Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Nova et Vetera
 
Fascismo, nazismo e contra-revolução

 

 

 

 

 

Legionário, 8 de julho de 1945, N. 674, pag. 5

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Em seu livro “Reflexões sobre a Revolução de Nosso Tempo”, defende o fabiano Professor Harold Laski a tese de que as nações aliadas, na pressente guerra, combatem as forças da contra-revolução. Eis suas próprias palavras:

“O argumento central deste livro é em essência, extremamente simples. Não compreenderemos a natureza da guerra em que estamos empenhados, a menos que nos demos conta de que estamos combatendo as forças da contra-revolução. A este fato básico devem ajustar-se nosso ponto de vista e nossa estrategia. Lutamos, não há dúvida, a fim de sobreviver como povos livres; pretendemos castigar a implacável crueldade de nossos inimigos; propomo-nos, se é possível, fazer impossíveis no futuro a baixeza e a covardia de seus métodos; estamos empenhados em arrancar pela raiz sua brutal adoração do poder e da força por si mesmos. Entretanto, a menos que nosso esforço se ajuste ao fato de que estamos lutando contra as forças da contra-revolução, não conseguiremos mobilizar a nosso favor os recursos que necessitamos para a vitória”.

Por outras palavras, o professor Laski daria razão ao Marechal Smuts ao afirmar que não estávamos diante de uma guerra, mas de uma revolução. E o lente da cadeira de Ciência Política da Universidade de Londres esclarece que os aliados é que estariam no campo revolucionário, a tentar esmagar os contra-revolucionários representados pelos fascistas e nazistas.

Que pensar dessa interpretação?

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No decurso da guerra mundial de 1914 e particularmente após ela, justamente com a aceitação dos movimentos da extrema esquerda e diante da ameaça do caos bolchevista, surge uma forte reação contra o liberalismo, principal responsável pela confusão então reinante e caldo de cultura de todas as campanhas revolucionárias do mundo moderno. Manifestou-se esse anti-liberalismo não apenas em alguns partidos políticos, mas em todas as esferas sociais, e seu espírito começou a se infiltrar mais e mais na literatura, penetrando em todas as organizações católicas e mesmo em ambientes acatólicos. A mocidade sobretudo era anti-liberal. A própria palavra “liberal” tornou-se injuriosa.

É nesta altura que as forças secretas resolvem “fazer a contra-revolução antes que os povos a fizessem”... Surgem como cogumelos os sociólogos e ensaístas políticos a deblaterar contra a corrupção e falência do liberalismo. E ao lado de uma legítima reação contra a desagregação liberal, insinua-se o fascismo e logo em seguida o nazismo, para apenas citar os dois maiores “bluffs” da “contra-revolução”, empunhando o estandarte da pseudo-reação e da pseudo-direita.

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Muito se tem escrito sobre a identidade de meios e de fins do fascismo, do nazismo e do comunismo. Pouco, porém, se conhece sobre a identidade de origem desses movimentos totalitários. Escritores eruditos como o Professor Laski, evitando falar em corda em casa de enforcado, apresentam o fascismo e o nazismo como simples manobra das forças conservadoras e da direita por aventureiros inescrupulosos como Hitler e Mussolini, que agiriam por conta própria levando o movimento para rumos desconhecidos e não previstos pelos seus inspiradores...

Chegamos, assim, à seguinte curiosa constatação: enquanto não faltam os que apontam as origens maçônicas do comunismo e sua perfeita articulação com as forças secretas, o nazismo e o fascismo, que se apregoa serem idênticos em meios e fins ao comunismo, ambos também totalitários e socialistas, nada teriam que ver com as forças secretas que articulam e preparam no mundo os movimentos tendentes a lançar a humanidade no totalitarismo socialista... Essas pseudo-direitas fariam, assim, o jogo das forças secretas como Mr. Jourdain fazia a prosa (referência à famosa peça teatral “Le bourgeois gentillome”, n.d.c.). Mais ainda, e quem o afirma é o Sr. Laski, com a sua responsabilidade de lente de Ciência Política da Universidade de Londres: esses movimentos preparariam países como a Alemanha e a Itália para o advento do socialismo, mantendo-se, entretanto, dentro de linhas estritamente contra-revolucionárias...

