Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Do anticomunismo fascista ao anticomunismo esquerdista

 

 

 

 

 

Legionário, 14 de outubro de 1945, N. 688, pag. 5

  Bookmark and Share

 

Graças a Deus, cada vez mais cresce em nosso meio a repulsa ao comunismo. De todos os recantos do país nos chegam notícias dos variados modos por que é manifestada essa repugnância em todas as camadas da população.

Entretanto, que essa confortadora unanimidade não nos leve a um exagerado otimismo e a um esfriamento do nosso zelo e da nossa vigilância,

Com efeito, há anticomunismo e anticomunismo. Já dizia o Divino Mestre que nem todo mundo que vive a exclamar “Senhor! Senhor!” entrará no reino dos Céus. Do mesmo modo nem todos que bradam e vociferam contra os “horrores do comunismo”, na realidade estão sinceramente empenhados em livrar a humanidade desse flagelo.

Exemplifiquemos.

Um dos “slogans” preferidos tanto pelo fascismo como pelo nazismo era a “luta contra o bolchevismo”.

Entretanto, enquanto com uma das mãos Mussolini acenava para o povo, convidando-o a se unir ao fascio na “luta contra o comunismo”, com a outra realizava sua obra socialista, expropriando terras na Sicília, preparando o monopólio do ensino por meio das organizações da juventude, estabelecendo a intervenção estatal nas iniciativas privadas e nas organizações trabalhistas e mil outras medidas totalitárias e socializantes ao ponto de Pio XI dizer, na Encíclica “Non abbiamo bisogno”, que a ação das forças secretas e do socialismo nunca havia se manifestado tão acentuadamente na Itália como na vigência do regime fascista que se propunha combatê-la.

* * *

Na Alemanha nazista presenciamos o mesmo embuste. Mas o anticomunismo esquerdista do Terceiro Reich nacional-socialista, também não passou despercebido aos olhos dos católicos que realmente desejavam ver, como se pode constatar mais tarde pelo seguinte trecho do jornal “Maasbode” (semanário católico antiliberal e antiprotestante da Holanda, fundado em 1869; a partir de 1885 diário), de 10 de outubro de 1936, quando a imprensa livre ainda podia se manifestar na Alemanha, em artigo destinado a provar a falsificação feita pela imprensa nazista de um trabalho de Mons. Hudal:

Neste ponto o bolchevismo e o nacional-socialismo se acham de acordo: é necessário exterminar a Igreja Católica. De resto, esta mentalidade é quase tão velha quanto o próprio nacional-socialismo. Neste ponto as duas concepções do mundo, as duas idolatrias se confundem. Já a 14 de novembro de 1925, o Dr. Goebbels escrevia no “Voelkische Beobachter”, então sob a direção pessoal de Hitler, em uma carta aberta a um chefe bochevista em Moscou: “Eu e vós, nós nos combatemos sem sermos verdadeiramente inimigos. Assim agindo, desperdiçamos nossas forças e nunca chegaremos a nossos fins. Pode ser que a extrema necessidade nos aproxime. Pode ser! Nós, jovens, levamos conosco a sorte das gerações futuras. Não o esqueçamos nunca. Eu vos saúdo!” Os precursores da bolchevização das massas! Mons. Hudal não podia caracterizar mais energicamente a atividade de Rosenberg e do nacional-socialismo”.

E a 20 de outubro de 1936, o mesmo jornal católico “Maasbode” continuava a denunciar a insinceridade da campanha anticomunista movida pelo nacional-socialismo: “O discurso pronunciado pelo chefe de cultura alemã, Dr. Alfred Rosenberg, na Semana de Sarrebrücken, não passou de um longo e ofuscante elogio do “ato alemão”, isto é: a luta contra o bolchevismo. E com uma soberba alemã elevada ao zênite, anuncia-se que o Terceiro Reich é a mais forte e a única potência que poderá levantar uma muralha contra o comunismo em sua invasão do Ocidente. Ontem mostramos e suficientemente demonstramos que o nacional-socialismo, enquanto sistema e também por causa das personagens encarregadas da direção do povo alemão, é o precursor da bolchevização da massa “.

A seguir o denodado jornal católico mostrava como os bolchevistas alemães se “converteram”, em massa, para o nazismo, “passando com armas e bagagens para o campo nacional-socialista e, vindo de todos os setores e de todas as classes da sociedade, formaram a ala da extrema esquerda do partido, muito ativa e muito perigosa, que em certos momentos decisivos domina completamente a atividade dos chefes”.

