Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Amanuenses e arquivistas do ex-Bispo de Maura

 

 

 

 

 

 

Legionário, 29 de julho de 1945, N. 677, pag. 5

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Não temos dificuldade em compreender o interesse demonstrado pelos agentes do Komintern em apresentar as atrocidades cometidas pelos comunistas na Espanha como simples ato de defesa da democracia. Trata-se de recurso hipócrita de que lançam mão aqueles que não tem coragem de enfrentar a opinião pública mundial e de apresentar sem rebuços seus desígnios e seus modos de agir.

O que, porém, não podemos compreender é que pessoas que se apresentam protegidas pelo escudo católico, façam coro com esses elementos da esquerda internacional, participando, consciente ou inconscientemente, de tão vergonhoso falseamento da verdade.

Pondo de lado o rumo que os acontecimentos políticos tomaram na Espanha após a entrega do poder ao Caudilho Franco, nenhum católico em sã consciência pode deixar de reconhecer as atrocidades cometidas pelo comunismo na pátria de Santo Inácio, sob pena de acompanhar o lamentável ex-Bispo de Maura em seu processo simplista de ocultar a verdade mediante o arquivamento de Encíclicas e da palavra oficial da Igreja.

O católico muito bem compreende que o capitão Carlos Prestes se fantasia “republicano” para defender os crimes do bolchevismo na Espanha, pois para isso recebeu recado do camaradíssimo Stalin. O que, porém, estarrece o católico esclarecido em sua Fé é que exista entre seus irmãos quem negue a evidência de fatos tão notórios, testemunhados por toda a Espanha católica, inclusive pela sua Hierarquia. E sobretudo depois das seguintes palavras do Santo Padre Pio XI: “Mesmo onde, como em nossa caríssima Espanha, o flagelo comunista ainda não teve tempo de fazer sentir todos os efeitos de suas teorias, todavia, aí se desencadeou infelizmente com mais violência. Não se abateu uma ou outra igreja, este ou aquele claustro, mas quando se tornou possível, foram destruídas todas as igrejas, todos os claustros e qualquer vestígio de religião cristã, ainda que ligado aos mais insignes monumentos da arte e da ciência. O furor comunista não se limitou a matar Bispos e milhares de sacerdotes, de religiosos e religiosas, principalmente aqueles e aquelas que, de maneira particular, se dedicavam com maior desvelo aos operários e aos pobres. Mas fez número muito maior de vítimas entre leigos de todas as classes, que até hoje são, pode-se dizer, diariamente trucidados em massa, pelo fato de serem bons cristãos, ou pelo menos, contrários ao ateísmo comunista. Tão espantosa destruição executa-se com tal ódio, barbaridade e crueldade, que não se acreditaria possível em nosso século. Não pode haver homem privado, que pense sabiamente, nem homem de Estado, consciente de sua responsabilidade, que se não horrorize ao pensar (que) se possa repetir amanhã, em outras nações civilizadas, o que hoje acontece na Espanha” (Encíclica “Divini Redemptoris”).

* * *

Note-se que o Santo Padre Pio XI, a 19 de março de 1937, não dizia que os católicos eram diariamente trucidados pelo fato de se oporem aos “republicanos”, mas “pelo fato de serem bons cristãos, ou pelo menos, contrários ao ateísmo comunista”.

Teria sido, porém, o comunismo um elemento surgido após o deflagrar da revolução na Espanha?

Em setembro de 1936 o Santo Padre Pio XI recebeu em audiência especial, em Castel Gandolfo cerca de quinhentos refugiados da revolução espanhola.

Eis como o atual Pontífice Pio XII, gloriosamente reinante, e então Cardeal Eugênio Pacelli, fez a Pio XI a apresentação desses refugiados:

“Santíssimo Padre.