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O LEGIONÁRIO, para destruir tamanha mistificação, já teve ocasião de se referir às origens mais que suspeitas do fascismo. A subvenção da marcha sobre Roma pelas forças secretas é um fato agora do domínio público, apesar de Mussolini se vangloriar de haver fechado a maçonaria na Itália.

Ora, na Itália, como em todos os países, não existe uma única maçonaria, mas várias, e as lutas intestinas dessas seitas se acham intimamente ligadas aos acontecimentos políticos dos quais são elas um dos fatores principais.

A 10 e 11 de agosto de 1931 apareceram em “La Croix” dois importantes artigos assinados por A. Guissan e por onde se depreende que não somente Mussolini não havia rompido com a maçonaria, mas ainda que havia permanecido favorável ao “Supremo Conselho” e que conservara, entre seus colaboradores imediatos, vários membros eminentes dessa obediência, notadamente Raul Palermi, Italo Balbo, Bottai, Edmondo Rossoni, Farinacci, Dudan, etc. Se é exato que o Grande Oriente foi suprimido, conclui A. Guissan, não é menos verdadeiro que o Duce não rompera com os iniciados do “Supremo Conselho”.

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Para esclarecimento dos incrédulos e dos ingênuos vamos citar um testemunho das próprias lojas. No livro de Maria Rugier “A maçonaria italiana em face da guerra e em face do fascismo”, prefaciado por Lucien Le Foyer, antigo Grão Mestre da Grande Loja de França, vem a seguinte revelação:

“Mas deixemos a guerra para voltarmos ao ponto em que Mussolini, estando no poder, as coisas se voltaram contra a Maçonaria, ainda que o Grande Oriente viesse de lançar três milhões nos bolsos do Ditador e que os maçons ocupassem importantes postos de comando no fascio. Foi o soberano Grão Comandante e Grão Mestre da Grande Loja, Raul Palermi, que dissipou as hesitações compreensíveis (sic!) do Duce e que foi o principal instigador da perseguição da Franco-Maçonaria, na decepcionante esperança de conter a proscrição a seu talante e de dirigir seus rigores “unicamente” contra o Grande Oriente”.

Por esse trecho podemos perceber o alcance do golpe de Mussolini ao dissolver a Maçonaria do Palácio Justiniano (ou Grande Oriente), ao mesmo tempo que conspirava à sombra do Tratado de Latrão, no sentido de realizar a obra política de Mazzini e de Cavour, no seu sonho de colocar a Santa Sé sob o controle da seita, ao mesmo tempo que procurava subtrair à Igreja toda influência religiosa sobre a juventude, no ambiente pagão que preparava para os balilas. E compreendemos as origens das medidas socialistas de seu estado totalitário.

Daí a razão do Santo Padre Pio XI declarar na Encíclica “Non abiamo bisogno” que nunca a Itália conhecera mais fortemente a ação do socialismo e das forças secretas do que no regime fascista, que se propunha justamente combater esses dois flagelos sociais...

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E essa mesma preocupação de torpedear a reação anti-liberal, tomando-lhe a dianteira, nós vemos nas sociedades secretas alemãs. Assim é que em junho de 1931 W. Lodge escrevia o seguinte:

“O grande fato do ano de 1930 foi o triunfo inesperado dos partidários de Hitler nas eleições de setembro. Uma agitação nacionalista formidável surgiu de súbito e parecia tudo querer empolgar. O nacionalismo alemão é especificamente prussiano e luterano. Ora, precisamente uma orientação nesse sentido se manifestou em certas lojas com uma tal acuidade que se seguiu um grave conflito com as autoridades maçônicas internacionais. Em termos claros, isto quer dizer que um dos grupos secretos que manejam o mundo lançou no nacionalismo uma parte da maçonaria alemã, ao mesmo tempo que um outro grupo secreto, assustado, pronunciou contra o primeiro uma excomunhão maior.”