Por esta denúncia e por outras fontes, ficamos portanto sabendo que o nazismo era hipócrita ao combater o comunismo não somente por razões de afinidades ideológicas, mas também por conter em seu grêmio uma ala da esquerda formada por numeroso grupo de comunistas “convertidos”, que chegavam a dominar a atividade dos chefes.

Não fica, porém, aí a mistificação de Hitler e seus sequazes na “luta contra o comunismo”. E que essa “luta” era apenas um espantalho usado para aliciar para o nazismo a opinião pública alemã, facilmente se percebe pelas relações amistosas que o nazismo sempre procurou manter com a Rússia soviética.

Apenas uma semana no poder, a 7 de fevereiro de 1933, o chanceler Hitler declarava na primeira entrevista que concedeu, em suas novas funções, ao Daily Express: “O problema comunista é exclusivamente um problema interno da política alemã”. A 21 de março do mesmo ano, declarava perante o Reichstag: “O governo deseja manter com a União Soviética relações amigáveis proveitosas a ambas as partes”. E foi obedecendo a esse espírito que Hitler renovou a 5 de maio de 1933 o tratado germano-russo de abril de 1925, que havia seguido ao famoso acordo de Rapallo de 1922.

É útil recordar que o tratado de 1925 expirara no ano de 1931 e que nem Bruening, nem Von Papen, nem Schleicher, chanceleres que precederam a Hitler, o haviam tentado renovar. Foi o Terceiro Reich nazista que retomou as mais estreitas relações com Moscou, após dois anos de grande frieza. A 30 de janeiro de 1934, ainda uma vez falava Hitler ao Reichstag dos “interesses comuns dos dois países”. A 27 de março de 1934 a Alemanha nazista e a Rússia bolchevista concluíram um acordo financeiro e econômico, renovado em abril de 1935, e os russos afirmaram, sem contradita dos nazistas, que Berlim lhes havia feito proposições semelhantes em 1936, o ano de Nüremberg.

É do conhecimento de todos o pacto Molotov-Ribbentrop de 1939, que facilitou a invasão da Polônia pela Alemanha nazista e a ocupação e anexação dos Estados Bálticos pela Rússia soviética.

E são dos últimos meses da guerra as declarações de Goebbels no jornal “Das Reich”, segundo as quais o nazismo sairia vencedor do conflito pela implantação do socialismo no mundo... O que vem a ser uma confirmação do que os intelectuais católicos já diziam ao povo alemão logo após a subida de Hitler ao poder: “os nacionais-socialistas são os precursores da bolchevização das massas!”

* * *

Portanto, nazismo e fascismo, e todos os seus “símiles” em todas as latitudes, longe de serem movimentos de reação contra o comunismo, apenas acenavam com o “slogan” da “luta contra o bolchevismo” para neutralizar a ação de qualquer outro movimento contra o totalitarismo socialismo. Daí seu ódio em relação à Igreja, que é capaz de inspirar o único movimento real e sinceramente anticomunista...

Daí a cegueira dos que na Itália e na Alemanha foram surdos à voz da Hierarquia, quando mostrava, como Pio XI nas encíclicas “Mit Brennender Sorge” e “Non abbiamo bisogno”, o perigo desses regimes socialistas e totalitários. E como são amplos os horizontes da estupidez humana, compreende-se que os nazistas tenham apelado para “o perigo mundial do bolchevismo”, e para o espetáculo de “cadáveres de Bispos, de Sacerdotes, de freiras e de religiosos assassinados pela fúria comunista”, para, em seguida, como fez Gustavo Staebe a 24 de setembro de 1936 em artigo que os jornais foram obrigados a publicar, refutando a conferência episcopal de Fulda, defender a “escola única”, a seu ver “uma das mais importantes exigências dos pais nacional-soclalistas”. E iríamos longe se fôssemos continuar a citar exemplos dessa tática do “anticomunismo” desenvolvida pelo fascismo e pelo nazismo.

* * *

Isto posto é interessante assinalar a tentativa do renovar este processo nos dias que correm. Não mais se trata, porém, apenas do anticomunismo nazista e fascista, pois estes, com a derrota do totalitarismo da direita, se acham bastante desprestigiados perante a opinião pública e somente se atrevem a ensaiar furtivamente seus passos, acobertados pelo democratismo liberal. O processo agora se insinua vestindo as roupagens de um suspeito anticomunismo... esquerdista.