Não menos que a grande honra de me prosternar ao pé do trono de Vossa Santidade, um impulso de suprema devoção me anima no momento de apresentar a Vossa Augusta Pessoa, neste dia memorável da Exaltação da Santa Cruz, única esperança no meio das tempestades do mundo, um numeroso e distinto grupo de veneráveis Bispos, de Sacerdotes, de Religiosos, de Religiosas e de leigos, que a furiosa borrasca expulsou de sua pátria bem amada, a Espanha. Sobre sua fronte resplandece a glória da cruz; são vossos filhos que com o Apóstolo Paulo podem dizer que levam os estigmas do Senhor Jesus em seus corpos, e que sofreram pro nomine Jesu e pela profissão de sua Fé. São os restos de um tufão que ainda ruge, restos de massacres e de destruições ímpias e sacrílegas, em que o sangue ainda corre e os incêndios ainda crepitam. São sentinelas valentes e vigilantes que, sem poder defendê-los dos lobos, viram os pastores abatidos e as ovelhas dispersadas; são mestres da Fé e da ciência, afeitos ao recolhimento e à caridade e à piedade para com os infelizes que viram a morte se aproximar deles de viseira erguida ou na sombra, e contemplaram, em seus próprios flancos, sob o aspecto de vários irmãos estrangulados com impiedade por ódio ao nome de Deus e da Cruz.

“Eis a Vossos pés, Santo Padre, testemunhas que podem certificar de que instrumentos estavam armados os braços e a que execráveis maldades chegaram os corações pela perversão pagã do espírito pela corrupção da alma: testemunhas que os bramidos e as blasfêmias de populaças em delírio, sublevadas por teorias insensatas, aspirando a exterminação de tudo o que é humano e grande, de tudo o que é sagrado e divino.

“Vossos filhos aqui presentes, dignos de ser associados aos sofrimentos de Cristo e de sua Cruz, porque, também eles, “ludibria et verbera experti (...) egentes, angustiati, afflicti”, eles podem ouvir as palavras do Salvador: “Vos autem estis, qui permansistis mecum in tentationibus mei” (Luc, XX, 28); vêm eles a Vós porque sabem que sua cruz é a vossa; porque Vós sois o doce Pai comum, e que o Vosso Coração tem a amplitude do mar; bem mais, que ele é a imagem viva do Coração de Cristo, que vossa palavra impregnada da bondade desse divino Coração produz um som divino e se transforma no bálsamo que consola e alivia a quantos se acham acabrunhados sob o peso de seus sofrimentos. Como Cristo, como Paulo, Vosso coração chora com os que choram e inspira a essas almas a heroica e ativa resignação, penhor da vitória sobre o mal e sobre o mundo já vencido pelo Salvador.

“Eles vem a Vós, porque vosso trono paternal é o farol e o porto dos náufragos da malícia humana, dos confessores da Fé, daqueles que são perseguidos, oprimidos, escorraçados de sua pátria, das Sedes episcopais, dos eremitérios contemplativos, dos asilos de piedade, dos interiores domésticos. Sim, em torno da Cátedra de Pedro, do alto da qual falais e acenais ao  mundo, a voz memorável dos séculos murmura ainda os nomes de Atanásio, de Anselmo e de Tomaz de Cantuária, vindos em pessoa, não tanto para implorar socorro, quanto para afirmar sua íntima união com o Mestre infalível da Verdade e ouvir de sua boca essas palavras de vida que nenhuma outra pronuncia, e aliviam toda pena e reconfortam no meio das grandes lutas para a defesa da causa de Deus.

“Essas palavras de vida, Santíssimo Padre, aspira ardentemente escutar este grupo de prelados, de sacerdotes que, na amargura do afastamento forçado do rebanho confiado a seus cuidados, vieram com numerosos leigos se prosternar aos pés de Vossa Santidade, para reafirmar, no meio desses lamentáveis acontecimentos sua muito filial devoção a Vossa Augusta Pessoa e sua inabalável fidelidade a Vossos ensinamentos; para vos assegurar que a chama da Fé transmitida por seus ancestrais, da Fé professada por S. Domingos, Santo Inácio, Santa Teresa, Santo Isidoro, São Pascoal e pela grande coorte dos santos espanhóis, longe de ceder e de se apagar ao vento da “abominação da desolação” em fúria no santo lugar, arde ainda e se levanta mais viva no coração do verdadeiro povo da Espanha, ávido, em sua dor meditativa, desse renascimento e dessa renovação de vida religiosa que tornam o cristão maior e mais forte que seu infortúnio e que suas penas, e o incitam a reparar as sacrílegas afrontas lançadas por uma minoria audaciosa de infelizes desgarrados, revoltados contra Deus e contra a Igreja.