E mais adiante surgem as origens do “cristianismo positivo” pregado pelo nazismo:

“O Dr. Max Rosenthal não duvida que essa tendência “germano-cristã” da maçonaria alemã seja outra coisa que um anti-semitismo e um nacionalismo inconscientes, ou, pelo menos, não confessado. Haverá, portanto, conflito profundo sobre os pontos talvez mais importantes da doutrina. “O pensamento prussiano e a doutrina cristã são as duas potências espirituais sobre as quais repousa a maçonaria alemã”, escreveu o iniciado Dr. Heinrich Bauer. Esta definição é evidentemente incompatível com o espírito de universalidade humanitária, de uma parte, e com uma religiosidade exclusiva de toda doutrina positiva, de outra parte.”

“Este surto nacionalista teve por resultado imediato não somente criar grande confusão entre certos adeptos ligados à ideologia clássica do universalismo maçônico, mas ainda o de provocar excomunhões. As obediências que se filiavam ao rito escocês e ao Grande Oriente (comparar com o caso da Itália fascista) não podiam, com efeito, deixar passar essa manifestação de força nacionalista, luterana e anti-semita.

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Mesmo, porém, à míngua de documentação comprobatória dessa filiação do nazismo com as forças secretas, bastaria comparar o nazismo com o comunismo para se verificar que somente a revolução encabeçada pelas lojas podia lucrar com o advento do totalitarismo nacional-socialista. Daí a irrisão de se tentar apresentar o nazismo como um movimento reacionário e muito menos contra-revolucionário. Com efeito, tanto no comunismo como no nazismo vemos o império do paganismo e do ateísmo. Ambos se caracterizam pelo mais crasso utilitarismo, neles sendo abolidos o direito e a ordem moral.

No nazismo, temos a cultura pagã e a certeza subjetiva da heresia. No comunismo, vemos a cultura proletária e a certeza subjetiva do fanatismo. Em ambos, o Estado totalitário, instrumento do Partido único (nazista ou comunista) ocupa-se de tudo, domina, organiza, decide, realiza tudo por si mesmo. Nessa escravidão ao Estado, tanto no nazismo como no comunismo toda iniciativa particular, até a vida íntima, é suprimida. Ambos praticam o coletivismo, ambos não escondem o fato de serem socialistas. Tanto o nazismo como o comunismo proclamam seu ódio á burguesia e ao capitalismo. Ambos confiscam bens e propriedades. E ainda recentemente Goebbels publicava um artigo no “Das Reich” em que proclamava que a Alemanha venceria a guerra pela implantação do socialismo no mundo.

Nazismo e comunismo são, portanto, dois movimentos nitidamente revolucionários, com a seguinte diferença fundamental quanto à técnica da imposição de seu programa: enquanto o nazismo surge como suposto movimento contra-revolucionário a vociferar contra o liberalismo e o bolchevismo, lentamente vai mostrando suas unhas, depois de aliciar a seu favor grande parte das forças de resistência e de reação contra as manobras das forças secretas para, no fim, entregar suas vítimas de mãos e pés amarrados ao Estado totalitário socialista, o comunista começa a se impor na Rússia por meio de uma revolução liberal que a seu turno é empolgada e superada pelo movimento bolchevista violento e arrasador, inimigo claro e declarado dos valores adquiridos e acumulados por vinte séculos de civilização católica. Ao contrário, porém, do nazismo, a máscara pacifista e de boa vizinhança com os burgueses e com os elementos cristãos veio no fim... E enquanto o nazismo estendia a mão antes de mostrar as unhas, o comunismo a estende alegando havê-las aparado. Tanto num caso como no outro, porém, o fim visado é um só: esmagar a humanidade nesse amplexo “fraternal”...

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E o massacre dos judeus juntamente com os demais povos oprimidos pelo jugo nazista, não será isto prova de que as pseudo-direitas agiam à revelia das forças secretas? Convém a este respeito lembrar a frase de Stalin, segundo a qual pouco lhe importava se dois terços da humanidade sucumbisse, desde que esse sacrifício importasse na “conversão” do terço restante ao comunismo. E as execuções de um Felipe Egalité, de um Danton, de um Robespierre não provam que a revolução costuma devorar seus próprios filhos em benefício da causa que ela defende?