No coro das vozes que se levantam para combater o real e nunca tão ameaçador perigo comunista, entram alguns comparsas que, em falsete, também se mostram furibundos com o materialismo da foice e do martelo, com os sanguinários inimigos da Pátria e da Religião, mas ao mesmo tempo não escondem seu entusiasmo pelo socialismo... pelo socialismo “cristão”, ou pelo menos “espiritualista”, para usar de uma expressão que o fabiano sr. Clement Attlee usou em discurso recentemente pronunciado em um condado do sul da Inglaterra. E dizendo isto, pensamos no deplorabilíssimo Partido Socialista Cristão do sr. Carlos Duarte da Costa.

Com a mesma facilidade com que se formaram as “frentes populares” das esquerdas de vários matizes, sem o apoio das quais o comunismo pouco poderia ter feito em países como a França e a Espanha, essas esquerdas agora se destacam do bloco comunista e muitas vezes chegam a entrar em “luta” contra o partido da foice e do martelo.

Entre outros indícios desse anticomunismo esquerdista, vemos o líder socialista e fabiano Harold Laski propor o estabelecimento de um bloco socialista do Ocidente para deter o expansionismo do comunismo ocidental, o que provocou, como era de esperar, rombudas e tonitruantes invectivas do “Isveztia” e do “Pravda”… Com o que os socialistas europeus vão consolidando seu prestígio e entabulando alianças com os demais adversários do comunismo que forem bastante ingênuos para não perceber esse jogo.

* * *

Combatendo o bolchevismo, evitam cuidadosamente esses anticomunistas esquerdistas da Inglaterra qualquer alusão, mesmo velada, contra o socialismo. Pelo contrário, acham que para se combater eficazmente o comunismo será necessário que se socializem a economia, a propriedade, os instrumentos e meios de produção, que se liquide o sistema capitalista, que a terra, o subsolo, as águas, as florestas, as usinas, as fábricas, as minas de carvão e de outros minérios, os caminhos de ferro, os transportes por água e pelo ar, os bancos, as grandes empresas agrícolas, bem como as empresas municipais e a massa fundamental das habitações nas cidades e nas usinas sejam propriedade do Estado. Que o comércio exterior seja monopólio do Estado. Que o ensino seja obrigatório e gratuito e monopólio do Estado. Que o seguro e a previdência sejam também monopólio do Estado.

Ora, tudo isto se acha na Constituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - artigos 4, 6, 14, 120 e 121 - e forma, aliás, a ossatura do comunismo russo. De modo que esse anticomunismo esquerdista não passa de mero jogo de palavras, destinado a facilitar o contrabando totalitário-socialista sob outros disfarces. Estamos, portanto, diante de uma burla destinada a fazer entrar dentro da cidadela cristã o cavalo de Tróia da revolução vermelha, que dificilmente seria admitida e aceita em certos ambientes se se apresentasse de viseira erguida, e ostentando claramente o estandarte da foice e do martelo.

Onde o comunismo não consegue entrar, a esquerda socialista força a brecha. E onde o socialismo cru também é repudiado, procura-se passar o contrabando de um socialismo atenuado.

E ao contrário do que se faz acreditar, longe dessas formas atenuadas serem menos nocivas, a Igreja as considera mais perigosas, por serem mais facilmente aceitas por quem não se deixaria iludir pelo socialismo aberto e rombudo. É o que diz Pio XI no seguinte trecho da “Quadragesimo Anno”:

“Aproximam-se dos operários oprimidos homens sob o nome de intelectuais, contrapondo a uma lei imaginária um princípio moral igualmente imaginário: isto é, que tudo quanto vem produzido e se recebe de rendimento, tirado o tanto que baste a indenizar e refazer o capital, pertence de direito ao operário. Este erro, porquanto distanciado do de vários socialistas, que afirmam que tudo o que serve para a produção se deve passar para o Estado ou como dizem, “socializar”; tanto mais se torna perigoso e apto a enganar os incautos: brando veneno, que foi avidamente tragado por muitos, a quem um aberto socialismo nunca conseguiria iludir.”

* * *

Estejamos, portanto, alertas e evitemos esse brando veneno do anticomunismo esquerdista.

Lembremo-nos sempre que a Igreja recusa as soluções viciadas e que “se quisermos dar um remédio à sociedade humana, este não pode ser outro senão voltar à vida e às instituições cristãs”.

Se os fariseus, herodianos e saduceus não se entendem, isto é lá com eles. Ingênuo será quem, de fora, se aliar a uns contra os outros. Na Sexta-Feira Santa todos se unirão para conspirar contra Nosso Senhor e O crucificarão.