Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
O Barão de Münchhausen num chinelo

 

 

 

 

 

Legionário, 26 de agosto de 1945, N. 681, pag. 5

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Por mais que conhecêssemos o juízo que o Sr. Luiz Carlos Prestes faz do discernimento e da inteligência da massa, não podíamos imaginar que o tuxawa do comunismo indígena fosse tão longe em seu trabalho de mistificação e de demagogia, como no discurso do Clube de Engenharia, em que tomou posse do cargo de secretário geral do partido no Brasil.

Dizia um pseudo-filósofo chinês que para fazer o sol cessar de existir para ele, bastava fechar os olhos. Esquecia-se, porém, do calor e dos raios solares... Também o Sr. Luiz Carlos Prestes procura abstrair de um fenômeno físico, por coincidência o mais ruidoso e devastador de que há notícia nos anais da ciência e da técnica humanas...

Fazendo residir a explicação da rendição japonesa, não no efeito da bomba atômica, mas no medo demonstrado pela entrada da Rússia na guerra do Extremo Oriente contra a evidência de um fato que abalou o mundo inteiro e contra as categóricas afirmações de ambas as partes interessadas na luta, a Inglaterra e a América do Norte, de um lado e o Japão do outro, presta o Sr. Luiz Carlos Prestes um desserviço à causa que defende, pois se coloca na categoria de mero contador de lorotas, pondo num chinelo o próprio Barão de Münchhausen e levando a dúvida aos próprios ingênuos que acreditaram em outros “balões” que já havia soltado anteriormente.

Quem pode o mais, pode o menos. E assim, por exemplo, fica mais uma vez arqui-fundamentado o direito de se duvidar da sinceridade comunista ao jurar, de mãos postas, que a Terceira Internacional está “extinta” e que o Partido Comunista Brasileiro nada tem que ver com Moscou.

E esse fanatismo demonstrado pelo “general Stalin” e pelo “prestígio da União Soviética” nos leva claramente a perceber que a diferença entre os tempos de agora e os da vigência da Terceira Internacional está... em que agora é proibido falar na Terceira Internacional.

Convém, portanto, relembrar a estreita ligação existente entre essa organização internacional e o bolchevismo russo para se ver quem tem a lucrar com esse desmesurado servilismo comunista em relação a Moscou. Eis o que sobre o assunto publicava a “Documentation Catholique” de 3 de abril de 1937:

“A Internacional comunista foi concebida, organizada e posta em ação pelos dirigentes comunistas russos.

“Lenine estava convencido de que o socialismo não poderia triunfar na Rússia se a revolução não irrompesse igualmente em outros países. Foi para preparar o advento da revolução mundial que ele resolveu criar uma vasta organização internacional.

“As primeiras bases da Terceira Internacional foram lançadas na União Soviética em 1918. A Internacional foi definitivamente constituída em Moscou em março de 1919 durante seu primeiro Congresso, realizado no Kremlin. Três chefes comunistas e dirigentes do Estado Soviético presidiram a criação da Internacional: - Lenine, presidente do Conselho dos comissários do povo; Stalin, secretário geral do partido comunista e alto funcionário do governo soviético; Swerdief, presidente do Comité central executivo da União Soviética e membro do Comité Central do partido comunista.

“Uma estreita ligação se estabeleceu, portanto, desde o início entre a Internacional de uma parte, e o Estado soviético e o partido comunista russo de outra parte.

“Lenine assim se expressou a este respeito: ‘A missão da Internacional, sua função essencial, que é realizar praticamente a doutrina marxista e o ideal social já centenário do movimento proletário - este traço característico da Terceira Internacional - encontrou imediatamente sua expressão no fato que a nova União Internacional dos proletários vem por assim dizer se identificar com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas’.

“E ainda: ‘A União internacional que dirige a ação revolucionária mundial, cujo fim é quebrar o jugo do capitalismo, dispõe atualmente de uma base de operações de uma solidez à toda prova: as Repúblicas soviéticas, que são a encarnação da ditadura do proletariado e da vitória deste último sobre o capitalismo’.”

* * *

Lemos, também, no programa da Internacional comunista (capítulo V, parágrafo 2):

“País da ditadura do proletariado e da edificação do socialismo... a União Soviética se torna necessariamente a base do movimento universal das classes oprimidas, o foco da revolução internacional, o maior fator da história do mundo.

“O proletariado de todos os países acha, pela primeira vez, na União Soviética uma verdadeira pátria...

“A União Soviética desempenha um papel revolucionário de excepcional e enorme importância: motor internacional da revolução proletária, que incita os proletários de todos os países à conquista do poder, exemplo vivo que demonstra que a classe trabalhadora sabe edificar o socialismo, protótipo das relações fraternais de todas as nacionalidades no seio da União das Republicas Socialistas Soviéticas do Universo e da União dos trabalhadores de todos o países no sistema econômico mundial único do socialismo que o proletariado internacional estabelecerá depois da conquista do poder”...

* * *

E qual é, em relação à União Soviética, o dever do proletariado internacional e, mais particularmente, dos partidos comunistas que aderiram à Internacional comunista?

“O proletariado internacional, de que a União Soviética é a única pátria, o baluarte de suas conquistas, o fator essencial de sua libertação internacional, tem por dever contribuir para o feliz êxito da edificação do socialismo na União Soviética e de a defender por todos os meios contra os ataques das potências capitalistas...”

“O dever do proletariado internacional é de responder à agressão e à guerra dos Estados imperialistas contra a União Soviética pelas mais audaciosas e resolutas ações de massas e pela luta pela derrubada dos governos imperialistas sob a palavra de ordem da ditadura do proletariado e da aliança com a União Soviética”.