“Hoje, na tristeza de seu exílio, na miséria de sua pobreza, na angustiante espera do futuro, diante de Vós, vossos filhos não temem o abandono: eles viram, eles experimentaram quão largos são os braços da caridade de Jesus Cristo vivo no coração dos fiéis, e aqui, em Vossa presença, desejam agradecer a todos aqueles que vieram generosamente em seu socorro: autoridades públicas, pastores de dioceses, Sacerdotes, Ordens e Congregações religiosas, simples particulares e de modo especial a Pia União de São Paulo dos padres do clero secular de Roma, em colaboração com o Comité constituído para esse fim.

“Mas é a Vossa Santidade, é a vosso coração cheio de afeto e de solicitude que eles sentem que deve ser endereçado o hino mais alto de seu reconhecimento filial, profundamente emocionados e vencidos pela vossa munificência soberana, generosa em socorros e com reconforto à altura de seu infortúnio. No coração desses refugiados vibra a gratidão de todo cavalheiresco povo espanhol; seus sentimentos de reconhecimento e de amor são os sentimentos da Espanha católica toda inteira que se prosterna aqui a vossos pés, são sentimentos de toda a família cristã que, hoje mais do que nunca, à hora tenebrosa da tempestade, se reúne confiante em torno do Pai, para responder às palpitações de seu coração, tomar parte em suas dores e em suas alegrias, ouvir de sua boca esta palavra que acalma as borrascas dos corações, como fazia o Divino Redentor, ao comandar aos ventos e ao mar, acalmando as ondas agitadas do lago da Galileia.

Levantai vossa mão, Santo Padre, e abençoai vossos filhos aqui presentes, que sofrem um exílio não merecido; abençoai sua pátria na tribulação. Sob o efeito de vossa benção, a dor se enobrece e se torna um fermento de vida que, longe de abaixar e de envilecer, revaloriza e exalta, porque ele faz sentir que na cruz levantada sobre o Gólgota se acham a salvação, a vida, a proteção contra os inimigos, a força e a alegria de espírito, a esperança na vitória e na glória eterna.”

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Como vemos, o Santo Padre Pio XII afirmava na sua qualidade de Cardeal Secretário de Estado no Pontificado de Pio XI, que a “abominação da desolação” representada pelo comunismo não passava de “minoria audaciosa de infelizes desgarrados, revoltados contra Deus e contra a Igreja”, ficando, portanto, completamente desfeita a lenda segundo a qual os católicos teriam reagido na Espanha contra os anseios democráticos e republicanos do povo.

Aliás, já a 1º. de junho de 1933, na Encíclica “Dilectissima Nobis”, posterior à República espanhola e à sua constituição, o Santo Padre Pio XI protestava, não contra a forma republicana de governo, mas contra as ofensas e as injustiças que em seu nome os vermelhos praticavam contra a Igreja na católica terra de Santa Tereza.

Por que silenciam tais fatos esses que se dizem católicos e ao mesmo tempo se mostram amigos e defensores dos “republicanos” espanhóis? Não estarão desse modo tomando parte na conspiração do silêncio a que se refere Pio XI? Com efeito, calam-se eles “sobre os horrores cometidos na Rússia, no México e também em grande parte na Espanha” e falam “relativamente tão pouco de tão vasta organização mundial que é o comunismo de Moscou. Deve-se em parte tal silêncio a razões de uma política menos previdente, favorecida por várias forças ocultas que, há muito, procuram destruir a ordem social cristã” (Encíclica “Divini Redemptoris”).