 de novembro de 1945, N. 697, pag. 3

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Um vespertino carioca disse-nos há pouco, como novidade amável e alvissareira, que se está criando no Brasil “uma sã mentalidade mecânica”. E que “os moços de hoje aspiram a viver, gozar os benefícios que a ciência põe à disposição dos homens”. E mais: “Que melhores perspectivas podem oferecer aos jovens de hoje que a exploração de oficinas mecânicas, eletrônicas etc. se agora enveredamos decididamente pela estrada da mecanização?” Parece pelo visto que “os brasileiros estão se libertando de preconceitos tolos, de pruridos de fidalguia e de intelectualidade, para enveredar franca e corajosamente pelas profissões liberais, fontes de progresso para o país e de prosperidade para os seus filhos”.

Eu, por mim, não me recordo de ver tantas vezes pelos jornais e nos lábios de nosso povo a palavra mágica “TÉCNICA”. É técnica para aqui, técnica para acolá, técnica para educação e técnica nas finanças, técnica a torto e a direito. Os problemas do espírito, as inquietações e investigações do intelecto, o querer resolver as grandes tragédias do mundo moderno pelo único processo viável e eficaz que não é certamente o da técnica e da mecânica, isto fará certamente aflorar aos lábios da maioria um extenso sorriso de comiseração.

Cada época tem o seu tabu. Houve o tabu da liberdade, o tabu do liberalismo e depois o tabu da disciplina, o tabu do totalitarismo. Cada um destes tabus era seu tempo, e o é ainda para muitos, ao menos, uma espécie de gazua que abriria todas as portas, uma espécie de fórmula mágica, um “abre-te Sésamo” que em três tempos é capaz de tornar feliz a humanidade inteira.

Verificado o malogro de um tabu, corre-se a outro. E assim o homem se vem enganando, iludindo a si mesmo empurrando a vida no meio de fantasias delirantes. Pois um tabu agora é a mecânica.

Um dos candidatos à presidência da República, no manifesto com que se dirigiu ao público, na exposição de seu programa de governo, disse claramente que, se chegar à suprema magistratura da nação, tratará carinhosamente da educação, mas principalmente da instrução técnica. Este principalmente é que acabará por matar o tabu, porque onde se sobrepõe a matéria ao espírito, a forma ou técnica ao princípio, o desastre é inevitável.

A mentalidade mecânica que se procura impingir à mocidade, vamos logo chamar as coisas pelos seus nomes, a correria desatinada atrás do progresso material, da industrialização maciça, fanática, obstinada, tirando ao povo o gosto pela terra pessoalmente amanhada, pela vida natural e humana, pelas conquistas intelectuais para faze-lo uma máquina desgastando-se num trabalho monótono e numa vida artificializada, a mentalidade mecânica é que faz queimar 80 milhões de sacas de café e despovoar os campos brasileiros. A mentalidade mecânica que só pensa nos métodos de produzir mais sem pensar nas coisas mais simples e mais profundas como o “para que” da produção, é que tem causado a superprodução de mãos dadas com uma péssima distribuição. É ela que faz para que nuns países o trigo seja dado ao ventre insaciável das locomotivas enquanto noutros países outros ventres, e estes humanos, gritam pelo pão de cada dia.

E como não há quinino para conter a nova maleita, que é a técnica erigida como ideal humano, o sórdido materialismo que hoje vem no bojo deste entusiasmo pela técnica e a mecânica vão crescendo os acessos em que a humanidade sente o frio das crises e os tremores do medo causados pela aplicação sem alma da técnica, seja no desemprego de milhões, na granada V 2 ou na bomba atômica.

O que se impõe é a necessidade de conter estes aspectos materialistas da técnica, é o imperativo de por a técnica a serviço do espírito. Pois o Brasil trairia vergonhosamente os seus destinos se adotasse esta mentalidade mecânica, se pretendesse “libertar” a mocidade dos “preconceitos tolos” e dos “pruridos de intelectualidade”, eufemismo que oculta uma lambada nos altos valores da cultura, do espírito e nas riquezas inexauríveis da fé.

Por que a Alemanha fez furor com suas divisões mecanizadas, a Rússia defendeu-se brilhantemente com seus tanques de 30 toneladas e os Estados Unidos decidiram a vitória com o seu espantoso parque industrial, logo ficamos louquinhos por imita-los na técnica e na máquina e apostatamos prontamente dos “preconceitos tolos” da cultura do espírito, dos “pruridos de intelectualidade”. Amanhã pode muito bem acontecer que passemos fome em nossos lares, fome material por falta de carne, leite e ovos, verduras e cereais, fome espiritual por falta de princípios e de uma doutrina, mas iremos para a rua de cabeça erguida, a gritar a pulmões cheios, que já fabricamos motores e granadas e foguetes.

Pode ser que assim aconteça, mas haverá sempre um punhado de brasileiros aferrados aos “preconceitos tolos” de uma vida em que a técnica e a máquina não desempenhem papel mais importante nem mais nobre que o de exaltar as fulgurações do espírito humano, as finalidades da alma imortal, a glória do Supremo Artífice e Senhor.

Nota deste site: Para aprofundar este assunto, vide a última obra escrita pelo Prof. Plinio "Nobreza e elites tradicionais análogas nas Alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana", 1993, Parte III, Documentos VI - A harmonia necessária entre a tradição e o progresso autênticos.