* * *

No sétimo congresso mundial da Terceira Internacional (1935), os delegados de todos os partidos comunistas solenemente renovaram o juramento de servir à URSS:

“... É dever primordial de todas as secções da Internacional comunista ajudar com todas as suas forças e por todos os meios a consolidação da URSS, de lutar contra os inimigos da União Soviética. Em tempos de paz como nas condições de uma guerra dirigida contra a URSS, os interesses da consolidação da União Soviética, o acréscimo de seu poder, da vitória que lhe deve ser assegurada em todos os domínios e em todos os setores da luta, coincidem plenamente e indissoluvelmente com os interesses dos trabalhadores do mundo inteiro em sua luta contra os exploradores.”

“A defesa da URSS, a ajuda a lhe prestar para contribuir para sua vitória sobre todos os seus inimigos, devem ditar seus atos a cada organização revolucionária do proletariado, a cada verdadeiro revolucionário, a cada socialista, a cada comunista, a cada trabalhador sem partido, a cada camponês trabalhador, a cada intelectual e democrata honesto (?), a todos aqueles que desejam a supressão da exploração, do fascismo e do jugo imperialista, a abolição das guerras imperialistas, que desejam a fraternidade e a paz entre os povos, o triunfo do socialismo no mundo inteiro.”

* * *

Em 1922, o presidente da Terceira Internacional Zinoviev, não achava nenhuma dificuldade em reconhecer a interdependência absoluta da Internacional comunista e do governo soviético. Aos que se queixavam de ver Moscou utilizar a Terceira Internacional para chegar a seus fins, respondeu ele no decorrer dos debates do quarto congresso da Internacional comunista (7 de novembro - 3 de dezembro de 1922): “Somos acusados de haver feito uso da Internacional como arma da República Soviética russa... Mas é evidente que... a República soviética e a Terceira Internacional constituem os fundamentos e o teto de um mesmo edifício. Uma pertence à outra. A interdependência entre a primeira república proletária e o partido comunista é obrigatória.”

* * *

A presidência da Internacional sempre permaneceu nas mãos de um comunista russo. Depois, quando este posto foi suprimido, o título de secretário geral foi dado a Stalin, que o conservou até o sétimo congresso da Internacional comunista em 1935. O ditador da Rússia dos Sovietes deu então o lugar ao búlgaro Dimitrov.

Mas esse gesto não iludiu ninguém: Stalin permaneceu como senhor absoluto da Internacional comunista (N. da R.: dando satisfação de seus atos somente aos seus chefes ocultos).

Com efeito, esse mesmo congresso que ratificou a escolha de Dimitrov como secretário geral, aclamou Stalin como chefe supremo da Internacional comunista. A seguinte moção foi adotada por unanimidade: “Em nome de milhões de combatentes da revolução proletária mundial, em nome dos trabalhadores de todos os países, nós nos dirigimos a ti, camarada Stalin, nosso chefe, fiel continuador da obra de Marx, de Engels e de Lenine, a ti que, com Lenine, forjaste um partido de novo tipo, o partido dos bolchevistas, o partido que conduziu ao triunfo a revolução proletária de outubro, à vitória definitiva, sem contra-marcha, do socialismo na URSS. Nós dirigimos a ti, chefe amado de todo o proletariado internacional e de todos os oprimidos, nossa saudação inflamada...”

As palavras “Stalin, nosso chefe”, “o grande Stalin”, “Stalin, o piloto da Internacional”, etc., aparecem como refrão em numerosos relatórios  apresentados ao citado congresso.

E nas resoluções do congresso podemos ler: “... Sob a direção do melhor companheiro de armas do grande Lenine, o sábio chefe dos trabalhadores do mundo inteiro, o camarada Stalin, etc.”

A identidade entre a Internacional comunista dirigida por Stalin e o governo soviético, dominado por Stalin, é absoluta.

Por meio de manobras com a Internacional, o governo soviético dirige os partidos comunistas do mundo inteiro. “A Terceira Internacional, escrevia Charles Loiseau na “Europe Nouvelle” de 7 de agosto de 1935, tende a ser simplesmente um apêndice do comissariado do povo para os negócios estrangeiros, que é por sua vez guiado unicamente por interesses puramente russos! ... Hoje, os partidos comunistas nacionais cada vez mais se prestam ao papel de joguetes do Kremlin, que os faz avançar ou recuar segundo considerações puramente russas”.

Daí a “extinção” da Terceira Internacional, aceita de ânimo resignado e passivo pelos energúmenos comunistas do mundo inteiro, como palavra de ordem destinada a servir de abafador para as queixas contra o expansionismo soviético num momento em que era o interesse do Sr. Molotov fazer praça da não intervenção “democrática” da União Soviética na vida interna dos outros países...

O rabo da Terceira Internacional, entretanto, é qualquer coisa de fenomenal, e não pode ser oculto com facilidade. Por mais que se esforcem os chefes nacionais comunistas, como o Sr. Luiz Carlos Prestes, não conseguem ocultar a mão que os dirige e orienta. Eis porque, a três por dois, vivem a falar no “genial Stalin” e a afirmar, contra toda a evidência contundente dos fatos e sem flores de retórica, que o prestígio da União Soviética é mais devastador e explosivo do que a bomba atômica. Precisaríamos de um novo Horácio para satirizar essa imensa bajulação praticada por pessoas que até ao ridículo se escravizam a um poder humano e ao mesmo tempo se propõem lutar contra “a exploração do homem pelo homem”... Por pessoas que fazem demagogia com o “capital estrangeiro e colonizador” e são dirigidas por estrangeiros, aos quais louvam de modo tal, que seu próprio país fica na sombra, como colônia que só poderá prosperar sob a tutela desse “chefe” e “piloto” providencial que é Stalin...